A fome – conhecida como a sensação fisiológica pela qual o nosso corpo sente que necessita de alimento para manter as actividades inerentes à vida – assiste-nos, impele-nos… Pelo simples motivo de não comermos suficiente e decentemente há mais de 3 anos, todos esses milhares de dias e incontáveis horas em subnutrição, em miséria completa, suprema agonia.
O estômago está colado às costas e já não ronca, nem horas dá. Dói.
Presentemente, o único e ardente desejo, a avidez, consiste em satisfazer esse enorme buraco negro dentro da imensa galáxia de nós e a sofreguidão faz-nos inclinar a abocanhar desvairadamente tudo o que nos aparece pela frente, sem olharmos a meios e a necessidades específicas, quando tudo o que queremos e precisamos é mesmo de sustento, chichinha, nourishment.
Mas queremos também e a todo o custo evitar velhos erros de palmatória, de ingestão, de casting; consensualmente, desde que o nosso sofisticado e concorrido restaurante de várias estrelas Michelin deu mostras de poder fechar a qualquer momento por falta de resultados, de boa gestão, competente gerência e de um razoável, enquadrado, actualizado chef. Paramos, pois, para pensar.
Conhecendo a actual conjuntura da casa, aconselhados pelos contabilistas a respeitar religiosamente o estafermo do fair-play financeiro, há que aquilatar a dimensão da fome, avaliar o que temos no frigorífico. Na despensa depauperada. Ver se os produtos existentes ainda estão dentro do prazo de validade, ir buscar outros antes prescindíveis à prateleira e contar os tostões todos – sim, porque o gordinho do porquinho-mealheiro passou à história! – para sabermos se podemos ir ao supermercado comprar o que nos faz falta. Isso se ainda estiver aberto**. Só depois poderemos comer, matar a nossa fome, descolar e reconfortar o estômago e, pelo caminho, cimentar uma boa equipa, consolidar o novo e promissor chef, elaborar deliciosos pratos, melhorar os índices de gestão, atrair clientela e começar a facturar.
Optamos realisticamente por fazer uma simples omelete, que o orçamento não estica para algo mais gourmet ou apelativo aos sentidos. Temos em casa a mãe de todas as pimentas, a mais fina flor de sal, salsinha fresca e viçosa, o melhor peru… e vamos juntando tudo na taça, já a salivar, antecipando a alegria sensorial que nos espera.
Vamos ao frigorífico e… só temos um ovo. Bonitinho, redondinho, amarelinho, nutritivo, mas… um só. Pequenino. Ai, e a vontade de chorar. Espernear já em birra e impotência no chão. Vencida a desolação, o pessimismo quanto ao êxito do prato que temos em mente, banho de realidade tomado, há que arregaçar as mangas, avançar, fazer-nos ao caminho e usar os ingredientes que temos e podemos usar. Nem que inventemos, nem que inovemos, nem que se criem novas tendências, ou se enverede por outro caminho. Mais puro, mais vegan.
Misturar tudo na taça, com desvelo. Minuciosamente, laboriosa, dedicada e exaustivamente. Bater tudo até que os braços nos doam. Envolver. Pôr ao lume. Baixá-lo. Alteá-lo. Dobrar cuidadosamente. Aliando a fome com a vontade de comer, a fé enorme e a alma imensa, sabendo que a nossa será a mais apetitosa das omeletes.
NOTA: A omelete estava a ser preparada antes do jogo no Estádio Olímpico de Roma, frente ao adversário que conhecemos. Batêmo-la durante 90 e imensos minutos e, mesmo que sem ovos, ficou no ponto, com um maravilhoso cheirinho que nos fez salivar, inebriar, ao mesmo tempo que nos trouxe lágrimas de alegria e nostalgia aos olhos, pela saudade toda que tínhamos acumulada. Hoje, horas decorridas, temos já dinheiro para mais alguns ovos, caseiros e tudo e, se quisermos mesmo caprichar, para uma mão-cheia de cogumelos e um ou outro camarão. Parabéns ao Chef.
Monumento, estátua já a Szymon Marciniak, esse árbitro corajoso, comovente em toda a sua isenção, totalmente nos antípodas daquilo que é ser árbitro profissional ou meramente biscateiro neste país de brandos e centralizados costumes.
** As lojas de conveniência – que as há! -- são demasiado caras para a nossa bolsa.
O estômago está colado às costas e já não ronca, nem horas dá. Dói.
Presentemente, o único e ardente desejo, a avidez, consiste em satisfazer esse enorme buraco negro dentro da imensa galáxia de nós e a sofreguidão faz-nos inclinar a abocanhar desvairadamente tudo o que nos aparece pela frente, sem olharmos a meios e a necessidades específicas, quando tudo o que queremos e precisamos é mesmo de sustento, chichinha, nourishment.
Mas queremos também e a todo o custo evitar velhos erros de palmatória, de ingestão, de casting; consensualmente, desde que o nosso sofisticado e concorrido restaurante de várias estrelas Michelin deu mostras de poder fechar a qualquer momento por falta de resultados, de boa gestão, competente gerência e de um razoável, enquadrado, actualizado chef. Paramos, pois, para pensar.
Conhecendo a actual conjuntura da casa, aconselhados pelos contabilistas a respeitar religiosamente o estafermo do fair-play financeiro, há que aquilatar a dimensão da fome, avaliar o que temos no frigorífico. Na despensa depauperada. Ver se os produtos existentes ainda estão dentro do prazo de validade, ir buscar outros antes prescindíveis à prateleira e contar os tostões todos – sim, porque o gordinho do porquinho-mealheiro passou à história! – para sabermos se podemos ir ao supermercado comprar o que nos faz falta. Isso se ainda estiver aberto**. Só depois poderemos comer, matar a nossa fome, descolar e reconfortar o estômago e, pelo caminho, cimentar uma boa equipa, consolidar o novo e promissor chef, elaborar deliciosos pratos, melhorar os índices de gestão, atrair clientela e começar a facturar.
Optamos realisticamente por fazer uma simples omelete, que o orçamento não estica para algo mais gourmet ou apelativo aos sentidos. Temos em casa a mãe de todas as pimentas, a mais fina flor de sal, salsinha fresca e viçosa, o melhor peru… e vamos juntando tudo na taça, já a salivar, antecipando a alegria sensorial que nos espera.
Vamos ao frigorífico e… só temos um ovo. Bonitinho, redondinho, amarelinho, nutritivo, mas… um só. Pequenino. Ai, e a vontade de chorar. Espernear já em birra e impotência no chão. Vencida a desolação, o pessimismo quanto ao êxito do prato que temos em mente, banho de realidade tomado, há que arregaçar as mangas, avançar, fazer-nos ao caminho e usar os ingredientes que temos e podemos usar. Nem que inventemos, nem que inovemos, nem que se criem novas tendências, ou se enverede por outro caminho. Mais puro, mais vegan.
Misturar tudo na taça, com desvelo. Minuciosamente, laboriosa, dedicada e exaustivamente. Bater tudo até que os braços nos doam. Envolver. Pôr ao lume. Baixá-lo. Alteá-lo. Dobrar cuidadosamente. Aliando a fome com a vontade de comer, a fé enorme e a alma imensa, sabendo que a nossa será a mais apetitosa das omeletes.
NOTA: A omelete estava a ser preparada antes do jogo no Estádio Olímpico de Roma, frente ao adversário que conhecemos. Batêmo-la durante 90 e imensos minutos e, mesmo que sem ovos, ficou no ponto, com um maravilhoso cheirinho que nos fez salivar, inebriar, ao mesmo tempo que nos trouxe lágrimas de alegria e nostalgia aos olhos, pela saudade toda que tínhamos acumulada. Hoje, horas decorridas, temos já dinheiro para mais alguns ovos, caseiros e tudo e, se quisermos mesmo caprichar, para uma mão-cheia de cogumelos e um ou outro camarão. Parabéns ao Chef.
Monumento, estátua já a Szymon Marciniak, esse árbitro corajoso, comovente em toda a sua isenção, totalmente nos antípodas daquilo que é ser árbitro profissional ou meramente biscateiro neste país de brandos e centralizados costumes.
** As lojas de conveniência – que as há! -- são demasiado caras para a nossa bolsa.
Ingredientes para uma omelete deliciosa
· 4 ovos (pois…)
· 2 fatias de fiambre de peru
· 4 fatias de queijo flamengo
· sal e pimenta preta q.b.
· salsa fresca q.b.
· 1 fio de óleo
1. Bata os ovos e tempere-os de sal, pimenta e salsa finamente picada.
2. Aqueça óleo numa frigideira anti-aderente e, quando estiver quente, deite os ovos batidos. Baixe o lume e deixe cozinhar lentamente até a parte de cima da omelete se apresentar quase"cozida". Junte o queijo e depois o fiambre. Dobre a omelete cuidadosamente e deixe cozinhar mais uns minutos em lume muito brando, até o queijo derreter.
3. Retire a omelete da frigideira e sirva de imediato.
Adorei ler-te.
ResponderEliminarUma deliciosa e gourmet escrita, como sempre.
ResponderEliminarDesculpe missbluebay mas só hoje dei pela sua critica. Muito boa como nos tem habituado. A omeleta estava um mimo. Bjinho
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