1 Corria o ano de 1992 quando o Clube de Regatas Flamengo, do Rio de Janeiro, se sagrou campeão brasileiro pela última vez. Nessa altura, recebia o Rio a Cimeira da Terra, onde 108 Chefes de Estado do mundo inteiro foram fingir estarem muito preocupados com a saúde do planeta. Dezassete anos depois e no dia em que em Copenhaga se abre a Cimeira Mundial do Clima, o Flamengo chegou outra vez, e pela sexta na sua história, ao título de campeão federal — ou seja, campeão nacional do Brasil. Entre uma e outra data decorreram dezassete anos, catorze dos quais os mais quentes de sempre. O planeta avançou dramaticamente no caminho do aquecimento global e o Flamengo nunca mais foi campeão. Dezassete anos é muito tempo: foi o tempo que o FC Porto esteve sem ganhar um campeonato, entre a minha infância e a idade adulta; foi o tempo que também o Sporting esteve depois sem ganhar um campeonato, nos anos da imparável hegemonia portista.
Mas o Flamengo, que podemos considerar o Benfica do Brasil (sendo o Fluminense o Sporting e o Corinthians o FC Porto), é mais do que um simples clube, fundado para se dedicar ao remo na Lagoa Rodrigues de Freitas, onde hoje ainda mantém instalações. O Mengo é o mais popular clube do Brasil e uma religião no Rio de Janeiro. É impossível andar na rua ou na praia sem tropeçar a cada momento com alguém vestido com a alvi-negra — a camisola vestida, por exemplo, pelo imortal «Pelé branco», Zico de sua alcunha, ou por Romário e Bebeto. Pois, este ano e uma vez mais, o Mengo pareceu quase toda a época arredado do título — que parecia destinado ao campeão S. Paulo, com a perseguição, a distância controlada, do também paulista Palmeiras e do gaúcho Internacional de Porto Alegre. Mas, subitamente, no ultimo terço do campeonato, o S. Paulo começou a acusar stress e cansaço e Inter e Palmeiras chegaram-se à frente, já a uma distância de perigo. E foi então que, aos poucos, foi acontecendo aquilo que às vezes acontece nas maratonas mais emocionantes: vindo lá de trás, vitória após vitória, o Flamengo foi-se chegando à frente e acabou por passar primeiro o Inter, depois o Palmeiras e, na penúltima jornada, beneficiando da derrota do S. Paulo em Goiás e arrancando uma vitória decisiva na visita ao Corinthians, chegou enfim ao topo da classificação. Mas, para ser campeão, precisava de vencer, num Maracanã lotado desde há dias, o Grémio de Porto Alegre. Começou a perder e chegou ao empate antes do intervalo. Nessa altura, a 45 minutos do final de um campeonato de 38 jornadas, quatro equipas estavam empatadas em pontos no primeiro lugar — coisa jamais vista em lugar algum. A manterem-se as coisas assim, o campeonato iria para o Internacional, que beneficiava das regras do desempate. Contou-me um amigo brasileiro que, na segunda parte do jogo do Maracanã, foi visível, porém, o peso histórico da rivalidade (melhor dizendo, do ódio) existente entre os dois maiores clubes do Rio Grande do Sul: Grémio e Inter. A torcida do Grémio, dizem, não perdoaria aos seus jogadores que roubassem o título ao Mengo para o dar… ao Inter. Parece que à boca da baliza do Fla houve quem não conseguisse fazer o mais fácil, que era marcar golo e acabar com o sonho. E então, o Mengo lá chegou ao 2-1 glorioso e ao título que buscava há 17 anos. Título particularmente importante para o «Imperador» Adriano, fugido do Inter, de Mourinho, para se sagrar o melhor marcador da Copa, e, sobretudo, para o sérvio Petkovic, de 37 anos de idade e cronicamente classificado como um dos melhores do campeonato. O Rio explodiu como se o Brasil tivesse acabado de ganhar a Copa do Mundo. E só lamento que, com 150 mil imigrantes brasileiros em Portugal, a Sport TV tenha estado tão desatenta que não se lembrou de transmitir o jogo do século no Brasil.
2 E muito pouco futebol vi no fim-de-semana. Vi parte dos dois derbies da jornada em Itália: o Roma-Lazio e o Juventus-Inter. E, mais uma vez, fiquei espantado como o calcio consegue manter a sua força com um futebol assim. Tacticamente, como sabemos, é brilhante: tudo aquilo é estudado, ensaiado, nada acontece por acaso e os jogadores parecem saber sempre o que fazer, em cada momento. Tecnicamente, jogam ali os melhores executantes do mundo e isso vê-se bem em cada pormenor: a maneira como dominam as bolas, como rematam, como passam, como cabeceiam. Mas, depois, o jogo é de feios, porcos e maus, cacetada de criar bicho e cenas de sopapo sem mais nem menos, gritos racistas do público, estádios jamais cheios e um espectáculo raramente emocionante. O Inter, de José Mourinho, então, é o paradigma do calcio: ganhar, ganha, jogos e títulos, tudo é mecanizado sem falhas e dirigido a um único objectivo que é o de vencer. Mas eu, francamente, não pagava bilhete para ver aquilo. Ai, Ricardo Quaresma, que desperdício ser suplente naquela equipa de marionetas!
3 Passei o Guimarães-FC Porto e logo passei um dos raros jogos em que, pelo menos durante a primeira parte, os portistas não tiveram de viver com o credo na boca. (Deixem-me informar que, quando o FC Porto vence em Guimarães, costuma ser campeão). O Sporting de ontem à noite passei também, por razões à vista.
E, assim, o melhor que vi, este fim-de-semana, acabou por ser o Benfica. Volto a dizer que me impressionou muito bem a capacidade de criação de jogo de ataque daquela equipa, em especial Saviola (o Real Madrid é, de facto, uma fábrica de desperdício de talentos, como só os milionários o podem ser…), e Cardozo — que, na época passada e contra a opinião de muitos benfiquistas, estranhava que ficasse tantas vezes de fora. Sem dúvida que o Benfica teve a sorte do jogo em vários detalhes, começando logo pelo golo marcado aos 6 minutos, no primeiro remate à baliza. E, embora a Académica tenha sido inofensiva em termos de ataque, não se fechou atrás e mostrou qualidade para mais do que aquilo. Mas aí, sim, é que é marcante ver a atitude de conquista e a facilidade de criação de jogadas de golo por parte do Benfica, e, para mais, num terreno difícil, como estava. Vai ser curioso constatar se, daqui a quinze dias, quando receber o FC Porto na Luz — no que será o seu primeiro grande teste de fogo da época — o Benfica vai conseguir manter a mesma atitude de conquista, face a uma equipa que faz justamente disso o seu grande trunfo. Em minha opinião, vai ser um jogo sem favorito à partida. Porque, se o Benfica me parece bem melhor na frente, é mais fraco atrás — em especial no flanco esquerdo da defesa, onde David Luiz e César Peixoto oscilam facilmente, se apertados. Caminhamos para um potencial grande jogo e, a quinze dias de distância, só espero que não comecem, dum lado ou do outro, os «jogos por fora» — porque, quanto ao clima de intimidação e violência criado pelas claques, isso, infelizmente, vai ser como de costume. Que bom que seria um jogo grande sem claques!
Onde anda o Sousa Tavares !? Não há !?
ResponderEliminarMiguel Sousa Tavares n' A Bola.
ResponderEliminar'Mengo'!
1 Corria o ano de 1992 quando o Clube de Regatas Flamengo, do Rio de Janeiro, se sagrou campeão brasileiro pela última vez. Nessa altura, recebia o Rio a Cimeira da Terra, onde 108 Chefes de Estado do mundo inteiro foram fingir estarem muito preocupados com a saúde do planeta. Dezassete anos depois e no dia em que em Copenhaga se abre a Cimeira Mundial do Clima, o Flamengo chegou outra vez, e pela sexta na sua história, ao título de campeão federal — ou seja, campeão nacional do Brasil. Entre uma e outra data decorreram dezassete anos, catorze dos quais os mais quentes de sempre. O planeta avançou dramaticamente no caminho do aquecimento global e o Flamengo nunca mais foi campeão. Dezassete anos é muito tempo: foi o tempo que o FC Porto esteve sem ganhar um campeonato, entre a minha infância e a idade adulta; foi o tempo que também o Sporting esteve depois sem ganhar um campeonato, nos anos da imparável hegemonia portista.
Mas o Flamengo, que podemos considerar o Benfica do Brasil (sendo o Fluminense o Sporting e o Corinthians o FC Porto), é mais do que um simples clube, fundado para se dedicar ao remo na Lagoa Rodrigues de Freitas, onde hoje ainda mantém instalações. O Mengo é o mais popular clube do Brasil e uma religião no Rio de Janeiro. É impossível andar na rua ou na praia sem tropeçar a cada momento com alguém vestido com a alvi-negra — a camisola vestida, por exemplo, pelo imortal «Pelé branco», Zico de sua alcunha, ou por Romário e Bebeto. Pois, este ano e uma vez mais, o Mengo pareceu quase toda a época arredado do título — que parecia destinado ao campeão S. Paulo, com a perseguição, a distância controlada, do também paulista Palmeiras e do gaúcho Internacional de Porto Alegre. Mas, subitamente, no ultimo terço do campeonato, o S. Paulo começou a acusar stress e cansaço e Inter e Palmeiras chegaram-se à frente, já a uma distância de perigo. E foi então que, aos poucos, foi acontecendo aquilo que às vezes acontece nas maratonas mais emocionantes: vindo lá de trás, vitória após vitória, o Flamengo foi-se chegando à frente e acabou por passar primeiro o Inter, depois o Palmeiras e, na penúltima jornada, beneficiando da derrota do S. Paulo em Goiás e arrancando uma vitória decisiva na visita ao Corinthians, chegou enfim ao topo da classificação. Mas, para ser campeão, precisava de vencer, num Maracanã lotado desde há dias, o Grémio de Porto Alegre. Começou a perder e chegou ao empate antes do intervalo. Nessa altura, a 45 minutos do final de um campeonato de 38 jornadas, quatro equipas estavam empatadas em pontos no primeiro lugar — coisa jamais vista em lugar algum. A manterem-se as coisas assim, o campeonato iria para o Internacional, que beneficiava das regras do desempate. Contou-me um amigo brasileiro que, na segunda parte do jogo do Maracanã, foi visível, porém, o peso histórico da rivalidade (melhor dizendo, do ódio) existente entre os dois maiores clubes do Rio Grande do Sul: Grémio e Inter. A torcida do Grémio, dizem, não perdoaria aos seus jogadores que roubassem o título ao Mengo para o dar… ao Inter. Parece que à boca da baliza do Fla houve quem não conseguisse fazer o mais fácil, que era marcar golo e acabar com o sonho. E então, o Mengo lá chegou ao 2-1 glorioso e ao título que buscava há 17 anos. Título particularmente importante para o «Imperador» Adriano, fugido do Inter, de Mourinho, para se sagrar o melhor marcador da Copa, e, sobretudo, para o sérvio Petkovic, de 37 anos de idade e cronicamente classificado como um dos melhores do campeonato. O Rio explodiu como se o Brasil tivesse acabado de ganhar a Copa do Mundo. E só lamento que, com 150 mil imigrantes brasileiros em Portugal, a Sport TV tenha estado tão desatenta que não se lembrou de transmitir o jogo do século no Brasil.
(continua)
(continuação)
ResponderEliminar2 E muito pouco futebol vi no fim-de-semana. Vi parte dos dois derbies da jornada em Itália: o Roma-Lazio e o Juventus-Inter. E, mais uma vez, fiquei espantado como o calcio consegue manter a sua força com um futebol assim. Tacticamente, como sabemos, é brilhante: tudo aquilo é estudado, ensaiado, nada acontece por acaso e os jogadores parecem saber sempre o que fazer, em cada momento. Tecnicamente, jogam ali os melhores executantes do mundo e isso vê-se bem em cada pormenor: a maneira como dominam as bolas, como rematam, como passam, como cabeceiam. Mas, depois, o jogo é de feios, porcos e maus, cacetada de criar bicho e cenas de sopapo sem mais nem menos, gritos racistas do público, estádios jamais cheios e um espectáculo raramente emocionante. O Inter, de José Mourinho, então, é o paradigma do calcio: ganhar, ganha, jogos e títulos, tudo é mecanizado sem falhas e dirigido a um único objectivo que é o de vencer. Mas eu, francamente, não pagava bilhete para ver aquilo. Ai, Ricardo Quaresma, que desperdício ser suplente naquela equipa de marionetas!
3 Passei o Guimarães-FC Porto e logo passei um dos raros jogos em que, pelo menos durante a primeira parte, os portistas não tiveram de viver com o credo na boca. (Deixem-me informar que, quando o FC Porto vence em Guimarães, costuma ser campeão). O Sporting de ontem à noite passei também, por razões à vista.
E, assim, o melhor que vi, este fim-de-semana, acabou por ser o Benfica. Volto a dizer que me impressionou muito bem a capacidade de criação de jogo de ataque daquela equipa, em especial Saviola (o Real Madrid é, de facto, uma fábrica de desperdício de talentos, como só os milionários o podem ser…), e Cardozo — que, na época passada e contra a opinião de muitos benfiquistas, estranhava que ficasse tantas vezes de fora. Sem dúvida que o Benfica teve a sorte do jogo em vários detalhes, começando logo pelo golo marcado aos 6 minutos, no primeiro remate à baliza. E, embora a Académica tenha sido inofensiva em termos de ataque, não se fechou atrás e mostrou qualidade para mais do que aquilo. Mas aí, sim, é que é marcante ver a atitude de conquista e a facilidade de criação de jogadas de golo por parte do Benfica, e, para mais, num terreno difícil, como estava. Vai ser curioso constatar se, daqui a quinze dias, quando receber o FC Porto na Luz — no que será o seu primeiro grande teste de fogo da época — o Benfica vai conseguir manter a mesma atitude de conquista, face a uma equipa que faz justamente disso o seu grande trunfo. Em minha opinião, vai ser um jogo sem favorito à partida. Porque, se o Benfica me parece bem melhor na frente, é mais fraco atrás — em especial no flanco esquerdo da defesa, onde David Luiz e César Peixoto oscilam facilmente, se apertados. Caminhamos para um potencial grande jogo e, a quinze dias de distância, só espero que não comecem, dum lado ou do outro, os «jogos por fora» — porque, quanto ao clima de intimidação e violência criado pelas claques, isso, infelizmente, vai ser como de costume. Que bom que seria um jogo grande sem claques!
Miguel Sousa Tavares n' A Bola.
fonte: http://www.portistaforever.blogspot.com/