02 janeiro, 2019

LEVEI O MEU SOBRINHO ÀS ANTAS!


Levei-te às Antas, tinhas acabado de fazer 5 anos. Comprei-te os bilhetes com antecedência, pois sabia que a probabilidade dos mesmos esgotarem era grande. Sabes que, em 2018, jogos às 15:00 da tarde não são frequentes. Normalmente joga-se às 20:00 ou às 21:00 e é por isso que nunca te levei antes ao futebol, porque a essa hora estás invariavelmente a dormir.

Fomos-te preparando para o grande dia durante a tua pausa no infantário para Natal. Tudo gerido com pinças, para que à última hora não começasses a chorar e dissesses que só ias ao futebol se os pais fossem também.

Chegado o grande dia, fomos almoçar a tua casa e, mesmo antes de sairmos, fui eu que te vesti: camisola – oferecida por mim quando fizeste 3 anos e que ainda te serve – e calções do Porto, como manda a lei, tal como o indispensável cachecol e uma bandeira de plástico que disseste ser para abanar durante o jogo.

Lá te colocamos no banco de trás, apertamos-te o cinto da cadeira dos pequenos e seguimos VCI fora rumo ao Dragão. Ias lá atrás, entretido com um dos nossos telemóveis, a cantar a tua preferida “O Porto é uma nação”, mas a despertar curiosidade, conforme te indiquei, para o Hino e a Marcha do FC Porto. Ao ver-te, recordei as tantas vezes em que me sentei no banco de trás do Renault 19 – de cor rara, azul à Porto, porque será? – dos meus Avós a caminho das Antas. Ao cabo de 25 anos, afinal de contas, o mundo mudou muito, mas talvez não tenha mudado tanto assim.

Como sempre, estaciono o carro em São Roque, no Jardim da Corujeira. Ao saíres do carro, provocas-me e dizes que o meu carro é do Sporting, por causa do leão da Peugeot à frente. Atravessamos o jardim e o futebol começa então a maravilhar-te. Atiras a primeira pergunta: “Oh Tio, estas pessoas todas são do Porto? Não acredito que sejam todos do Porto”. Parece incrível, sim, mas são. Todos eles, tal como tu, são portistas.

Defronte do antigo matadouro do Porto, um senhor de idade passa por ti e engraça contigo, ao ver-te todo vestido a rigor. Diz-te que espera que no final venhas a abanar o cachecol e faz-te uma festa. Não respondes e ficas a olhar para o senhor e, quando ele desaparece, explicas: “Não devemos falar com estranhos na rua, pois não?”. Explicamos que estás correcto, sim, mas que se estiveres com os teus pais, tios ou avós, podes falar sem problema.

Sobes com alguma dificuldade o caminho todo até ao Dragão, em especial aquelas escadas junto ao Museu onde há uns meses também te levei. É normal, as escadas são íngremes e as tuas pernas ainda são pequenas. Finalmente estamos na fila para entrar no estádio e constato que tens sorte na estreia: um dia de sol em pleno Dezembro, sem frio nem vento, estádio cheio de famílias felizes por poderem ver os craques a horas decentes.

Quando passas os torniquetes, parece-me, sofres o primeiro impacto. A tua Titi tem que ir para outra fila, para a revista exclusiva de mulheres, a multidão aglomera-se na entrada do estádio, a confusão aumenta, tens que te soltar da minha mão durante a revista e o segurança de serviço até te dá um pequeno empurrão para entrares no estádio. Não estás habituado a estas multidões e ficas com o olhar um pouco assustado, à procura da Titi, mas cedo te recompões e voltas ao estado de deslumbramento inicial.

Ao desceres pela primeira vez as escadas da bancada, vislumbras ao fundo o relvado, verde, brilhante, lindo como não há. Pego em ti ao colo para que possas ver melhor todo o esplendor daquele espectáculo pois afinal de contas nunca mais vais entrar pela primeira vez num estádio. Quando te sentas, apontas para uma das arquibancadas, com olhar maravilhado e perguntas se aqueles que estão lá em cima também são do Porto.

Os jogadores estão quase a entrar e tu segues as instruções do speaker, ora levantas as cartolinas, ora abanas a bandeira, ora esticas o cachecol. Não se pode dizer que estejas eufórico, antes estás algo entre o maravilhado e o assustado, incapaz de perceber bem o que fazem ali tantas pessoas juntas. De repente perguntas-me se o Iker Casillas vai jogar, respondo-te que sim e ficas como que mais descansado, como se percebesses a real importância do Iker na nossa equipa. Entretanto toca a tal música do Porto é Uma Nação e pego-te ao colo para que vejas todo estádio a cantar a mesma letra que tu cantas com os teus amigos no infantário.

O jogo começa e tu ora alternas entre o meu colo e o colo da Titi. Tentas seguir a partida, mas o espaço visual é demasiado grande para a tua idade e a tua natural falta de foco. Ora te concentras na bola, ora no jogador que cai, ora na mascote Draco, ora nas bancadas que se erguem como escarpas diante dos teus olhos.

Entretanto o Rio Ave marca e tu tentas acalmar-me: “Tio, nós sabemos que o que importa é participar, não é? Não tem mal não ganhar!”. Pese embora os olhares da tua Tia, tenho que te dar a primeira lição de portismo: Manel, ganhar é importante! Ainda antes do intervalo, o Porto dá a volta ao resultado e pego em ti ao colo nos dois golos do Porto, para que cantes e grites comigo o nome dos craques e as músicas de vitória. Ficas, uma vez mais, entre o maravilhado e o assustado com o barulho que sai do Covil do Dragão.

Chega o intervalo e já estás extenuado. Perguntas se já acabou o jogo e nota-se que os olhos já te pesam. Claramente emoções a mais para um dia só e para um coração tão pequeno. As pipocas ao intervalo ajudam-te a aguentar a segunda parte, entre milho e açúcar. O jogo termina e perguntas se o Porto ganhou. Claro que ganhou!

No trajecto de regresso ao carro, estás completamente derreado e já caminhas mais lento, mais pesado, com as pernas a darem de si. Ainda mal entraste no carro e já caíste de maduro, como se costuma dizer. A tua tia e eu fazemos a viagem com o rádio baixinho, devagar e a conversar em surdina, não vás tu acordar. Pegamos-te ao colo e vamos pôr-te de novo em casa, onde a tua Mãe, que carrega a tua irmã na barriga, te espera. Durante uns momentos não dizes nada e parece que vais voltar a adormecer, mas aos poucos lá vais recuperando e, antes de eu me ir embora, ainda me dizes que gostavas de voltar a ir ao Dragão.

Entretanto, sou eu que te tenho que agradecer, pois foi por tua causa que, ao final de mais de 8 anos, a tua Tia finalmente lá aceitou um convite meu para vir ao futebol. E apesar de não o confessar, tenho a certeza que gostou tanto como tu!

Obrigado, Manel!

Rodrigo de Almada Martins

5 comentários:

  1. É tão linda a inocência!!

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  2. Pena o titulo estar incorrecto. Não é mais Antas mas sim Dragão, o nome do nosso lindo estádio!

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  3. Pois.O nosso lindo estádio chama se Dragão mas de facto fica situado nas ANTAS

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  4. Adorei! Espero um dia poder fazer o mesmo com os meus sobrinhos tal como fizeram comigo quando tive a idade do Manel.
    Saudações portistas

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