09 dezembro, 2017

FOTO MÍSTICA #8 - Jardel [1997]


O FOTO-MÍSTICA é um espaço de registo e divulgação da história do FUTEBOL CLUBE DO PORTO. O objectivo é recordar os seus momentos, os seus valores, os seus princípios, a sua cultura, a sua marca, a sua dimensão, as suas gentes. Numa palavra: a sua MÍSTICA. Todos são convidados a participar nesta viagem. Se pretenderem ver divulgada uma fotografia em especial, podem enviar e-mail para rodalma@hotmail.com .


Época: 1996/1997
Local: Estádio do SLB
Data: 11.01.1997
Resultado: SLB 1 x 2 FC Porto
Aparecem na fotografia: Jorge Soares, Mário Jardel

“Tu querias conhecer os pássaros,
voar como o Jardel sobre os centrais”

Nenhuma outra fotografia fará tão jus ao verso imortal de Carlos Tê como este instante, capturado quando Jardel parece pairar no ar muito mais tempo do que Jorge Soares, incapaz de chegar à bola com a cabeça, enquanto que o Super Mário consegue controlá-la com o peito.

A partir daí é história. Quem viu o jogo partilha a mesma ideia: depois da bola bater no peito, parece que se passaram séculos, vimos a bola subir, vimos a bola baixar vertiginosamente e o cérebro teve tempo de questionar o que é que ele ia fazer desta vez. Jardel, com o seu ar ingénuo e calma habitual, parece apenas perguntar a Michel Preud’homme para que lado quer a bola. Quando ela se aproxima do chão, já lá está o seu pé certeiro, a desferir potente e indefensável remate.

Um dos melhores golos de sempre – e foram tantos!... – do brasileiro que o FC Porto foi buscar ao Grémio de Porto Alegre há (pasme-se!) mais de duas décadas: 1996. Como o tempo passa!!

Com a distância que os anos permitem, convém lembrar aos mais novos que Jardel não era propriamente idolatrado por toda a massa associativa azul e branca, exigente por tradição e por mentalidade. Havia muitos que lhe apontavam os defeitos de não saber jogar fora da área, “que era menos um com a bola no pé”, que não sabia correr, que não fintava, que prejudicava o jogo da equipa, que só sabia marcar golos, que isto e aquilo. Talvez por isso, diz-se, Octávio Machado tenha recusado o seu regresso às Antas em 2001, quando já havia sido entrevistado de cachecol ao pescoço no rés-do-chão da Torre das Antas. Acabou por ir parar a Alvalade, ainda a tempo de ser campeão e facturar 67 golos em 62 jogos. A felicidade que teve no jogo, faltou-lhe depois na vida: a passagem por Lisboa foi destrutiva para a vida pessoal do jogador, que se afundou até hoje nos seus próprios mitos e fantasmas.

Mas naquela altura, às críticas, o brasileiro respondia sempre com golos, golos e mais golos. Sem lesões, sem paragens, sem cansaço, na Campeonato ou na Champions, servido por excelentes executantes: Drulovic, Capucho, Zahovic, Edmilson, principalmente estes, alimentaram durante largos anos a veia goleadora do avançado, que ainda hoje detém o recorde do estrangeiro com mais golos na história do FC Porto (175 jogos, 168 golos). Um impressionante registo, uma máquina de golos das antigas, um goleador para a história.

O FC Porto alinhou nesta partida com Hilário, Sérgio Conceição, Jorge Costa, Aloísio, Fernando Mendes, Paulinho, Barroso, Edmilson, Drulovic, Zahovic e Jardel. Segurança e coesão atrás, talento puro à frente e muita mística pelo meio. Uma fórmula de sucesso.
João Vieira Pinto, o adversário mais temido dos anos 90, ainda fez a igualdade, mas o capitão Jorge Costa tratou de a desfazer na segunda parte após recarga, numa baliza onde marcava golos por tradição e convicção.

Mário Jardel viveu os melhores anos da sua vida e da sua carreira na Invicta, protegido por uma Direcção altamente dedicada e profissional e por um grupo de atletas que eram quase como uma família. O avançado brasileiro encontrou no Porto o ninho ideal para a sua personalidade e capacidades individuais, colocando-as ao serviço do colectivo como era regra do Departamento de Futebol. Sagrou-se campeão nacional com António Oliveira (2x) e com Fernando Santos, venceu duas Taças de Portugal e 3 Supertaças Cândido de Oliveira. Será para sempre considerado como o terceiro Bota-de-Ouro do FC Porto (1999), depois do bis do mítico Fernando Gomes. Os adeptos portistas recordar-se-ão para sempre de Jardel naquele seu estilo elegante e aprumado, como na fotografia, de camisola por dentro dos calções e costas direitas. Um avançado que não fazia carrinhos e que só sujava os calções quando era hora de mergulhar para a relva e cabecear de peixinho. Um ponta-de-lança à moda antiga, um alemão nascido por erro abaixo da linha do equador, que jogava parado e com quem a bola parecia ir ter. A sua movimentação típica era de bailado: sob marcação, dava um passo à frente para enganar o defesa e quando o cruzamento pingava, Jardel já estava nas costas do adversário a facturar sem dó nem piedade. Um craque de pé direito, pé esquerdo e, principalmente, de cabeça.

Nas Antas só foi infeliz por uma vez, ao serviço do Sporting, quando falhou o único penalty dos vários que dispôs na temporada 2001/2002. Nesse dia, quando foi substituído, foi brindado talvez com uma das maiores assobiadelas que as Antas guardam memória. Eu estava lá e recordo-me do seu ar de incredulidade e desilusão junto da Curva Sul: mãos nas ancas como era seu timbre e a abanar a cabeça, em jeito de mágoa. Parecia simplesmente não compreender o ódio que as gentes do Porto lhe demonstravam, quando ele tanto tinha contribuído para as páginas gloriosas do clube. Jardel não foi capaz de perceber que não era ódio que os ultras destilavam, mas sim apenas tristeza, muita tristeza de não o poderem ver vestido de azul-e-branco.

Depois de Galatasaray e Sporting, Jardel tornou-se num autêntico globetrotter do futebol mundial, com passagens pelo Bolton, Ancona, Newell’s Old Boys, Alavés, Goiás, Beira-Mar, Anorthosis, United Jets, Criciúma, Ferroviário, América (CE), Flamengo (PI), Chemo More e Rio Negro (AM), terminando a carreira em 2011 no Al-Taawon da Arábia Saudita. Mário Jardel, o Super Mário, continua a tentar descobrir o seu Norte. Procura, no fundo, outras Antas para a sua vida.

Rodrigo de Almada Martins

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