Com menos de 7h de sono, acordei surpreendentemente bem-disposto, leve, diria mesmo que feliz. Já não me lembrava da sensação de acordar assim a meio da semana, depois de uma grande noite europeia.
- Apesar de ser tradição vencer o AS Mónaco por 3x0, esta não é uma vitória qualquer. É um triunfo absolutamente histórico, em casa do campeão francês, semifinalista da Champions do ano passado. Se por exercício tivéssemos que encontrar espaço para relatar o que se passou ontem no livro de ouro de histórias sem igual do FC Porto, seria sempre na página ao lado daquela saudosa noite de Bremen, em que dizimamos o campeão alemão com 5 golos sem resposta;
- Mas tudo não se fez sem um golpe de história: os anos 90 ligaram e Sérgio Oliveira foi o novo Costa de Manchester. Sem qualquer minuto esta temporada, foi lançado de chofre às feras de Monte Carlo e, sem ter feito um jogo brilhante, cumpriu e de que maneira, acabando o jogo como o 4º jogador com mais quilómetros percorridos em campo (10.49km). A assistência do ano na Champions poderia ter sido sua, de pé esquerdo, caso Marega tivesse desfeiteado Benaglio;
- CONÇAS tem o baralho, mistura as cartas, distribui, recolhe-as e volta a dá-las. Em ataque, a equipa ora parece desenhar um claro 4x3x3, ora parece evoluir em 4x4x2, com Aboubakar e Marega em cunha na frente. A defender o esquema muda rapidamente para um 4x5x1, com Marega a fechar claramente na direita e Brahimi a fazer o mesmo – de forma menos veemente – na esquerda, ficando a pressão central a cargo dos médios, em especial Herrera, que quase faz linha com Aboubakar;
- Já se vai notando, aqui e ali, um padrão: em contra-ataque a equipa procura preferencialmente o lado direito, de forma a fazer uso da velocidade e dos pulmões de Ricardo e Marega; em posse, de forma pensada e em apoios, a equipa sai a jogar pela esquerda, com Telles e Brahimi;
- Mas por vezes, lá está, surge a surpresa, o golpe de asa: quem não viu Sérgio Oliveira a fazer de Busquets e recuar para uma espécie de líbero e iniciar o ataque organizado? O médio português colocou-se entre os centrais, estes esticaram-se para as linhas e os laterais projectaram-se para a frente. Uma nuance táctica que, a este nível, não está ao alcance de todos;
- Dizer aliás que, dos 3 médios, aquele que menos me agradou foi Danilo, que pareceu uma e outra vez algo lento a desfazer-se da bola. Não digo que a sua presença não seja essencial, porque é, mas pode ainda melhorar;
- E com isto chegamos a Hector Herrera, o mal-amado, o Semedo do século XXI. Termina uma vez mais como o jogador com mais quilómetros em campo (11.51km) e está em 2 dos golos portistas. No segundo, é ele que recupera a bola junto à nossa linha final e consegue descobrir Brahimi (admito que esta relação com o golo é forçada, mas já lá vou); no terceiro é ele que está na pequena área, a atrapalhar Benaglio e a atrapalhar-se a ele próprio, descobrindo Marega, que depois endossa a Layun. Estes dois momentos caracterizam HH: tanto está na nossa linha final a recolher uma bola perdida, como está na pequena área contrária, embrulhado na bola, a chatear o GR adversário. Um box-to-box, um trapalhão crónico, mas sem dúvida o único médio do plantel capaz de chegar desta forma às duas áreas – nem Danilo, nem Olivér, nem SO, nem AA são capazes de o fazer;
- Um ponto obrigatório e habitual para falar de Marega, do comboio Marega, da locomotiva maliana. Já cansa ter que o dizer mas foi, uma vez mais, o MVP do jogo. Duas assistências, uma delas brilhante e muito, muito jogo pelos seus pés;
- O segundo golo é aquilo a que Shakira se referia quando cantava this time for Africa: magia do Magrebe lá atrás, potência física do Mali pela direita e ataque ao espaço vazio e posterior finalização dos Camarões. Mais uma edição do Porto-Afrika black magic connection;
- Aboubakar e Marega são o Dwight Yorke e Andy Cole reencarnados. Quem se lembra desse Manchester United de Sir Alex, sabe do que falo. A dada altura, após sofrer mais uma falta, a cara de sofrimento e de pânico do polaco Glik era inequívoca: estes dois avançados dão com a cabeça e o corpo em água a qualquer defesa;
- Mas talvez o momento táctico mais brilhante do desafio tenha sido mesmo a jogada do primeiro golo. Há um lançamento de linha lateral e quem vai ganhar a bola dividida de cabeça é… Marcano, que percorre um trajecto por fora da linha de fundo e vai desviar a bola para a confusão, dando origem ao remate de Danilo. Não é bonito, não é mágico, mas é nestes pequenos pormenores que mais se vê a grandeza de um treinador, como quando Costinha aparecia nos cantos e livres sempre ao segundo poste para o desvio final;
- Comparar CONÇAS com NES é apenas um exercício desonesto para com o primeiro. Um é um treinador, o outro era um padre ventríloquo do seu bispo;
- Tudo isto com Maxi, Corona, Oliver e Tiquinho no banco. Começa a ser difícil continuar a dizer que o plantel é curto – é que com este treinador todos parecem render e dar resposta cabal: Reyes entrou pelo segundo jogo consecutivo e Layun parece estar a ser lançado para outras posições do terreno;
- Todos terão a sua importância, mas continua a parecer-me que um Porto sem Oliver é um Porto mais perigoso, mais acutilante, mais agressivo, menos previsível. Um Porto com mais futebol de rua e com menos tiki-taka de enciclopédia. Aceito desde já a acusação de heresia qualificada;
- Referir apenas que este Mónaco não é uma equipa qualquer: está somente a um ponto do milionário PSG, tem o melhor marcador da Ligue 1 (Falcao), tem três óptimos jogadores no meio-campo (Fabinho, Moutinho e Lemar) e apresenta um futebol muito bem trabalhado por parte de Leonardo Jardim. Veremos se não serão capazes de mostrar aos sheiks do Qatar com quantos paus se faz uma canoa;
- Resumindo, são 3 pontos, 1,5 milhões de euros e a certeza de que, ao contrário do que se dizia, Sérgio Conceição não é mais um Jorge Jesus desta vida, que para ter sucesso interno, precisa de abdicar de qualquer pretensão externa. Desse miserabilismo, viu-se ontem, estamos safos!
Caro RAM, avançar que o FCP sem Óliver é mais perigoso, roça mesmo a heresia :-)
ResponderEliminarContra equipas mais fortes, o estilo do Porto está visto que será esticar rapidamente o jogo em transição, e nesse aspecto, até aceito que o geniozinho espanhol possa ser preterido, pois é um jogador relativamente lento e de bola no pé. Contudo, contra equipas que não queiram assumir o jogo, Óliver faz (pode fazer...) toda a diferença. A nível de controlo e domínio da bola, só encontra par em Brahimi no plantel, com a vantagem que está a anos-luz do argelino na visão do jogo.
De qualquer forma, o Sérgio está a fazer um excelente trabalho com os recursos que dispõe. Ao dar rotação ao plantel, quase sem instituição de "vacas sagradas" (excepto Casillas e os centrais que são efectivamente monstros demais para os tirar), todos estão com a motivação nos píncaros sabendo que podem ser úteis a qualquer momento. Tirar Óliver, Soares e até mesmo substituir Danilo durante o jogo, é uma mensagem clara de que quem não der o máximo, arrisca-se a roçar o banco. Independentemente do nome.