Os símbolos contam…
1 - A jornada europeia da semana passada veio adensar as piores perspectivas: que nenhum dos três grandes consiga seguir em frente na Liga dos Campeões e que o Braga morra na fase de grupos da Taça UEFA. Braga e Benfica foram inapelavelmente derrotados por margem que não deixa dúvidas: 3-0. Sim, já sei, não tiveram a sorte do jogo; ao contrário dos adversários, falharam só na concretização; os resultados foram enganadores, já que dominaram os respectivos jogos em largos períodos; etc. e tal, o fado do costume. Certo, certo, é que ambos nunca chegaram verdadeiramente a discutir o resultado. O mesmo choradinho se ouviu a propósito da derrota caseira e comprometedora do Sporting: que «dominou 80% do jogo» (do qual, metade jogando contra dez), que só falhou na concretização, e por aí fora, mais do mesmo. Certo, porém, é que o Bayern entrou em Alvalade a pôr o Sporting em sentido desde o primeiro minuto e só abrandou quando chegou ao golo e se viu em inferioridade numérica. O FC Porto, depois de um arranque altamente negativo na competição, cumpriu a sua obrigação de vencer em casa um Hamburgo desfalcado e até fez o seu melhor jogo da época. Poderia ter reentrado na luta pelo segundo lugar se, lá longe em Moscovo, um árbitro espanhol não se tivesse lembrado de anular ao Arsenal, e já ao cair do pano, um golo limpíssimo do Thierry Henry. Foram dois pontos dados ao CSKA que, tudo indica, virão a ser decisivos, a menos que o FC Porto consiga a proeza de vencer dois dos três jogos que faltam e empatar o outro.
Eu, todavia, olho para este cenário carregado com uma dose grande de fatalismo e pessimismo. Acho que o futebol europeu ao mais altíssimo nível, que é o da Liga dos Campeões, é hoje praticamente inacessível a qualquer equipa portuguesa. O FC Porto de Mourinho foi um epifenómeno resultante de um conjunto de circunstâncias de felicidade e mérito que acontecem uma vez em cada geração, se tanto. Lembro-me de quando estava a abandonar o Arena AufSchalke, em Gelsenkirchen, nessa noite inesquecível, pensar que certamente nunca mais, em dias da minha vida, eu iria ver o meu clube ou qualquer outro clube português ser campeão da Europa. Quando olhamos, por exemplo, para o banco do Real Madrid e do Barcelona, no derby espanhol deste domingo, ou quando vemos o CSKA jogar contra o Arsenal com três brasileiros, dois dos quais da Selecção, e o Arsenal jogar sem nenhum inglês e onze internacionais de oito países diferentes, percebemos que o tradicional jeito português para a bola já não chega nem pode chegar para fazer frente a estas multinacionais do futebol.
Por isso mesmo, eu compreendo o desabafo do José Manuel Delgado: que o Benfica leve três do Celtic em Glasgow, ainda vá que não vá, agora que nem ao menos jogue de encarnado e branco, optando por aquele horrendo equipamento cor de minhoca desenterrada, isso é que, mais do que uma derrota, é o desfazer de uma história. Ao menos isso: devolvam-nos os equipamentos das nossas equipas, tal como eram e sempre foram até ao dia em que os marqueteiros resolveram vender clubes como quem vende sabonetes.
2 - O Sporting-FC Porto, o primeiro derby do ano, foi um mau e marcado pelo mau estado do terreno, pelo cansaço europeu das duas equipas e pela ausência do astro maior que actualmente brilha nos estádios portugueses: Anderson, de seu nome. Jesualdo Ferreira assumiu, com seriedade, o mau jogo e a má exibição portista - assim como podia ter assumido também o erro que foi desfazer, no lado direito, a dupla Fusile-Quaresma, que estava a pôr em sentido o Sporting, ou como podia ter assumido a vã teimosia de continuar a apostar num Lucho González que parece a alma penada do outro que por aqui passou na época transacta. Mas já Paulo Bento, revelando menor ambição, achou que o Sporting jogou bem, que teve várias oportunidades de golo (?!) e nem sequer teve pudor em reclamar uma mais que duvidosa expulsão de Paulo Assunção (teriam sido duas faltas, dois cartões amarelos...), para que, pela segunda vez consecutiva, o Sporting pudesse ter beneficiado da vantagem de jogar toda a segunda parte em superioridade numérica. Pelos vistos, onze contra onze é um problema insolúvel.
3 - E com tudo a juntar-se no alto da tabela, aí vem um Porto-Benfica - espero eu e todos os portistas, já com o Anderson, que, como se demonstrou em Alvalade, representa 60% da capacidade ofensiva da equipa.
Infelizmente, o Porto-Benfica já começou mal, com o episódio dos bilhetes, onde o FC Porto aproveitou para se vingar, na mesma moeda, da patifaria que o Benfica lhe fez há dois anos. Actos destes são um recado directo aos espectadores: quando o jogo é grande, dispensamos a presença de adeptos do clube forasteiro. Eis o que indubitavelmente contribui para atrair público aos estádios!
E, como se não bastasse o episódio dos bilhetes, o presidente do Benfica, tentando certamente fazer esquecer aos benfiquistas a hecatombe de Glasgow e visando animar a mais chata campanha eleitoral de que há memória nos anais da democracia, resolveu abrir fogo de barragem, em termos pessoais, contra o presidente portista. O qual respondeu à letra, no mesmo tom de elevada elegância. Eis o contributo de ambos para um bom ambiente no Dragão, no próximo sábado.
4 - Imagem igualmente eloquente e marcante a de João Loureiro virando costas à equipa quando esta ficou a perder 3-0. Se houvesse alguém acima dele no clube, talvez o tivesse despedido na hora. Como não havia, foi ele que despediu o treinador.
5 - Outra imagem marcante, e vai sendo repetida quase todas as semanas e, esta sim, a valer a pena ver: todos os putos do FC Porto que marcam golos, correm para abraçar... Vítor Baía. É curioso que Baía possa ser, pelos vistos, mais importante sentado no banco de suplentes do que alguns que andam lá dentro. E é curioso que sejam os putos a lembrar o que alguns parecem ter esquecido: que foi a geração de jogadores do Baía que levou ao clube o célebre e inimitável ambiente de balneário que fez do FC Porto um clube vencedor. Hoje, resta só ele e Pedro Emanuel.
Por ter percebido isso, é que Mourinho foi buscar de volta o Jorge Costa e é por perceber essas coisas que ele foi campeão europeu. Por o não terem percebido, é que Octávio e Adriaanse se permitiram desdenhar do Jorge Costa e por isso é que ambos não passaram da vulgaridade.
Durante anos a fio, Jorge Costa foi também desprezado por quase todos os não portistas. Que era lento, que era caceteiro, que era isto ou aquilo. Mas nós, portistas, sorríamos para dentro: nós sabíamos o que ele valia e sabíamos que a sua importância na equipa começava e continuava muito para além do tempo dos jogos. E sabíamos, por exemplo, que o que faltava e continua a faltar ao Benfica é um ou dois jogadores e homens como Jorge Costa para ensinar aos outros o que é um clube, o que é o espírito de sacrifício e o que é a ambição de vitória. Agora, que, retirado, Jorge Costa recebeu os elogios do mundo, e agora que o capitão do FC Porto é um estrangeiro chegado no ano passado, a voz de inspiração e de comando dos miúdos que jogam de azul e branco é o Baía, mesmo sentado no banco de suplentes!
# in Jornal “A BOLA”, 2006.10.24
1 - A jornada europeia da semana passada veio adensar as piores perspectivas: que nenhum dos três grandes consiga seguir em frente na Liga dos Campeões e que o Braga morra na fase de grupos da Taça UEFA. Braga e Benfica foram inapelavelmente derrotados por margem que não deixa dúvidas: 3-0. Sim, já sei, não tiveram a sorte do jogo; ao contrário dos adversários, falharam só na concretização; os resultados foram enganadores, já que dominaram os respectivos jogos em largos períodos; etc. e tal, o fado do costume. Certo, certo, é que ambos nunca chegaram verdadeiramente a discutir o resultado. O mesmo choradinho se ouviu a propósito da derrota caseira e comprometedora do Sporting: que «dominou 80% do jogo» (do qual, metade jogando contra dez), que só falhou na concretização, e por aí fora, mais do mesmo. Certo, porém, é que o Bayern entrou em Alvalade a pôr o Sporting em sentido desde o primeiro minuto e só abrandou quando chegou ao golo e se viu em inferioridade numérica. O FC Porto, depois de um arranque altamente negativo na competição, cumpriu a sua obrigação de vencer em casa um Hamburgo desfalcado e até fez o seu melhor jogo da época. Poderia ter reentrado na luta pelo segundo lugar se, lá longe em Moscovo, um árbitro espanhol não se tivesse lembrado de anular ao Arsenal, e já ao cair do pano, um golo limpíssimo do Thierry Henry. Foram dois pontos dados ao CSKA que, tudo indica, virão a ser decisivos, a menos que o FC Porto consiga a proeza de vencer dois dos três jogos que faltam e empatar o outro.
Eu, todavia, olho para este cenário carregado com uma dose grande de fatalismo e pessimismo. Acho que o futebol europeu ao mais altíssimo nível, que é o da Liga dos Campeões, é hoje praticamente inacessível a qualquer equipa portuguesa. O FC Porto de Mourinho foi um epifenómeno resultante de um conjunto de circunstâncias de felicidade e mérito que acontecem uma vez em cada geração, se tanto. Lembro-me de quando estava a abandonar o Arena AufSchalke, em Gelsenkirchen, nessa noite inesquecível, pensar que certamente nunca mais, em dias da minha vida, eu iria ver o meu clube ou qualquer outro clube português ser campeão da Europa. Quando olhamos, por exemplo, para o banco do Real Madrid e do Barcelona, no derby espanhol deste domingo, ou quando vemos o CSKA jogar contra o Arsenal com três brasileiros, dois dos quais da Selecção, e o Arsenal jogar sem nenhum inglês e onze internacionais de oito países diferentes, percebemos que o tradicional jeito português para a bola já não chega nem pode chegar para fazer frente a estas multinacionais do futebol.
Por isso mesmo, eu compreendo o desabafo do José Manuel Delgado: que o Benfica leve três do Celtic em Glasgow, ainda vá que não vá, agora que nem ao menos jogue de encarnado e branco, optando por aquele horrendo equipamento cor de minhoca desenterrada, isso é que, mais do que uma derrota, é o desfazer de uma história. Ao menos isso: devolvam-nos os equipamentos das nossas equipas, tal como eram e sempre foram até ao dia em que os marqueteiros resolveram vender clubes como quem vende sabonetes.
2 - O Sporting-FC Porto, o primeiro derby do ano, foi um mau e marcado pelo mau estado do terreno, pelo cansaço europeu das duas equipas e pela ausência do astro maior que actualmente brilha nos estádios portugueses: Anderson, de seu nome. Jesualdo Ferreira assumiu, com seriedade, o mau jogo e a má exibição portista - assim como podia ter assumido também o erro que foi desfazer, no lado direito, a dupla Fusile-Quaresma, que estava a pôr em sentido o Sporting, ou como podia ter assumido a vã teimosia de continuar a apostar num Lucho González que parece a alma penada do outro que por aqui passou na época transacta. Mas já Paulo Bento, revelando menor ambição, achou que o Sporting jogou bem, que teve várias oportunidades de golo (?!) e nem sequer teve pudor em reclamar uma mais que duvidosa expulsão de Paulo Assunção (teriam sido duas faltas, dois cartões amarelos...), para que, pela segunda vez consecutiva, o Sporting pudesse ter beneficiado da vantagem de jogar toda a segunda parte em superioridade numérica. Pelos vistos, onze contra onze é um problema insolúvel.
3 - E com tudo a juntar-se no alto da tabela, aí vem um Porto-Benfica - espero eu e todos os portistas, já com o Anderson, que, como se demonstrou em Alvalade, representa 60% da capacidade ofensiva da equipa.
Infelizmente, o Porto-Benfica já começou mal, com o episódio dos bilhetes, onde o FC Porto aproveitou para se vingar, na mesma moeda, da patifaria que o Benfica lhe fez há dois anos. Actos destes são um recado directo aos espectadores: quando o jogo é grande, dispensamos a presença de adeptos do clube forasteiro. Eis o que indubitavelmente contribui para atrair público aos estádios!
E, como se não bastasse o episódio dos bilhetes, o presidente do Benfica, tentando certamente fazer esquecer aos benfiquistas a hecatombe de Glasgow e visando animar a mais chata campanha eleitoral de que há memória nos anais da democracia, resolveu abrir fogo de barragem, em termos pessoais, contra o presidente portista. O qual respondeu à letra, no mesmo tom de elevada elegância. Eis o contributo de ambos para um bom ambiente no Dragão, no próximo sábado.
4 - Imagem igualmente eloquente e marcante a de João Loureiro virando costas à equipa quando esta ficou a perder 3-0. Se houvesse alguém acima dele no clube, talvez o tivesse despedido na hora. Como não havia, foi ele que despediu o treinador.
5 - Outra imagem marcante, e vai sendo repetida quase todas as semanas e, esta sim, a valer a pena ver: todos os putos do FC Porto que marcam golos, correm para abraçar... Vítor Baía. É curioso que Baía possa ser, pelos vistos, mais importante sentado no banco de suplentes do que alguns que andam lá dentro. E é curioso que sejam os putos a lembrar o que alguns parecem ter esquecido: que foi a geração de jogadores do Baía que levou ao clube o célebre e inimitável ambiente de balneário que fez do FC Porto um clube vencedor. Hoje, resta só ele e Pedro Emanuel.
Por ter percebido isso, é que Mourinho foi buscar de volta o Jorge Costa e é por perceber essas coisas que ele foi campeão europeu. Por o não terem percebido, é que Octávio e Adriaanse se permitiram desdenhar do Jorge Costa e por isso é que ambos não passaram da vulgaridade.
Durante anos a fio, Jorge Costa foi também desprezado por quase todos os não portistas. Que era lento, que era caceteiro, que era isto ou aquilo. Mas nós, portistas, sorríamos para dentro: nós sabíamos o que ele valia e sabíamos que a sua importância na equipa começava e continuava muito para além do tempo dos jogos. E sabíamos, por exemplo, que o que faltava e continua a faltar ao Benfica é um ou dois jogadores e homens como Jorge Costa para ensinar aos outros o que é um clube, o que é o espírito de sacrifício e o que é a ambição de vitória. Agora, que, retirado, Jorge Costa recebeu os elogios do mundo, e agora que o capitão do FC Porto é um estrangeiro chegado no ano passado, a voz de inspiração e de comando dos miúdos que jogam de azul e branco é o Baía, mesmo sentado no banco de suplentes!
# in Jornal “A BOLA”, 2006.10.24
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