Memórias e amnésias CARLOS QUEIROZ herdou um fardo pesado, porque a geração de ouro que ajudou a formar estava de saída, e o seu antecessor nunca cuidou de preparar uma nova geração. Além disso, Queiroz não tinha a possibilidade de recorrer a uma equipa de clube que servisse de esqueleto à sua selecção, como sucedera em 1966, com os magriços de Otto Glória que tinham como base a equipa do Benfica, e em 2004, quando Scolari percebeu, após a derrota inaugural com a Grécia, que precisava de usar como base a equipa do FC Porto. Entre os jogadores disponíveis, faltava um patrão, um capitão que, dentro de campo tivesse a voz de comando. Faltava, também, e ainda falta, um grande guarda-redes e um lateral esquerdo de qualidade. Não havia um médio criativo que pudesse ser alternativa a Deco, nem um ponta-de-lança que fizesse esquecer Pauleta. Queiroz precisou de formar uma nova equipa. Teve dificuldade em motivar alguns jogadores e em criar o indispensável espírito de entreajuda. O escândalo, em Braga, quando não se conseguiu levar de vencida a Albânia reduzida a dez e a vergonha na goleada sofrida com o Brasil são episódios que retratam esse problema. Mas, ao fim deste tempo, e com as necessárias adaptações, a equipa nacional tem hoje todos os atributos para ganhar o play-off e fazer um grande Mundial.
Bastaram três vitórias sucessivas para Portugal chegar ao segundo lugar no grupo de apuramento e voltar a sonhar com uma presença no Mundial. É pena que tenha falhado o apuramento directo, porque é a melhor equipa de um grupo que só não venceu por um conjunto de circunstâncias adversas. Já ouvi e li que Portugal teve imensa sorte por a Dinamarca ter ganho sem mérito à Suécia, e por ter ganho à Hungria numa vitória que começa numa falha do guarda-redes. Se calhar, é verdade. Afinal, há dias em que os deuses do futebol se unem para proporcionarem estas alegrias. Mas, também é verdade, e quem se recorda dos jogos desta série de apuramento não pode esquecer, nem deve omitir, que também houve dias em que os deuses nos pregaram partidas, como aconteceu no primeiro jogo contra a Dinamarca, e nas vitórias suecas na Hungria e em Malta, que foram ambas conseguidas já nos períodos de compensação.
A presença na África do Sul, onde há uma enorme colónia portuguesa, tem uma importância que transcende o futebol. Quando lá estive em Fevereiro, encontrei muitos que nem queriam acreditar que a sua selecção poderia falhar a presença. Também em Moçambique e até em Angola (que organizará o CAN mas não conseguiu o apuramento para o Mundial mais desejado) não faltará quem torça por Portugal. Estranho contraste este, perante tanta gente bem pensante, desta nossa terra de inveja que, depois do empate em Copenhaga, se precipitou ao comprar gravata preta para ir ao funeral de Queiroz.
Amnésia e portofobia NINGUÉM se livra do efeito das emoções fortes que podem afectar o juízo e soltar o nosso imaginário das peias da razão. Vem isto a propósito do que ouvi após o magnífico e crucial golo de Liedson, que resolveu a contenda com a Hungria. Porque tivessem surgido dúvidas se a bola teria entrado, o jornalista da TVI, João Manha, exclamou: «Este golo faz-me lembrar um remate de Petit à baliza de Vítor Baía, há uns anos, também naquela baliza, em que a bola entrou totalmente, mas o árbitro não viu». É claro que, a frio, talvez Manha se recorde agora de um outro golo, esse sim em tudo idêntico ao de Liedson, que Clayton marcou pelo FC Porto ao Benfica na Luz, e que por acaso não contou.
A cor das lentes O Senhor Cruz dos Santos fez o favor de responder à minha última crónica e, por excesso de generosidade, chegou ao ponto de me distinguir com dois elogios exagerados, ao descrever esta minha rubrica como «sempre interessante e muito isenta». Saberá o leitor que me esforço por não ser maçador, mas não reclamo o último estatuto. Confesso muitas vezes que, apesar de cultivar os valores do fair play e gostar do futebol limpo e bem jogado, levo para os jogos óculos com lentes azuis. Fico, ainda assim, satisfeito que o Senhor Cruz dos Santos não tenha problemas oftalmológicos e estou certo que aproveitou a consulta, a que recorreu por minha culpa, para verificar que as suas lentes continuam incolores.
Mais do que contraponto FALA-SE demais do Benfica entre os portistas. O contraponto foi preciso, e fez sentido, quando o adversário dominava o futebol. Em trinta anos, os pratos da balança inverteram-se. Claro que o Benfica continua a ter o favorecimento da imprensa, beneficia da portofobia, do velho saudosismo e do triste unanimismo nacional. Claro que se continua a badalar as suas vitórias pré-históricas como se tivessem ocorrido ontem, e já se imagina que Jesus é o guia infalível de onze novos eusébios. Mas, tudo isso não passa de história velha, de proselitismo e de vã fumaça. O FC Porto está, por mérito próprio e há muitos anos, na mó de cima. Por isso, e se pensa e age como tal, também deve falar desse modo.
Pesadelos e dispneias MAS, essa preocupação excessiva não é comparável à obsessão que existe no Benfica a propósito dos resultados do FC Porto. Incapaz de vencer o adversário nos relvados domésticos e conseguir idênticas façanhas lá fora, há muito que, na Luz, se tenta denegrir as vitórias do FC Porto, com o auxílio de uma horda de fiéis escribas, e se tenta contrariar esse domínio através de jogadas de bastidores e de secretaria. Alguém esquece a clique de renegados que o Benfica tem seduzido ao longo dos últimos anos, ou o seu lastimável envolvimento no caso Carolina Salgado? Para Fernando Guerra, o Dragão tem pesadelos vermelhos. Pois eu acho que o Benfica padece há muito de uma grave dispneia azul-e-branca.
Excelente a capa do JOGO:)
ResponderEliminarHoje sim, merecem a vénia.
RUI MOREIRA
ResponderEliminarMemórias e amnésias
CARLOS QUEIROZ herdou um fardo pesado, porque a geração de ouro que ajudou a formar estava de saída, e o seu antecessor nunca cuidou de preparar uma nova geração. Além disso, Queiroz não tinha a possibilidade de recorrer a uma equipa de clube que servisse de esqueleto à sua selecção, como sucedera em 1966, com os magriços de Otto Glória que tinham como base a equipa do Benfica, e em 2004, quando Scolari percebeu, após a derrota inaugural com a Grécia, que precisava de usar como base a equipa do FC Porto.
Entre os jogadores disponíveis, faltava um patrão, um capitão que, dentro de campo tivesse a voz de comando. Faltava, também, e ainda falta, um grande guarda-redes e um lateral esquerdo de qualidade. Não havia um médio criativo que pudesse ser alternativa a Deco, nem um ponta-de-lança que fizesse esquecer Pauleta. Queiroz precisou de formar uma nova equipa. Teve dificuldade em motivar alguns jogadores e em criar o indispensável espírito de entreajuda. O escândalo, em Braga, quando não se conseguiu levar de vencida a Albânia reduzida a dez e a vergonha na goleada sofrida com o Brasil são episódios que retratam esse problema. Mas, ao fim deste tempo, e com as necessárias adaptações, a equipa nacional tem hoje todos os atributos para ganhar o play-off e fazer um grande Mundial.
Bastaram três vitórias sucessivas para Portugal chegar ao segundo lugar no grupo de apuramento e voltar a sonhar com uma presença no Mundial. É pena que tenha falhado o apuramento directo, porque é a melhor equipa de um grupo que só não venceu por um conjunto de circunstâncias adversas. Já ouvi e li que Portugal teve imensa sorte por a Dinamarca ter ganho sem mérito à Suécia, e por ter ganho à Hungria numa vitória que começa numa falha do guarda-redes. Se calhar, é verdade. Afinal, há dias em que os deuses do futebol se unem para proporcionarem estas alegrias. Mas, também é verdade, e quem se recorda dos jogos desta série de apuramento não pode esquecer, nem deve omitir, que também houve dias em que os deuses nos pregaram partidas, como aconteceu no primeiro jogo contra a Dinamarca, e nas vitórias suecas na Hungria e em Malta, que foram ambas conseguidas já nos períodos de compensação.
A presença na África do Sul, onde há uma enorme colónia portuguesa, tem uma importância que transcende o futebol. Quando lá estive em Fevereiro, encontrei muitos que nem queriam acreditar que a sua selecção poderia falhar a presença. Também em Moçambique e até em Angola (que organizará o CAN mas não conseguiu o apuramento para o Mundial mais desejado) não faltará quem torça por Portugal. Estranho contraste este, perante tanta gente bem pensante, desta nossa terra de inveja que, depois do empate em Copenhaga, se precipitou ao comprar gravata preta para ir ao funeral de Queiroz.
(CONT...)
(CONT...) RUI MOREIRA
ResponderEliminarAmnésia e portofobia
NINGUÉM se livra do efeito das emoções fortes que podem afectar o juízo e soltar o nosso imaginário das peias da razão. Vem isto a propósito do que ouvi após o magnífico e crucial golo de Liedson, que resolveu a contenda com a Hungria. Porque tivessem surgido dúvidas se a bola teria entrado, o jornalista da TVI, João Manha, exclamou: «Este golo faz-me lembrar um remate de Petit à baliza de Vítor Baía, há uns anos, também naquela baliza, em que a bola entrou totalmente, mas o árbitro não viu». É claro que, a frio, talvez Manha se recorde agora de um outro golo, esse sim em tudo idêntico ao de Liedson, que Clayton marcou pelo FC Porto ao Benfica na Luz, e que por acaso não contou.
A cor das lentes
O Senhor Cruz dos Santos fez o favor de responder à minha última crónica e, por excesso de generosidade, chegou ao ponto de me distinguir com dois elogios exagerados, ao descrever esta minha rubrica como «sempre interessante e muito isenta». Saberá o leitor que me esforço por não ser maçador, mas não reclamo o último estatuto. Confesso muitas vezes que, apesar de cultivar os valores do fair play e gostar do futebol limpo e bem jogado, levo para os jogos óculos com lentes azuis. Fico, ainda assim, satisfeito que o Senhor Cruz dos Santos não tenha problemas oftalmológicos e estou certo que aproveitou a consulta, a que recorreu por minha culpa, para verificar que as suas lentes continuam incolores.
Mais do que contraponto
FALA-SE demais do Benfica entre os portistas. O contraponto foi preciso, e fez sentido, quando o adversário dominava o futebol. Em trinta anos, os pratos da balança inverteram-se. Claro que o Benfica continua a ter o favorecimento da imprensa, beneficia da portofobia, do velho saudosismo e do triste unanimismo nacional. Claro que se continua a badalar as suas vitórias pré-históricas como se tivessem ocorrido ontem, e já se imagina que Jesus é o guia infalível de onze novos eusébios. Mas, tudo isso não passa de história velha, de proselitismo e de vã fumaça. O FC Porto está, por mérito próprio e há muitos anos, na mó de cima. Por isso, e se pensa e age como tal, também deve falar desse modo.
Pesadelos e dispneias
MAS, essa preocupação excessiva não é comparável à obsessão que existe no Benfica a propósito dos resultados do FC Porto. Incapaz de vencer o adversário nos relvados domésticos e conseguir idênticas façanhas lá fora, há muito que, na Luz, se tenta denegrir as vitórias do FC Porto, com o auxílio de uma horda de fiéis escribas, e se tenta contrariar esse domínio através de jogadas de bastidores e de secretaria. Alguém esquece a clique de renegados que o Benfica tem seduzido ao longo dos últimos anos, ou o seu lastimável envolvimento no caso Carolina Salgado? Para Fernando Guerra, o Dragão tem pesadelos vermelhos. Pois eu acho que o Benfica padece há muito de uma grave dispneia azul-e-branca.
Rui Moreira n' A Bola.