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Às vezes convém que façamos um simples exercício, cada vez mais raro: parar para pensar. No meio da absurda e caótica informação que nos chega todos os dias através do telemóvel, computador, tablet, televisão, jornais, rádio, etc, convém que façamos uma pausa não para ler mais, não para aprofundar mais, mas sim para pensarmos pela própria cabeça. Formular um juízo, uma opinião, avaliar o que é noticiado, arrumar ideias, descobrir o que é certo e o que é errado, definir a verdade e a mentira, assumir espírito crítico e escolher o lado da trincheira.
George Orwell, que dedicou grande parte da sua vida literária a combater e satirizar regimes totalitários, escreveu um livro a que volto de tempos a tempos, quando as circunstâncias assim o exigem. Falo do seu fabuloso 1984, que encerra significados e interpretações diferentes à medida que os anos vão passando e vamos crescendo.
Nesta sua obra, Orwell retrata um regime totalitário brutal e esmagador, onde o Big Brother tudo vê e tudo ouve, sendo que, conforme diz o narrador, o único espaço livre e independente existente são os poucos centímetros cúbicos que se encontram dentro do crânio. A dada altura, esse mesmo regime decide introduzir a Novilíngua, que mais não é do que uma nova linguagem (obrigatória) escrita e falada destinada a servir de meio de controlo e de dissuasão de pensamentos discordantes e revolucionários.
A Novilíngua alterava a representação da realidade. Os objectos passam a ter nomes diferentes, os conceitos são alterados, palavras proibidas são excluídas para todo o sempre, dicionários e enciclopédias são queimados, livros e jornais de tempos antigos são alterados para a Novilíngua, gerando uma incapacidade de comunicação e de expressão total, reconstruindo o passado e moldando o presente e futuro à imagem do regime.
A Novilíngua será um exemplo dramático e assustador, mas confesso que me parece não andarmos muito longe desse estado de coisas. E é por isso que penso que ser portista é uma opção de vida: lutar contra as injustiças, descobrir a verdade no meio da mentira, pensar pela própria cabeça, saber sempre onde está o Norte, o que está certo e o que está errado, ter espírito crítico, não se render, nunca recuar, ter a obrigação de denunciar o circo lá em baixo. Mas vejamos o porquê. Acompanhem-me nesta viagem:
1 – O Presidente da AF de Lisboa – o tal que no seu facebook disse que Hulk era um macaco que corria atrás de bananas – durante o Estoril x FC Porto veio, para grande alegria de determinados órgãos de comunicação social, apresentar queixa de ter sido insultado e agredido por um Administrador da SAD azul e branca. Nenhum jornal se referiu ao facto desse administrador ser provavelmente 20 ou 30 anos mais velho que esse rapazinho, expondo o insólito da coisa. Mas mais grave foi a diminuta atenção que esses jornais conferiram ao desfecho do caso: a Comissão de Instrução e Inquéritos da Liga decidiu arquivar o processo, visto que não uma, não duas, não três, nem quatro, mas OITO testemunhas chamadas a depôr, declararam nada ter visto nem ouvido. Pois, isto de ter que provar factos é uma grande maçada!
2 – Assisti, meio atónito, aos elogios dos jornalistas da nossa praça ao mais recente Benfica 4 x 3 Sporting. Pelo que li, o jogo foi maravilhoso, recheado de artistas da bola, jogadas mirabolantes e emoção até ao fim. Os adeptos desses clubes estão fascinados com tal espectáculo. O “mítico” derby dos 6x3 foi recordado com saudade. Nós se calhar é que somos esquisitos, mas se o nosso FC Porto sofresse três ou quatro golos frente a um rival, era bem provável que os meninos tivessem uma espera nada simpática no Olival. Se fosse o Helton a dar um frango daqueles, havia logo alguém a relembrar Baía. Mas convenhamos: como foi o Patrício, é pouco provável que alguém se venha a lembrar de Ricardo.
3 – Os "fazedores" de opinião têm-se ocupado também em promover William Carvalho como o último trinco no deserto. É o seu treinador nos sub-17 à segunda, o treinador nos sub-14 à terça e o treinador nas escolinhas às quartas: todos dão entrevistas afirmando que o rapaz está preparado para envergar a camisola das quinas. Não desmerecendo o valor e enorme potencial do atleta, parece-me que a Norte existe um bem melhor, mais experiente, com uma mão cheia de títulos e provas dadas. Chama-se Fernando Reges.
A meu ver nem existe discussão quanto a este ponto. Os nuestros hermanos, mesmo com Villa, Soldado, Llorente e Negredo não hesitaram em resgatar Diego Costa ao Brasil, para desespero de Scolari. Portugal que, a nível estratégico, se quer mostrar ao mundo como uma porta de entrada e de comunicação com a CPLP, que através da língua quer ser uma plataforma de investimentos no Brasil e em Angola, continua a querer ser mais papista que o papa. Acham que Veloso e William Carvalho são suficientes para nos fazer esquecer que Fernando existe? Porque não, então, juntar Fernando a Moutinho e Meireles na Selecção? Passados tantos anos, a resistência que Deco sofreu volta a fazer eco e a ter seguidores. O luso-brasileiro bem sabe o que teve que fazer para finalmente ser bem visto: sair do FC Porto. Talvez para o ano Fernando seja, finalmente, convocado.
4 – O mundo das papoilas saltitantes anda encantado com Matic candidato a melhor golo do ano. Jornais houve que fizeram capa a esse respeito. Só mesmo um golaço do outro mundo para bater Helton naquele estádio electricamente pouco recomendável. Percebemos, portanto, a excitação.
5 – Toda a vida me ensinaram que se um animal mia como um gato, tem bigodes como um gato, tem pêlo e cauda como um gato, salta e arranha com um gato, então é porque é mesmo um gato e não um peixe ou um braquiossauro. Os nossos jornalistas, infelizmente, não tiveram essa educação.
No mais recente Porto x Sporting, perante claras e evidentes imagens, continuaram de forma diria criminosa, a insistir na mentira e na falsidade. Chamemos os bois pelos nomes: uma falange de adeptos leoninos, conotados à extrema-direita, de cabeça rapada e camisas pretas, ligados ao movimento ultra casuals, decidiram descer a Alameda do Estádio do Dragão, semeando o caos e a desordem à sua passagem, varrendo bancas, empurrando pessoas, pondo em perigo a segurança de homens, mulheres e crianças. Pois os jornalistas do CMTV e do Record foram capazes de descortinar neste triste sucedido uma manifestação dos Super Dragões. A quente, no directo, ainda se admite. A frio, dois dias depois, fazer manchetes dizendo que “sportinguistas foram recebidos à pedrada” e “líder dos Super Dragões no centro dos confrontos” parece-me deontológica e eticamente difícil de aceitar, além da repugnância que me causa. Pena que o Record se tenha esquecido de mencionar que a PSP Porto identificou os trezentos “camisas negras” e verificou que todos eles detinham tatuagens e parafernália ligada ao clube dos lagartos. Sim! Porque se é repugnante, viscoso e repelente não é gato nem dragão: é lagarto.
7 – Jorge Jesus, quase dois meses após a ocorrência dos factos no Estádio D. Afonso Henriques, foi presenteado, desculpem-me, foi “castigado” pelo Conselho de Disciplina da FPF com um mês de suspensão, falhando quatro encontros do campeonato, mas ainda bem a tempo, claro está, de defrontar o FC Porto.
A Liga decidiu, assim, homologar o acordo entre a CD da FPF e o referido treinador. Mas esse acordo reveste-se de curiosos contornos. Enquanto que nos tribunais judiciais o Arguido poderá ser acusado dos crimes de ofensa à integridade física agravada (por estarmos a falar de forças policiais) e desobediência e resistência à autoridade pública, na justiça desportiva decidiu-se suavizar o caso e perdoar o “mestre da táctica”.
A Comissão de Disciplina decidiu, mais uma vez, inovar! Para isso, alterou o enquadramento dos factos, não os analisando como uma agressão ou quiçá tentativa, mas sim como uma “lesão da honra”. Sucede que nunca vi relógios tão sensíveis ao ponto de saltarem dos pulsos de polícias por lesões da honra. Logo, o castigo passou de um mínimo de três meses para um mínimo de meros dias. E voilá, assim se obtém um valoroso acordo com o arguido: toma lá um mesito de suspensão e já agora não recorras. Pudera! Quando li alguns jornais escrever que Jorge Jesus não deveria recorrer da decisão, esfreguei os olhos para comprovar que não sonhava.
Quando Hulk e Sapunaru estiveram alegadamente envolvidos numa confusão num determinado túnel, o Presidente da CD da Liga da altura, Ricardo Costa, decidiu castigar os dois atletas preventivamente até à decisão final. Quando ela saiu, indicava 4 meses para Hulk e 6 para Sapunaru. Hulk apenas pôde jogar os últimos 3 jogos do campeonato. Sapunaru perdeu o resto da temporada. Em recurso, a decisão veio a ser reduzida para 3 e 4...dias. Mas aí o campeonato já estava perdido.
Daí que podemos tirar as seguintes conclusões benéficas para o futebol português: é mais gravoso para a justiça desportiva bater num stewart do que num polícia; uma câmara de vigilância é melhor meio de prova que uma transmisão televisiva em HD; uma agressão num túnel é mais grave que uma agressão em pleno estádio; devemos ser mais condescendentes com os treinadores do que os verdadeiros artistas, os jogadores; os polícias não têm nada que impedir a entrada de adeptos nos relvados nacionais; o exemplo deve ser dado perante factos que ninguém viu em vez de ser dado perante imagens em horário nobre vistas por todos. Esta decisão veio provar o que já todos suspeitávamos: Jorge Jesus é uma espécie de Mário Soares do futebol português, pode fazer e dizer tudo o que lhe apetece pois é inimputável.
8 – Entretanto leio que o Estado vai arcar com a dívida de 17 milhões de euros da Parvalorem (Grupo BPN), após um alegado esquema de burla envolvendo Filipe Vieira e o seu sócio Almerindo Duarte, nomeadamente um crédito para investimentos financeiros da empresa Transibérica, que acabou por ir parar à empresa Inland. Mais se refira que a empresa Inland, de Vieira, detinha 1,4% da SLN. Uma queixa-crime pelo BPN, que classificou a dívida como incobrável logo em 2009, motivou esta investigação por parte do Ministério Público. Diz-me com quem andas...
9 – Por razões profissionais encontro-me a viver em Lisboa. Durante a semana fui ouvindo as provocações de sempre: “então é desta que o vosso Presidente vai de vela?”. Respondi o que sempre fui respondendo ao longo dos anos: “já tantos lhe fizeram o funeral, mas o Presidente é que os enterra a todos”. E não há mais conversa para ninguém. As melhoras, Presidente! A sua empreitada à frente do FC Porto ainda não terminou. Há muita coisa para ganhar!
10 – Não podia passar à frente do tema do momento: Cristiano Ronaldo. Protagonizou, sem dúvida, uma das melhores exibições individuais de sempre com a camisola das quinas, talvez só comparável à de Figo frente à Inglaterra no Euro 2000. Não é de agora que o digo: para mim Ronaldo já é o melhor jogador do mundo há vários anos. Mas é curioso verificar que, aos 28 anos, a cada golo, a cada remate vitorioso, a cada livre teleguiado, a cada cabeceamento fulminante, a cada título alcançado, Cristiano Ronaldo sinta necessidade de nos provar que é o melhor. Como se tivesse que provar algo a alguém, como se sentisse que há sempre dúvidas, como se remasse permanentemente contra uma maré, como se lutasse contra o mundo em cada finta, cada finalização, cada contra-ataque. Para mim já não há dúvidas, estão dissipadas há muito. Inaugurou um novo tipo de jogador de futebol, uma nova forma de encarar o treino, uma nova forma de bater livres, uma nova forma de actuar na frente de ataque, além do ícone que perdurará durante gerações. Original, no fundo. Com todos os seus defeitos, a sua vaidade, as suas manias, mas também com as suas virtudes. Mesmo sendo humano, Cristiano já está na categoria dos deuses do futebol. Mas sabe perfeitamente o que ainda tem que fazer para chegar ao lugar de Zeus: levar a sua Selecção a um troféu internacional. Foi aí que Pelé, Maradona, Zidane e Ronaldo chegaram. Cristiano não é brasileiro, nem argentino, nem francês, o grau de dificuldade é ainda maior, mas para grandes heróis, grandes desafios. Cá estaremos para ver o que Cristiano fará no Brasil!
Rodrigo de Almada Martins
Este País vai de mal a pior, então perdoam 17 milhões de euros ao orelhas e cortam nos ordenados e pensões dos contribuintes, este governo que vá mas é cobrar o devido e aumente as pensões mais baixas com esse dinheiro.
ResponderEliminarO CR7 é o melhor jogador de todos os tempos em Portugal e no mundo, mas lá por ser o melhor não tem de se armar, nem ter complexos de inferioridade tem de ser humilde e fazer o seu trabalho.
Ninguém, que eu ouvisse, comentou o frango do Patrício no segundo golo Sueco. Se não vê a bola a tempo, para que fazem barreira daquela maneira? A bola passou-lhe debaixo do corpo porque não se lançou a tempo. Mais valia terem feito barreira completa, sem deixar o buraco para o guarda redes ver. Os defesas que cumprissem o seu papel. Não houve uma palavra sobre o assunto.
ResponderEliminar@ Rodrigo
ResponderEliminarconcordo com tudo o que escreveste, excepto no ponto 10 - o que não deixa de ser pertinentemente curioso pelo que a seguir escreverei:
para mim, Messi é superior.
(para além de que a minha selecção sempre trajará de azul-e-branco - por vezes, com equipamentos alternativos, é certo, mas com um emblema em tudo diferente do da Rua Alexandre Herculano, em Lisboa)
abr@ço
Miguel | Tomo II
Parabéns.Como sempre nos vem habituando.Grande texto.
ResponderEliminarGrande texto, seja no tamanho, no conteúdo, na variedade ou actualidade dos temas abordados. O autor demonstra estar atento à realidade e - ainda melhor! - ter dela uma leitura própria. Em suma, interpreta, analisa, comenta, articula conceitos, pensa pela sua cabeça, mostrando que o futebol é (pode ser) mais do que chutos na bola. Já vai sendo raro. Parabéns!
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