'Nortada' do Miguel Sousa Tavares...
1 - Num mundo perfeito, não haveria selecções nacionais que não fossem compostas integralmente por nacionais nascidos no país ou filhos de pais nascidos no país, e que soubessem perfeitamente cantar o hino, falar a língua e debitar um mínimo de generalidades sobre a história, a geografia e a cultura do país cuja nacionalidade invocassem. Mas, num mundo perfeito, também não haveria tantos emigrantes por necessidade, tanta gente deslocada das suas raízes e da sua terra, apenas para conseguir sobreviver.
Mas também num mundo justo a pátria é onde nos sentimos em casa, onde nos apetece trabalhar, viver, ter filhos, criar outras raízes. Em Portugal e apenas no futebol existem cerca de mil brasileiros a trabalhar. Ao fim de seis anos, segundo a Lei da Nacionalidade, eles auferem o direito de requerer a nacionalidade portuguesa, passando a beneficiar de dupla nacionalidade: a portuguesa, que adquiriram, e a brasileira, que não perderam. Um desses mil jogadores é Pepe, central do FC Porto que, como aqui escrevi na semana passada, é, em minha opinião, o melhor central do mundo actualmente. Porque o Brasil tem muitos e bons jogadores ou porque também na selecção brasileira vigora a lei Scolari de só chamar os que já se conhecem, Pepe nunca mereceu a honra e a justiça de uma chamada ao escrete. Sai a perder o Brasil, pode sair a ganhar Portugal — se a Federação for sensível à firme e reiterada vontade de Pepe em jogar pela Selecção Nacional. A fazer fé em Scolari, a vontade de Pepe é mesmo essa: ou joga pela Selecção portuguesa ou não joga por nenhuma.
Confrontado com o desafio de Pepe, o presidente da federação, Gilberto Madail, esclareceu a sua posição, não esclarecendo nada: por um lado, «é preciso aproveitar as oportunidades de um mercado restrito»; por outro lado, «é preciso manter a identidade da Selecção». Diga-se, em abono do desamparado Madail, que a questão não é fácil de resolver.
Primeiro, há que distinguir dois planos: o da Lei da Nacionalidade e o dos critérios próprios das selecções nacionais. A diferença está em que o primeiro estabelece quem é que é português e o segundo quem é que pode representar Portugal. Juridicamente, quem pode uma coisa pode a outra mas, em termos de imagem, há toda uma diferença: suponhamos que Paul Auster naturalizava-se português — será que o poderíamos considerar representante da literatura portuguesa?
No plano da Lei da Nacionalidade — a nossa — não discuto os critérios da sua aquisição, o que discuto é o estatuto que ela confere. Se alguém decide naturalizar-se português, ou chinês, ou bielorrusso, não acho lógico nem justo que possa simultaneamente manter a nacionalidade de origem: ou se é português ou brasileiro; as duas coisas ao mesmo tempo parece-me um privilégio excessivo e sem justificação.
Mas a verdade é que é com esta Lei da Nacionalidade e outras idênticas, que as nossas Federação Nacionais e de outros países têm de se haver. E aí é que começam as dúvidas e os dilemas: todos nós, obviamente, gostaríamos de nos ver representados por selecções desportivas que não desvirtuassem a sua identidade de representações nacionais. Mais: entre a opção de ganhar menos vezes só com atletas nacionais, ou ganhar mais recorrendo também a atletas naturalizados, eu, pessoalmente, preferiria a primeira. Mas a verdade é que o país inteiro vibrou, por exemplo, com as proezas olímpicas de Francis Obikwelu, que pouco tem de português, para além do facto de nem sequer residir em Portugal. O que vale para o atletismo não vale para o futebol?
Por outro lado, existe este argumento decisivo: se vivemos num mundo progressivamente globalizado, se instituímos, e bem, uma Europa sem fronteiras, que é uma das principais aquisições da nacionalidade e estatuto europeu, e se todos os outros fazem o mesmo, que razão ponderosa nos levaria a constituir excepção? Todos sabemos que a França, que foi campeã do Mundo, não teria mais de três ou quatro jogadores genuinamente franceses; todos vimos a selecção da Suécia (a terra dos vikings altos e loiros) com metade dos jogadores de raça negra, e o mesmo sucede com a selecção inglesa; se a selecção espanhola que esteve na Alemanha jogava com um brasileiro naturalizado a meio-campo e diversas selecções de países do Leste europeu fazem o mesmo, quem somos nós para adoptarmos critérios mais restritivos? Acaso um brasileiro não tem muito mais a ver connosco que com Espanha, Rússia ou Bósnia-Herzegovina?
A questão, todavia, só se nos pôs, nos tempos recentes, com o Deco. E a verdade é que Deco tem demonstrado uma dedicação à Selecção portuguesa muito para além do que seria legítimo esperar. Ao contrário de outros, portugueses de gema, que entram e saem da Selecção ao sabor das suas conveniências pessoais, Deco, mesmo depois de se ter mudado para Espanha, tem estado sempre disponível quando é chamado. Então, pergunta-se: se Deco foi aceite, porque não deverá ser Pepe?
Mas é justamente aqui que as dúvidas se adensam: depois de Deco e Pepe, quem se seguirá? A tentação de abrasileirar a Selecção é terrível e isso implica que, para além de todas as dúvidas e dilemas, se estabeleça um critério e se termine com o casuísmo em que temos vivido. Tem de haver regras que sejam claras, públicas e imutáveis — que se apliquem sempre e em todos os casos e que não variem conforme as situações e as necessidades. Não sei quais devam ser essas regras — penso que devem sair de um debate profundo e de um trabalho de reflexão sério, eventualmente promovido a nível do Governo e para valer para todas as modalidades. Mas há um critério que rejeito logo à partida por me parecer de flagrante oportunismo: o das conveniências das selecções. Ou seja, não se pode aceitar Obikwelu porque era a nossa grande esperança de uma medalha olímpica, nem recusar Pepe porque de momento não temos necessidade premente de centrais.
2 - O Conselho de Disciplina da Liga viu-se obrigado a vir explicar por que razão, ao contrário do que tem sido sempre a regra, aplicou apenas um jogo de suspensão a Nuno Gomes, expulso com um vermelho directo em Alvalade, depois daquela entrada, quase agressão pura, a Tonel. E a explicação foi extraordinária: porque Nuno Gomes — embora já tivesse visto neste campeonato um vermelho directo no Bessa — não era reincidente, visto que o primeiro fora por palavras ao árbitro e o segundo por entrada sobre um adversário. A inovação (veremos se também vale para outros casos...) é de pasmar: a partir de agora, um vermelho directo vale o mesmo que dois amarelos e só dá origem a dois jogos de suspensão se os motivos forem os mesmos. Assim, um jogador pode ser expulso quatro vezes — uma porque insultou o árbitro, outra porque agrediu um adversário, outra porque fez gestos obscenos para o público, outra porque cortou a bola com a mão na linha de golo — e de todas as vezes levará apenas um jogo de suspensão.
É por estas e outras que eu, ao arrepio daquilo que é a esmagadora maioria das opiniões expressas, sou a favor da proibição dos magistrados no futebol. Porque não dignificam o futebol e muito menos as magistraturas.
1 - Num mundo perfeito, não haveria selecções nacionais que não fossem compostas integralmente por nacionais nascidos no país ou filhos de pais nascidos no país, e que soubessem perfeitamente cantar o hino, falar a língua e debitar um mínimo de generalidades sobre a história, a geografia e a cultura do país cuja nacionalidade invocassem. Mas, num mundo perfeito, também não haveria tantos emigrantes por necessidade, tanta gente deslocada das suas raízes e da sua terra, apenas para conseguir sobreviver.
Mas também num mundo justo a pátria é onde nos sentimos em casa, onde nos apetece trabalhar, viver, ter filhos, criar outras raízes. Em Portugal e apenas no futebol existem cerca de mil brasileiros a trabalhar. Ao fim de seis anos, segundo a Lei da Nacionalidade, eles auferem o direito de requerer a nacionalidade portuguesa, passando a beneficiar de dupla nacionalidade: a portuguesa, que adquiriram, e a brasileira, que não perderam. Um desses mil jogadores é Pepe, central do FC Porto que, como aqui escrevi na semana passada, é, em minha opinião, o melhor central do mundo actualmente. Porque o Brasil tem muitos e bons jogadores ou porque também na selecção brasileira vigora a lei Scolari de só chamar os que já se conhecem, Pepe nunca mereceu a honra e a justiça de uma chamada ao escrete. Sai a perder o Brasil, pode sair a ganhar Portugal — se a Federação for sensível à firme e reiterada vontade de Pepe em jogar pela Selecção Nacional. A fazer fé em Scolari, a vontade de Pepe é mesmo essa: ou joga pela Selecção portuguesa ou não joga por nenhuma.
Confrontado com o desafio de Pepe, o presidente da federação, Gilberto Madail, esclareceu a sua posição, não esclarecendo nada: por um lado, «é preciso aproveitar as oportunidades de um mercado restrito»; por outro lado, «é preciso manter a identidade da Selecção». Diga-se, em abono do desamparado Madail, que a questão não é fácil de resolver.
Primeiro, há que distinguir dois planos: o da Lei da Nacionalidade e o dos critérios próprios das selecções nacionais. A diferença está em que o primeiro estabelece quem é que é português e o segundo quem é que pode representar Portugal. Juridicamente, quem pode uma coisa pode a outra mas, em termos de imagem, há toda uma diferença: suponhamos que Paul Auster naturalizava-se português — será que o poderíamos considerar representante da literatura portuguesa?
No plano da Lei da Nacionalidade — a nossa — não discuto os critérios da sua aquisição, o que discuto é o estatuto que ela confere. Se alguém decide naturalizar-se português, ou chinês, ou bielorrusso, não acho lógico nem justo que possa simultaneamente manter a nacionalidade de origem: ou se é português ou brasileiro; as duas coisas ao mesmo tempo parece-me um privilégio excessivo e sem justificação.
Mas a verdade é que é com esta Lei da Nacionalidade e outras idênticas, que as nossas Federação Nacionais e de outros países têm de se haver. E aí é que começam as dúvidas e os dilemas: todos nós, obviamente, gostaríamos de nos ver representados por selecções desportivas que não desvirtuassem a sua identidade de representações nacionais. Mais: entre a opção de ganhar menos vezes só com atletas nacionais, ou ganhar mais recorrendo também a atletas naturalizados, eu, pessoalmente, preferiria a primeira. Mas a verdade é que o país inteiro vibrou, por exemplo, com as proezas olímpicas de Francis Obikwelu, que pouco tem de português, para além do facto de nem sequer residir em Portugal. O que vale para o atletismo não vale para o futebol?
Por outro lado, existe este argumento decisivo: se vivemos num mundo progressivamente globalizado, se instituímos, e bem, uma Europa sem fronteiras, que é uma das principais aquisições da nacionalidade e estatuto europeu, e se todos os outros fazem o mesmo, que razão ponderosa nos levaria a constituir excepção? Todos sabemos que a França, que foi campeã do Mundo, não teria mais de três ou quatro jogadores genuinamente franceses; todos vimos a selecção da Suécia (a terra dos vikings altos e loiros) com metade dos jogadores de raça negra, e o mesmo sucede com a selecção inglesa; se a selecção espanhola que esteve na Alemanha jogava com um brasileiro naturalizado a meio-campo e diversas selecções de países do Leste europeu fazem o mesmo, quem somos nós para adoptarmos critérios mais restritivos? Acaso um brasileiro não tem muito mais a ver connosco que com Espanha, Rússia ou Bósnia-Herzegovina?
A questão, todavia, só se nos pôs, nos tempos recentes, com o Deco. E a verdade é que Deco tem demonstrado uma dedicação à Selecção portuguesa muito para além do que seria legítimo esperar. Ao contrário de outros, portugueses de gema, que entram e saem da Selecção ao sabor das suas conveniências pessoais, Deco, mesmo depois de se ter mudado para Espanha, tem estado sempre disponível quando é chamado. Então, pergunta-se: se Deco foi aceite, porque não deverá ser Pepe?
Mas é justamente aqui que as dúvidas se adensam: depois de Deco e Pepe, quem se seguirá? A tentação de abrasileirar a Selecção é terrível e isso implica que, para além de todas as dúvidas e dilemas, se estabeleça um critério e se termine com o casuísmo em que temos vivido. Tem de haver regras que sejam claras, públicas e imutáveis — que se apliquem sempre e em todos os casos e que não variem conforme as situações e as necessidades. Não sei quais devam ser essas regras — penso que devem sair de um debate profundo e de um trabalho de reflexão sério, eventualmente promovido a nível do Governo e para valer para todas as modalidades. Mas há um critério que rejeito logo à partida por me parecer de flagrante oportunismo: o das conveniências das selecções. Ou seja, não se pode aceitar Obikwelu porque era a nossa grande esperança de uma medalha olímpica, nem recusar Pepe porque de momento não temos necessidade premente de centrais.
2 - O Conselho de Disciplina da Liga viu-se obrigado a vir explicar por que razão, ao contrário do que tem sido sempre a regra, aplicou apenas um jogo de suspensão a Nuno Gomes, expulso com um vermelho directo em Alvalade, depois daquela entrada, quase agressão pura, a Tonel. E a explicação foi extraordinária: porque Nuno Gomes — embora já tivesse visto neste campeonato um vermelho directo no Bessa — não era reincidente, visto que o primeiro fora por palavras ao árbitro e o segundo por entrada sobre um adversário. A inovação (veremos se também vale para outros casos...) é de pasmar: a partir de agora, um vermelho directo vale o mesmo que dois amarelos e só dá origem a dois jogos de suspensão se os motivos forem os mesmos. Assim, um jogador pode ser expulso quatro vezes — uma porque insultou o árbitro, outra porque agrediu um adversário, outra porque fez gestos obscenos para o público, outra porque cortou a bola com a mão na linha de golo — e de todas as vezes levará apenas um jogo de suspensão.
É por estas e outras que eu, ao arrepio daquilo que é a esmagadora maioria das opiniões expressas, sou a favor da proibição dos magistrados no futebol. Porque não dignificam o futebol e muito menos as magistraturas.
# in Jornal “A BOLA”, 2007.01.02
Mais 2 bons temas levantados por MST.
ResponderEliminar1 - A questão da nacionalização futebolistica do Pepe para eventualmente jogar dentro em pouco na Selecção do Escarrolari. É um tema na minha opinião muito delicado, porque se por um lado continuarmos neste ritmo, não tarda nada que se perca a identificação e o orgulho da bandeira nacional; do patriotismo e do nacionalismo. Agora, por outro lado, se há muito existe em Portugal o NACIONAL-PORREIRISMO, se toda a gente vibra com as vitórias do Francis Obikwelu, se olhamos para a selecção do andebol há uns anos atrás com búlgaros a pedido do Bonner, para a selecção de basquetebol com naturalizados aos montes, para Decos, Nélsons, etc... e porque não o tal 'ovelha negra' que está a pedir esmola em frente ao cesto do pão, se para uns o NACIONAL-PORREIRISMO funciona, porque não haverá de funcionar agora também para o Pepe?... e ademais, estes assuntos da Selecção do Escarrolari e do Roubamil pouco me interessam... eles que se entendam, quero lá saber!
2 - Quanto aos critérios do Conselho de (in)Disciplina da (des)LIGA, eu vou esperar para ver quando for um jogador com vermelho directo, que por um acaso, só por um acaso, equipe de azul e branco... vou esperar para ver... depois nessa altura, me pronunciarei.
aKeLe aBrAçO
http://bibo-porto-carago.blogspot.com/
ALGUÉM ANDA A FALTAR AOS "treinos" ........
ResponderEliminarBlue...
ResponderEliminarNo FêCêPê (fecepe.blogspot.com), estou a organizar uma votação para eleger a melhor foto de 2006 que se relacione com o nosso enorme clube. Ajudem-me a escolher.
Abraço,
Aníbal
atão pá????? já te mandei o mail há 2 horas.... ainda n1 arranjaste esta cena toda???? tás a falhar man, tás a falhar....
ResponderEliminarO teu blog Está com um aspecto mais leve, está mais bonito...e azul e branco é claro!! qt ao pepe tb acho q é o melhor do mundo mas a seguir ao ricardo carvalho...
ResponderEliminarNão é por ser do PORTO que deixa de ter razão !
ResponderEliminarFaz sentido (quase tudo )o que diz o MIGUEL .