Não faz capas de jornais, pois não?

assistência: --- espectadores.

árbitros: Duarte Gomes (AF Lisboa), Pedro Garcia e José Lima; Luís Estrela.

BELENENSES: Júlio César; Cândido Costa, Rodrigo Arroz, Carciano e Tininho; Diakité, Mano, Silas «cap.» e José Pedro; Wender e Marcelo.
Substituições: Wender por Saulo (30 min), Când.Costa por Ávalos (30 min) e Marcelo por Roncatto (65 min).
Não utilizados: Costinha, China, Porta e Kiko.
Treinador: Jaime Pacheco.

FC PORTO: Helton; Fucile, Rolando, Bruno Alves e Cissokho; Fernando, Raul Meireles e Lucho «cap.»; Mariano, Hulk e Rodríguez.
Substituições: Mariano por Farías (64 min), Raul Meireles por Guarín (80 min) e Hulk por Lisandro (85 min).
Não utilizados: Nuno, Pedro Emanuel, Sapunaru e Tomás Costa.
Treinador: Jesualdo Ferreira.

disciplina: cartão amarelo a Saulo (35 min), Fucile (39 e 89 min), Rodríguez (52 min), Cissokho (74 min), Diakité (84 min); cartão vermelho a Fucile (89 min).

golos: Hulk (20 min), Rodríguez (23 min), Saulo (35 min) e Lucho (86 min).

Cá estamos nós, novamente, perante um desafio. Um repto que exigirá, do onze inicial, o máximo de empenho, numa disputa ardorosa, que se antevê de enorme grau de dificuldade. Jesualdo Ferreira, desta feita, não se escondeu em lugares-comuns, no discurso de lançamento da partida frente ao Belenenses. O decano treinador portista afirmou, de forma a não deixar dúvidas, que é de extrema importância a manutenção do posto cimeiro da classificação. Para isso, os seus comandados só têm um caminho: VENCER!

Percebe-se o porque da importância atribuída à manutenção do 1º lugar. Não será por uma questão de vaidade, inócua nesta altura, mas pelo factor psicológico de obrigar os encarnados, nossos visitantes na próxima jornada, a entrarem no Dragão condicionados a disputarem um jogo que, em caso de derrota, lhes poderá significar o final dos sonhos de conquista do título.

E os Dragões entraram, num relvado fustigado pelo mau tempo, com a habitual garra. Sem Lisandro, provavelmente envolto numa redoma que o protege da mazela semanal e dos humores da arbitragem, as novidades eram o regresso de Cissokho à lateral esquerda, com Mariano a ficar com a titularidade no lado direito do meio-campo. Hulk, colosso humano, o aríete preparado para derrubar a estrutura defensiva do Belenenses.

Usando a pressão alta, desde o apito inicial de Duarte Gomes, os azuis e brancos empurraram literalmente os azuis do Restelo para uma defensiva porfiada… e atabalhoada.

- Aos 2’, Rolando ameaçou, subindo imperial na marcação de uma falta, testando a elasticidade de Julio Cesar.

- Aos 9’, Raul Meireles serve na perfeição, na marcação de um canto, a entrada fulgurante do rejuvenescido Rodriguez. A cabeçada deste perdeu-se sobre a barra. Ficava o aviso…

Aparentemente, foi sol de pouca dura. O Belenenses equilibrou, conseguindo fugir ao colete-de-forças portista, realizando algumas incursões rápidas, privilegiando os flancos, colocando alguns desafios à defensiva portista. Ao mesmo tempo, acertaram as marcações, parecendo que tinham encontrado o equilíbrio ideal. Velozes e rápidos nas transições ofensivas, seguros e coesos nas marcações defensivas. Mero engano.

Este Porto, estruturado no sistema táctico que Jesualdo idealizou, é mortífero no contra-ataque. Necessita de espaço, de liberdade dos espartilhos engendrados pelos adversários. Mas, quando as consegue, torna-se letal.

Mariano Gonzalez, habitual bode expiatório de algumas amarguras dos apaniguados portistas, tinha começado a redimir-se. Frente ao Leixões realizou exibição condigna, obtendo um tento que lhe deve ter feito aumentar os índices anímicos. Hoje, na tempestuosa noite lisboeta, continuou a trilhar o caminho redentor.

- Aos 21’, totalmente sozinho no flanco oposto, cruzou com precisão. A bola, teleguiada, aterrou com exactidão no meio da área opositora. E lá, fulgurante, Hulk foi mais rápido do que a sua sombra. Esticou a perna e fez o primeiro.

O Belenenses nem teve hipótese de reacção imediata. Qual predador esfaimado, o Porto estendia-se com graciosidade no relvado encharcado. Dois minutos depois, as redes da equipa de Jaime Pacheco estremeceram, novamente.

- 23 minutos. Lucho levanta a cabeça. Estranhamente, está sozinho, em território proibido. Sente que pode fazer estragos. Cruza milimetricamente, vendo a movimentação de Cebola. E este, na melhor fase da sua carreira de Dragão ao peito, tem uma elevação de fazer inveja a muitos avançados. A bola, disparada como uma bala, só parou lá dentro. Julio Cesar limitou-se a olhar.

Se fosse um realizador de cinema e o jogo uma realidade ficcionada, sentiria que era neste ponto que a obra poderia descambar para um de dois lados: ou seguiria direita à glória ou afundar-se-ia num mar de problemas.

A avalanche de futebol dos campeões nacionais prenunciava a escolha pela fama. As oportunidades, perante um aturdido adversário, avolumavam-se.

- 28 ‘. Passe de Hulk para a progressão rápida de Mariano. Gingão, o argentino ultrapassa o marcador directo, rematando em jeito. Uma estirada soberba do guardião dos da casa impede a entrada da bola;

- 29’. Meireles, recuperando a bola no flanco esquerdo, dispara um míssil. A trajectória da bola, caprichosa, leva-a a desviar-se da baliza, no último instante;

- 31’. Hulk e espaço. O mesmo é dizer que a soma das duas partes resulta numa espécie de recreio predilecto para o brasileiro. Impressionante a cavalgada, excelente o drible sobre o defesa, com o remate poderoso a sair rente ao poste da baliza do Belenenses.

O jogo estava controlado. Mas, já se sabe e isso faz parte da cartilha, que o 2-0 é sempre um resultado ingrato. O balde de água fria no entusiasmo de quem assistia ao jogo, de cachecol azul e branco ao pescoço, surgiu pouco depois.

Aproveitando a passividade da defensiva portista, com Cissokho perdido nas marcações e Meireles a não ser o tampão pretendido, os azuis do Restelo reduzem o marcador. Um lance rápido, mas onde existe um pequenino senão:

O GOLO É IRREGULAR. PRECEDIDO DE FORA DE JOGO.

Perdoar-me-ão a expansividade na análise, dado que se apercebe que a irregularidade do jogador do Belenenses é milimétrica. Sim. É certo. Mas existe. E ninguém fará capa de jornais com ela, pois não?

O Porto sentiu o murro no estômago. O Belenenses cresceu, criando lances de perigo, quase até ao derradeiro apito para o intervalo. Sentia-me estranhamente inquieto, vendo a bola a sobrevoar a área de Helton, receoso de novo golpe do destino. Ele surgiu. Empossou a sua realização ao homem do apito. O juiz, como alguns o apelidam, ironia máxima a quem de defensor recto e justo da lei nada tem. Fucile, numa das suas habituais incursões ofensivas, vê-se desarmado. Procura recuperar, virando-se lesto em direcção à sua área. A bola, rematada por um jogador da casa, embate-lhe na mão. E o Circo chegou, em toda a sua plenitude. O esperado, depois da habitual campanha da imprensa, preocupada com os amarelos de alguns jogadores portistas. Duarte Gomes e o seu correligionário fizeram o resto. Impediram o uruguaio de jogar o clássico, contra o Benfica, na próxima jornada. Mas isto, estou certo, não fará capas de jornais amanhã, pois não?

Fui para o intervalo enojado. Farto deste futebol mesquinho, de gente odiosa que nos tenta destruir, da parcialidade de julgamentos, sempre lestos a acusarem-nos. Nojo misturado com um orgulho impante no peito. Porque vamos continuar a combater.

A segunda parte perdeu brilhantismo. Jogada num ritmo intenso, uma espécie de reedição do Porto-Leixões da Taça de Portugal, continuou a ser disputada de forma enérgica, mas já sem a clarividência da primeira metade. Jesualdo optou por uma estratégia de contenção, qual xadrezista obcecado com a concessão de espaços, recuando linhas, massificando os espaços, deixando as despesas da partida para o adversário.

As oportunidades, por via disso, escassearam. Lutou-se bastante, com arreganho, lances disputados como se deles dependesse a sorte da partida. A baliza de Helton, assediada fortemente nos minutos finais do primeiro tempo, ficou a salvo, raras foram as veleidades permitidas.

O tempo arrastava-se, caminhando para o final, enquanto as peças iam sendo substituídas, exaustas. Mariano cedeu o posto ao compatriota Farías. Meireles a Guarin. Como se de uma batalha medieval se tratasse, as linhas portistas aguentavam, indómitas. Faltava algo. O golo do alívio. Ele surgiu, bem perto do final. Jesualdo tinha esgotado as substituições. Deu minutos de descanso ao infatigável Hulk, colocando no seu lugar, para surpresa geral, Lisandro.

E o argentino, como se possuísse o toque de Midas, serviu na primeira oportunidade o companheiro predilecto. Lucho, cerebral e com uma frieza de assinalar, agradeceu a benesse. Entrou na área e colocou um ponto final nas aspirações do País. Ponto final?

Não. Engano. Esse foi dado, com cunho e assinatura pessoal, por Jesualdo. Fucile demorou uma eternidade na marcação de um lançamento de linha lateral. Duarte Gomes mostrou-lhe, exuberante, o segundo amarelo. Que ilações tirar?

Apenas uma. Vamos a Alvalade e o duplo amarelo será limpo. Se assim for, da forma mais subtil possível, fizemos um belo manguito ao ordenador do primeiro amarelo ao uruguaio. E eu faço o meu mea culpa. Público. Em conversa informal com um amigo, mostrei-me indignado com o facto de, nesta altura, em vésperas de jogos cruciais, o Porto ter 3 peças fundamentais castigadas. De forma organizada e cirúrgica, à muito que os castigos deveriam estar limpos. Mas, se esta estratégia hoje usada resultar, fica provado que ninguém dorme no reino do Dragão.

Melhor do Porto: Vários. Fernando, no seu eterno papel de sapa, bombeiro do meio-campo azul e branco, voluntarioso sem perder o discernimento, dando o peito às balas, correndo quilómetros. Hulk, com as qualidades imensas a serem lapidadas, lentamente. Poderoso no um-para-um, dono de uma técnica assinalável, continua a abrir espaços, a criar perigo, a fazer assistências, perdendo aos poucos a faceta individualista. Rodriguez, rasgando o lado esquerdo, fazendo diagonais, aparecendo amiúde na zona de finalização. Fantástico golo, num jogador eléctrico, que não sabe estar parado. Uma menção honrosa para Lisandro. 5 minutos em campo. Uma assistência para golo. Classe é isto. Mas não faz capas de jornais, pois não?

Arbitragem: Coroado já a definiu. Segundo a sapiência, a “arbitragem saiu prestigiada do Restelo”. Claro que sim, acrescento eu. Não fosse o pormenor do golo irregular do Belenenses e o pormaior do amarelo inicial a Fucile. Se isso fosse apagado, num golpe de mágica, concordaria com o ranhoso ex-árbitro. Assim, só posso dizer que a encomenda não surtiu efeito. Como diziam as máquinas de jogos, na minha adolescência. Insert Coin. Tentem para a próxima, ok?