"DÁ-ME O (IR)REAL, O IMAGINÁRIO..."

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Capital do Império Lusitano. 11H45. Gabinete do insigne Doutor Vítor Pereira, Presidente do Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol.

Conversa telefónica com interlocutor desconhecido recorrendo a tecnologia ultra-hiper-sumamente avançada à prova de escutas:

"(...) A modos que é isto, meu amigo. Neste momento pouco podemos fazer para alterar a coisa. Muitos clubes a votar a favor, raio de azar. O problema é a porcaria da democracia no futebol. Quando se vai a votos, alguém acaba invariavelmente por ser e sair prejudicado. (…) Pois, acredito. Também eu por vezes tenho saudades dos tempos em que reinava a ditadura. O meu avô conta-me maravilhas. A facilidade de processos era outra. O avolumar de títulos também. Era tudo nosso. Ficava tudo em Lisboa. (…) Sim, sem dúvida. O sorteio é um retrocesso a um passado mau e pós-revolucionário, uma aberração, isto… cambada de parolos.

Mas quer que lhe seja sincero? Pois bem, acho que você ou os seus não andaram a fazer bem as coisas antes da reunião de clubes. (…) Só 16 a favor da nomeação?! Como? Como explicar? Não falaram com eles antes? (…) Todos de férias, diz-me? Abordaram ao menos o do Marítimo? (…) Ah, sim, pois. Frequenta lá a casa… Tinha-me esquecido. (…) Pois, é cunhado. Não me diga?! Não tem cara disso, mas… (…) Insisto que algo falhou na vossa comunicação. Estavam a contar com os ovos no tutu da galinha e o resultado é este. (...) Não enviaram as lembrancinhas pelo Natal? Enviaram? (…) Aqueles porta-chaves lindos e maravilhosos? O Vinho do Porto Vintage? Relógios do Eusébio? Kits de sócio? E mesmo assim…? Cambada de ingratos! O que será que o Velho lhes terá oferecido em contrapartida da lealdade? A Nandinha? Hahahahahahahaha! Muito boa! Aiiii… muito boa. (…) Sim, tem razão. Não tem piada nenhuma. Às vezes falta-me uma segunda-feira.

Sim, sim. Não, não. (…) O Chefe deve estar a brincar comigo! Não dá agora para fazer isso. Não da forma como fazíamos. (…) Esqueça o Capela. Não. Eu compreendo que goste dele, mas… (…) Nem pensar (…) Claro que há sempre a possibilidade de assegurar servicinhos mínimos, uns homens são mais flexíveis do que outros e em última instância poderemos recorrer às famosas bolinhas quentes. (…) Como que não sabe o que são “bolinhas quentes”? Tenho de lhe explicar tudo?! Então não sabe que é o que se faz em muitos sorteios mundo fora? Olhe que o Platini e o Blatter são fãs. (...) Quando se quer assegurar determinado emparelhamento? Não se lembra daquele famigerado sorteio para a Taça de Portugal? (…) Quando saiu o Penafiel? Já aí trabalhámos e bem.

E por falar nisso, temos de reanalisar o nosso acordo. (…) Eu sei que é um acordo dos cavalheiros que somos e que não precisamos de ter nada por escrito, mas… (…) sim, óbvio. Sei que sim. A vida não está fácil para ninguém mas não esqueça que vos facilitamos a vossa na época passada. As despesas fixas com o pessoal são enormes. (…) Claro! O Capela? Não, esse não leva nada pelas “boas”- boas segundo os nossos critérios, entenda – arbitragens e diz que faz tudo por amor imenso ao Clube e à Causa. (…) Sim, mas há mais Capelas na forja. (…) Esqueça o Capela. O mundo não é só o Capela. Não. O Paixão? Estou farto dele, é muito songa-monga para o meu gosto mas é eficiente e diligente (quando não lhe pára o cérebro). (…) Ah, esse também. Mas temos agora uma fornada maravilhosa a sair para esta época. Nada mais, nada menos do que 24 árbitros e 48 árbitros assistentes, totalmente aptos e prontos a deslumbrar. (…) Alguma vez o deixei ficar mal? Vamos ver. Poderemos não conseguir os resultados imediatos da época passada, mas podemos vir a levar o barco a bom porto. (…) Como “bom porto”? (…) (…) É só uma expressão. Não quer dizer o que pensa. (…) Acalme-se. Basicamente significa conseguir cumprir um determinado objectivo. (…) Sim. Acha? Eu quero é que eles se lixem. Tripeiros de um raio, nortenhos corruptos. Anos e anos a gozar com a nossa cara… (…)

Vamos fazer as coisas com calma e ponderação. Está muita gente de olho em mim. Há já muitas insinuações e não me posso expor tanto. Tenho a minha honorabilidade, sabe, e não posso ceder a pressões externas. (…) Vamos ver. Alguma vez o deixei ficar mal? Mas a verdade é que agora com aquele cabrão do madeirense a pôr a boca no trombone, no saxofone ou o raio, estou numa situação algo delicada... (…) Tanto que o acarinhei, que o mimei, que o protegi e é assim que me paga. Andei praticamente com ele ao colo. (…) Ah, não gosta da palavra? Olhe, mas é a que tenho de usar para este caso e este traste. (…) Só porque o despromovi. Esqueça o Capela. Não. Não lhe dou o número dele. Só eu é que falo com os meus homens. (…) Porquê? Porque senão ia ser um fartote e um fartar vilanagem. (…) Como falou com ele? No intervalo do jogo? E ele atendeu? (…) Deve ter aberto uma excepção. (…) Sim, ele no final do jogo quase rebentava de felicidade e de orgulho por ter ajudado a Causa. (…) Pois não. Pois não. Já não vai aparecer tantas vezes agora com o sorteio. E vai ser todo o país com os olhos em cima de nós a cada jogo. É muita, demasiada responsabilidade em cima de mim. Dos rapazes. E depois ainda temos o papagaio do seu ex-treinador do outro lado da barricada.

(…) Compreendo a sua desilusão. (…) Sim, claro. Claro que vai contra todos os princípios da ética e verdade desportiva, mas que quer? Uniram-se as comadres e pouco há a fazer. (…) Foi bom enquanto durou e agora abriram os olhos. Se calhar até nem é mal visto… (…) O quê?!?! Isso não. Não faço. Não faço porque das duas uma: ou era benfiquista ou corrupto. E eu que até sou sportinguista. Também quero ganhar títulos. Os meus netinhos também têm direito a ir festejar ao Marquês! E quando o fizerem será sem distúrbios, note. (…) Eu sei. Vamos ver. Não prometo nada. Pelo amor de Deus! Nem venha cá com essa... Somos amigos, sim, amigos com benefícios, mas… é como o Velho uma vez disse: “Somos anjos mas não somos cá anjinhos”.

Um conselho: façam a vossa parte, finjam pelo menos algum esforço e comprem um ou dois ou três jogadores aqui e acolá que o pessoal já anda a mandar bocas por estarem tão sossegados agora no defeso e os vossos rivais tão empenhados em reforçar o plantel. (…) Sei que confiam mas mexam o real traseirinho. Se por algum motivo, a Coisa falha e a Máquina emperra, depois não me venha dizer que não o avisei.

E a Senhora D. Vanda está boinha, está? O laranja vai-lhe lindamente com a cor dos olhos. E os meninos? (...) Antes assim. (...) É da idade. Os meus respeitosos cumprimentos. Até Domingo, então. Esqueça o Capela. Não. Ele não pode ir. Tem um baptizado ou comunhão de um primo. (…) A sério. (…) Posso ir de Havaianas? (…) Era o que queria ouvir. Mas ainda falamos, até lá. Tenho umas ideias sobre o Panteão e… (…) Lembra-se daquilo que me prometeu? Da possibilidade de me conseguir transferir para lá um dia? (…) Sim, falamos então depois. Prazer em ouvi-lo. Mande sempre, meu bom amigo, mande sempre. Não me referia a isso, mas se quiser mande. Há sempre quem consuma. Quando é de graça nunca se diz que não. O meu stock de porta-chaves também já esgotou, pelo que (…) Obrigado. Estimei ouvi-lo.

O' Zé! Anda cá se faz favor. Deixa mas é o Candy Crush e liga-me aí ao Duque e ao Gomes. E ao gajo da APAF, nunca me lembro do nome dele."