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Entendam: é um texto “aquecido”, mas não quero com isso ofender-vos. Já o escrevi em vésperas de despedida do Estádio das Antas, ou seja em finais de 2003, ainda as galinhas tinham dentes. Hoje bateu forte a saudade. Fui revisitá-lo e achei que faria sentido publicar. Talvez porque os adeptos que o enchiam fossem diferentes dos actuais, talvez porque gostasse que tudo voltasse à segurança e certezas desses tempos, talvez porque…
Aqui vai: em homenagem ao mais belo, mítico e esplendoroso estádio que alguma vez existiu. Por muito que gostemos e amemos o Dragão, as Antas serão sempre as Antas e o vazio permanecerá. Mesmo que não confessemos.
“MAY YOU STAY FOREVER YOUNG”
Ansiedade misto de agonia. Simplesmente impossível de encaixar, de aceitar que um dos principais palcos da minha infância e adolescência, onde me senti a miúda mais feliz de todo o wide universe, ia abaixo. Sabia que as horas que passavam nos relógios da minha vida tornavam a despedida ameaçadoramente perto mas sempre pedi que amanhã não fosse a véspera do malfadado momento. Não houve como contornar ou adiar. Dia 16 passado foi essa véspera. A 17 de Dezembro de 2003 iria cumprir-se a despedida oficial, naquela que seria a altura para todos os adeus. Desse por onde desse, rain or shine, iria estar presente e dar o corpinho ao manifesto.
Aproveitei para me mentalizar e disse a mim mesma que não haveria lágrimas. "Ouviste?" Apenas emoção e alegria por tudo aquilo que vi e vivi ali dentro. Apenas satisfação por saber que iríamos mudar para melhor. Que tudo é uma questão de etapas e que as que tivemos nas Antas acabavam ali e naquele instante. Que nada acabava, apenas continuava. OK. Iria comportar-me e dar parte de forte. Como dizem quando um jogador nos deixa: "Os estádios passam, o Clube fica". Mas levei um pack de Kleenex de folha dupla no bolso. Just in case.
Iria ao meu Estádio e dizer-lhe em sussurro no doce tu-cá-tu-lá que mantivemos anos a fio, que estava lá para ele e que nunca o esqueceria. Que era o meu primeiro estádio e que seria sempre. O meu daddy, meu companheiro de todas as horas, não quis ir. Já fez as suas despedidas. Rodeei-me das pessoas mais especiais e que nunca dizem que não e lá me fiz ao caminho.
Noite fria, gélida e vento a soprar forte. Doeu-me que o chamamento para este último jogo não fosse feito da melhor maneira pelos responsáveis do Clube e, consequência disso, o egoísmo dos Homens sobrepôs-se à importância e significado do desafio que opôs o Glorioso FC Porto ao modesto Maia, em confronto para a Taça de Portugal. Pouca gente nas bancadas. Menos de quinze mil almas. Muito poucas, muito poucas. As mais sentimentalonas, estou certa. Antes do jogo olhei em volta e recordei o primeiro contacto, os jogadores que aprendi a adorar, as jogadas empolgantes, os cantinhos todos e mais algum que compuseram o Estádio da minha Vida.
"É a última vez que aqui estou, é a última vez que aqui entro, é a última vez que subo estas bancadas, é a última vez que te vejo inteiro por dentro, é a última vez que limpo uma cadeira suja de pó acumulado." Semicerrando os olhos e os ouvidos, sensação de casa a envolver-me, consegui transportar-me para outros jogos e outros embates noutras horas de outros dias. Noites de competições europeias.
Um jogo contra o Dínamo de Zagreb, decisivo, o Bota de Ouro a falhar um penalty que nos daria a passagem, o estádio em peso a chamá-lo nessa hora e ele a chorar como um menino. E o golo da vitória marcado bem nos últimos minutinhos e ele a desmaiar em plena pista, rodeado dos colegas. A despedida do Zé Beto no primeiro jogo após a sua morte. A sua foto desenhada a laranja nos marcadores electrónicos do topo e um estádio em peso em silêncio, num silêncio assombroso. A magia e os raides infindáveis do meu Paulinho Futre, ali, bem ali, naquela ala. O Dínamo de Kiev, a melhor equipa do mundo batida sem apelo nem agravo. A dor de perder o Rui Filipe. A Taça dos Campeões Europeus pós-Viena mostrada a um estádio cheio como um grande, imenso ovo de Páscoa. Campeonatos magníficos, sucessivas festas de arrepiar em que nos sentíamos no topo do mundo. Um campeonato perdido para o rival numa tarde em que o César Brito despedaçou todos os sonhos e eu com um primo mais novo a chorarmos agarrados um ao outro, sentados na bancada molhada.
A festa do tri, o êxtase do penta... a noite de Sevilha. Eu estive aqui, eu vivi, eu pertenci. "Então, Júlia?" Voltei à realidade, a piscar os olhos. Lá em baixo, no melhor relvado do país, desfilavam as velhas glórias. Os homens que inauguraram este mesmo estádio. Os homens que engrandeceram este clube décadas fora. Imensa ternura me invadiu e imaginei o que lhes ia na alma. Simples, mas bonito. O jogo foi o que menos me importou. Houve faltas, e houve vermelhos, e houve golos e mau futebol e bom futebol e bolas à trave, e azar e sorte. "É a última vez que canto para ti, é a última vez que festejo um golo..."
Um árbitro sem estória acabou o jogo, com o Alenitchev a entrar na história das Antas como o autor do último golo* marcado. Ganhámos e seguimos em frente na prova. Fixe. Valeu. Pronto. Lá teria de ser. Vamos então a isto. Fogo de artifício, para trás, fogo de artifício para a frente, tudo muito bonitinho e limpinho. O animador de serviço: "Vemo-nos no Estádio do Dragão!". Vivas ao Clube, vivas às Antas, Tocou-se o hino do clube, sacaram-se dos cachecóis e... o silêncio. Chegara o momento de sair. Adeptos houve que saíram apressados ainda estava o jogo a acabar. Adeptos houve que saíram a passo lento, olhando em volta e outros sem olhar. Adeptos houve que ficaram. E olharam. E tornaram a olhar. E tiraram fotografias e filmaram para a posteridade das suas vidas. Adeptos houve que sorriram. Outros que calaram. Alguém me disse: "Então... vamos embora?" Adepta houve que chorou. "Porra, tu prometeste..."
Não deu para aguentar a nostalgia. Acariciei aquilo tudo com um adeus e virei costas, bancadas abaixo. "É a última vez que salto nestes degraus, é a última vez que olho para trás e te vejo. Assim: belo, azul e verde e cheio de luz, é a última vez que saio. É a última vez. So long." Vi um chavalo com uma cadeira azul debaixo do braço. Chovia. Ouvi alguém a dizer: "É Deus a chorar". Seria.
* não chegou a ser o último porque o Estádio das Antas permaneceria intacto até à inauguração oficial do Dragão e mesmo depois, por problemas com o novo relvado.
fotos: “FILHOS DO DRAGÃO”
E para nostálgicos como nós, mais custa ver que na actualidade, o local onde imperou tão majestoso monumento, não passa de um arruamento com montes de terra à volta, esperando a construção de um condomínio de luxo.
ResponderEliminarHugo
Lendo este texto, regresso uns anos no tempo, mais precisamente até 1994. Foi a primeira vez que entrei no Estádio das Antas. Não era dia de jogo, as bancadas a tonalidade era cinzenta ainda estavam despidas de cadeiras e só na bancada central coberta se podiam ver cadeiras azuis. Não importava, não fazia a menor diferença, apaixonei-me por ele logo ali. Hoje já não existe fisicamente e apesar do Dragão ser fantástico, as Antas jamais sairão do meu coração e a memória daquele dia em que o vi e senti pela primeira vez irá sempre comigo, seja lá para onde eu for. Um texto de 2003, mas uma bela homenagem a um dos maiores ícones do Portismo. Agradeço muito o texto. Parabéns.
ResponderEliminarLendo este texto, regresso uns anos no tempo, mais precisamente até 1994. Foi a primeira vez que entrei no Estádio das Antas. Não era dia de jogo, as bancadas a tonalidade era cinzenta ainda estavam despidas de cadeiras e só na bancada central coberta se podiam ver cadeiras azuis. Não importava, não fazia a menor diferença, apaixonei-me por ele logo ali. Hoje já não existe fisicamente e apesar do Dragão ser fantástico, as Antas jamais sairão do meu coração e a memória daquele dia em que o vi e senti pela primeira vez irá sempre comigo, seja lá para onde eu for. Um texto de 2003, mas uma bela homenagem a um dos maiores ícones do Portismo. Agradeço muito o texto. Parabéns.
ResponderEliminarOutros tempos que já não voltam, mas que serão eternos na memória de quem os viveu.
ResponderEliminarApesar de ter experimentado todas as bancadas do estádio, as minhas foram a arquibancada e posteriomente a bancada por baixo dela. E por baixo da bancada, eram as reuniões da secção a que pertenci.
Os adeptos são os mesmos e muitos outros mais, que chegaram depois. O clube também mudou. Inevitável, é o Tempo a passar por nós.
Acarinhemos o passado, mas concentremo-nos no presente, procurando um futuro digno da nossa história.
http://doportocomamor.blogspot.pt/
Ao ler este texto vieram-me as lágrimas aos olhos, o tempo não volta para tráz e é para a frente o nosso futuro mas...
ResponderEliminarTambém já tive muitas e muitas alegrias no Dragão mas as Antas eram as Antas cheias de mística e de valores que hoje em dia se perderam , (por exemplo assobiar os árbitros e chamar-lhes nomes).
Bamos Porto
Nunca lá fui mas as imagens e vídeos que via e vejo dão mesmo a sensação de que é algo sagrado.
ResponderEliminarNunca nos esqueceremos das míticas Antas.
Cara amiga
ResponderEliminarExcelente e sentido texto como é seu timbre. De acordo com tudo que escreveu.
Que hei-de dizer eu que já lá ia desde o 28 de Maio de 1952?
Bjinho