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09:15 AM. O despertador, desse mal necessário apelidado por telemóvel, toca o despertar. Um portista boceja, confirma as horas, levanta-se cambaleando, não pelo exagero dos copos da festança na noite anterior, no jantar de natal entre colegas de blogue, mas pelas poucas horas de sono cujo trabalho do longo dia anterior lhe roubara ao descanso ou ao convívio...
Afasta as friestas do estore e espreita da janela, constatando: "Caralho! Tá mesmo um dia lindo para se ir ganhar a Lisboa!".
Mais pontapé, menos canelada pelos móveis, lá se vai aprontando que o dia reluzente, e um clássico de futebol, chamam lá fora. Não sem antes cumprir alguns rituais rotineiros de domingo, mais café, menos leituras, confirma as horas, e, "Foda-se! Que já estou atrasado..."
11:45 AM. O motor do C4 ronca, felino, arranca em sentido contrário, rumando 50 km a norte, para a mini-concentração marcada no Manjar do Marquês, em Pombal, e os receios de MrCosmos mostram-se afinal infundados. Não só chegara a horas, como até consegue o feito raro de ser o primeiro a comparecer no encontro. Tem por isso tempo de verificar o ambiente à volta. "Olha, um portista, e outro, e alí, uhmmm.... sim alí vai outro!" O sorriso que trazia nos lábios desvanece-se rapidamente quando entra no restaurante: "Fosga-se! Já chegamos à pontinha, ou quê?! As camisolas vermelhas são mais que as mães!".
Volta para fora, precisava de respirar ar puro.
A estacionar já estava a mini caravana daquele blogue do carago! bLuE bOy, Mafaldinha, AzuliBranco , Tripeiro, e Xeio_d_Xono, apeiam. Ligeiramente a duas, três filas de distância, Bicho - O Eterno Capitão, verifica se a viatura está mesmo fechada.
"Comé que é Mister? Tá-se? Tá-se!" - Cumprimentam-se o bLuE e o Mr, entre um primeiro abraço há já bastante tempo adiado por uma primeira oportunidade. E foram ao tacho.
A mesa ao lado é ocupada por adeptos rivais, entre garfadas e um copo ou outro, o AzuliBranco conta das suas tropelias e picardias num blogue vermelho farrusco onde largava umas bombas com o seu grito de guerra: "mata o mouro, dá-lhe um estouro" . O "garçon da casa" , na árdua tarefa de abrir mais uma garrafita, recomenda boa sorte à mesa para mais logo, enquanto bom Sportinguista que era, e o Tripeiro põe-nos a par da sua ascenção à fama pelas curvas azuis e brancas, que já ouve na rua: "Olhó Bibó Porto, carago!! Tu és o gajo da bandeira."
A malta está saciada, no que a barriga toca, há que tratar de saciar então o espírito e alma portista. Cumprimentos de circunstância à mesa vermelha do lado, "Boa sorte, viagem e tal...", e ala que se faz tarde...
03:45 PM. Atravessa-se a fronteira da Mouraria, e o bLue ainda consegue a condescendência dos batedores de trânsito e encosta no apeadeiro das portagens de Alverca, onde as claques já iniciaram a sua actividade "pedreira" de tiro ao alvo... no segundo carro, MrCosmos e AzuliBranco são ordenados a seguir caminho, que as coisas alí já aqueciam. Sem stress, saí-se na primeira saída, e regressa-se à auto-estrada entrando em pleno coração do cortejo azul e branco, feito meticulosamente sincronizado via telefone móvel.
E aí vão eles.
Dragões nos tejadilhos dos autocarros, adeptos sentados à janela das viaturas, bandeiras, cachecóis, apitos, 4 piscas, um multicolorido de vários tons, com o azul e branco dominante, dá entrada na capital. De meter respeito! "Foi assim que Dom Afonso Henriques entrou em Lisboa", confidencia Azulibranco com um familiar ao telefone.
Mas os deuses dos futebóis iniciam logo ali os seus castigos à trupe azul e branca. As nuvens negras que os perseguiam, de já há algum tempo, iniciam a sua descarga, mas nada desanima as hostes portistas.
Decidira-se previamente: entre entrar disfarçado e camuflado sem adereços identificativos, e assim de forma menos penosa e sossegada, ou entrar identificado em segurança, entre o cortejo policial e as claques, bom... ninguém havia vindo para se esconder. "Siga a rusga!"
Milhares das claques e adeptos, contam-se cerca de 3.500, apeiam, começa o aglomerado azul e branco. A chuva intensifica, os primeiros cânticos de honras à casa entoam-se, bandeirinhas com o número 12 e apitos vermelhos para saudar o São Lucílio Baptista, distribuem-se, a roupa molhada começa-se a colar ao corpo, "Que sa foda, Jogo é jogo, e este, É o jogo".
Um casal aparece numa varanda, uma bandeira azul e branca é exibida, eís um bom mote para o afinar de gargantas dos adeptos: "Cam-pe-ões, cam-pe-ões, nós somos cam-pe-ões!!"
Mais duas dúzias de caralhadas e cânticos entoados a certos "filhos da puta, S-L-B..." e o Mr começa a interrogar-se o que faz ele ali, no meio da macacada - sem querer ofender os macacos - bichos que de facto têm comportamentos mais civilizados que as claques e vários de adeptos daqueles, azuis e brancos.
"Não há-de ser nada..." cerca de 45 minutos c-o-p-i-o-s-a-m-e-n-t-e à chuva e lá arranca o pelotão com uma sofreguidão tal, de arrombarem o galinheiro, coisa de outro mundo. Ah, também ia haver um jogo de futebol, mas começa-se a perceber que isso era mero pormenor acessório. De Telheiras, à Santa Capoeira da Luz, muitos repelões e pára-arranca, os adeptos, pois o trânsito esse, todo parado. Cortado, aparecia aqui-alí, nalgumas artérias. «Párava-se nos semáforos verdes, avança-se nos vermelhos», aquele cordão policial parecia uma avozinha a conduzir por um lado, mas um adolescente de 16 anos a esgalhar o pesegueiro com desejo a molho... por outro.
Os moradores vêm às varandas e janelas, "Vai para dentro, preto do caralho", "Ó corno, o que queres? saí daqui filho da puta!", "Traz-me cá é a tua mulher, irmã e mãe, à minha beira, cornudo preto". Aquilo fazia confusão ao Mister. "Afinal, onde é que aquele gado bovino -com o Mr no meio - viam o preto?" Não descortinava...
"Que horas são?" "06:45" (PM) - Responde o Mister, parados que estavam todos há mais de meia hora na boca dos torniquetes de entrada do estádio. Nos poleiros do galinheiro apareciam as bestas da outra espécie para o cumprimento do ritual de acasalamento futebolístico. "Amochem cornudos, aí à chuvinha", eram alguns dos preliminares para o acto de acasalamento, dos mais mimosos mas carregados
de alto teor erótico por parte da espécie fémea no quentinho dos cobertores do estádio, enquanto os machos espumam cá fora. E rebentam altas trocas de prazer nesta fase de esbordejar antes do penetramento, orgasmos múltiplos, um verdadeiro bacanal vive-se entre ambas as partes com a carga policial a segurar a vela, ajeitando os travesseiros, e excitando ainda mais as espécies entre a descarga excitante de uma ou outra bastonada carregada de sensualidade por aqueles "aprazíveis brinquedos". "Mas esta merda não anda?" berra o Mister, "Tirem-me deste filme", pensa para dentro.
Talvez uma hora e tal, e 10 litros por centímetro quadrado depois, estavam dentro do campo, a tempo de ver o inicio do jogo, o grande e verdadeiro receio do Mr. Jogou-se, jogou-se, jogou-se. Vibrou-se, vibrou-se, vibrou-se. Desesperou-se, desesperou-se, desesperou-se. Espumou-se espumou-se, espumou-se.
Atrás do Mr, um caramelo, com penteadinho à chulo, supostamente portista, que mais ainda que aos adversários, preocupava-se era em xingar o Hulk, a mãe do Hulk, o Meireles, a mãe do Meireles, o Guarin, e respectiva progenitora, tudo o que quer que tivesse condições de "dar à Luz". Escapou-se a irmã do Jesualdo, na dúvida da sua existência. O Mr mordia a língua para se conter e não o mandar saltar a barreira, passando-se assim para o outro grupo de adeptos, mas lá se conteve, a não dar o rejubilo aos mênes do cacete fazerem o gosto ao dedo, e abastonar logo buma caricata, mas não inédita desaença entre dois adeptos da mesma côr, e que cores! Que também eles (bófias) espumavam para isso desertos. Era o combate do ano.
22:10 PM. Apito final. Êxtase na Luz, objectos no ar, Aí Jesus! E lá surge oportunidade para um ou dois deles, resguardados pelas armaduras, desancarem num inocente sexagenário portista, as cacetadas que aquele fardado lhe apetecia, mas não se atreveria a dar na mulher, nem por sonhos... Xeio_d_Xono não resiste em demonstrar algum desagrado, o polícia do outro lado atira-lhe beijinhos e lambe os beiços sensualmente provocando o dragão já de sí pouco adormecido... acaba provando o sabor do gás pimenta. O Bicho - O Eterno Capitão, puxa o braço ao MrCosmos, "Embora, antes que sobre para nós". Uma senhora cruza - desalmada, cara toda apimentada - o amontontoado azul e branco que ficaria enclausurado entre o interior das bancadas por mais de uma hora, a aguardar saída. Nova romaria de regresso ao parque de Telheiras, para as viaturas, com mais do mesmo, urros e grunhos, e S-L-B's, S-L-B's. Se estivesse entre seres racionais, tentaria explicar-lhes que as constantes citações ao "Glorioso", mesmo em campos que ele não está presente como tão Benficó-dependentes que são, só demonstra a pequenez de quem tal profere, e engrandece/envaidece os de vermelho. Mas como estava no meio deles, poupei-me.
23:50 PM. A puta da romaria de volta ao parque parecia muito mais demorada, molhada, e custosa de fazer que a anterior na ida. E desta feita, não haveria paragens...
02:10 AM. Hora de reconforto ao estomâgo que dava horas desde a hora de almoço... à entrada do self-service da área de serviço de Leiria, "Eisssh, Mas ainda estamos na pontinha?! As camisolas vermelhas são mais que as mães..."
Dois larápios, que haviam sido avistados entre os adeptos e claques portistas, enchem os bolsos com sandes e sumos, e fazem-se à vida, sem mais demoras nem contas... Na longa fila, uns riem-se, outro esfregam os olhos incrédulos se estarão mesmo acordados. Outros dois que igualmente se abastecem, dialogam: "É para pagar?" "Esquece isso, tens via verde, não tens?"
Beijos e abraços, o Mr fica mesmo por aquelas bandas, os restantes, rumam a norte.
02:55 AM. Pergunta a mulher com voz de sarcasmo abafada pelos cobertores:
-E que tal, gozas-te? -"Apanhei a maior molha da minha vida, mas para ver aquela equipa ao vivo, a cores, e em 4 dimensões, tudo vale a pena..." -"Pois, que te deêm 8 dias de cama..." roga ela.
Siga a rusga! Para baixo das mantas.
03:10 AM: Apagou a "Luz". Enfim.
PS: O autor do post ainda pensou em descrever aqui como é que foi o verdadeiro jogo jogado, em sí, mas, acham que vale a pena?
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