Os três suspeitos do costume
À partida para mais um campeonato nacional, os candidatos ao título são os mesmos três de sempre, com mais ou menos protagonismo previamente reservado a um ou dois «outsiders», dos quais o Sporting de Braga é o mais propagandeado – talvez de mais e talvez cedo de mais. Em minha opinião, FC Porto, Sporting e Benfica – pela ordem da última classificação – são os candidatos deste ano, pela mesmíssima ordem de probabilidades.
É verdade que o Sporting tem apresentado o melhor futebol da pré-época, que manteve todos os jogadores que lhe interessavam, que fez poucas e cirúrgicas aquisições e que tem o mais interessante treinador entre todos os dezasseis portugueses que vão iniciar o campeonato. Mas daí até atribuir--lhe desde já o primeiro lugar entre os favoritos, como muita gente se apressa a fazer (incluindo, o que não é desejável, os próprios jogadores da equipe), vai uma distância. O que mais merece para já elogios é a politica de gestão do clube, que, reduzindo o seu orçamento de ano para ano, consegue, mesmo assim, chegar à abertura do campeonato como um dos principais favoritos à vitória final. O Sporting parte para este campeonato com cerca de metade do orçamento para o futebol de que dispõe o FC Porto e, partindo igualmente como favorito, isso só pode significar que ganhou o campeonato da gestão financeira e desportiva. Para tal, muito contribui a qualidade dos seus dirigentes – que, é justo reconhecê-lo, constituem, a diversos títulos, um caso notavelmente excepcional no futebol português – a qualidade do seu jovem e nada deslumbrado treinador e a nunca de mais elogiada escola de formação de jogadores, que é um insaciável motivo de orgulho e de alegrias para os sportinguistas. Ganhe ou não ganhe este campeonato, julgo que não restam dúvidas a ninguém que o caminho do futuro para os «grandes» do futebol português (que, quanto muito, são «médios» a nível europeu), é aquele que o Sporting tem adoptado nos últimos anos.
Mas, para as contas que se começam a fazer sexta-feira próxima, acredito que o FC Porto será ainda e mais uma vez o «front runner» deste campeonato. Porque a jovem equipa do Sporting tem ainda de ser testada debaixo de fogo e não «a feijões», enquanto que a equipe do FC Porto – igualmente jovem ou mais ainda – traz, todavia, do balneário, uma experiência e uma escola dos grandes combates e das grandes vitórias, que é passada de mão em mão e de geração em geração, com os resultados que se conhecem. Mas essa é apenas uma das razões.
A saída abrupta de Co Adriaanse, apesar do momento dificilmente ter podido ser pior, não foi um problema: foi uma oportunidade de solução. Porque há muito que dava para adivinhar que o seu temperamento, a sua teimosia, as suas ideias feitas e por demonstrar, iriam conduzir a crescente desgaste dos jogadores e da equipa. Como se viu, a «difícil transição» entre Adriaanse e um treinador «normal» foi resolvida, com tranquilidade e eficácia por Rui Barros, com três vitórias em três jogos e mais duas taças para a sala de troféus do Dragão. Como se demonstrou, não era o FC Porto que não estava habituado a ganhar: era Co Adriaanse. Aposto que sexta-feira o Dragão vai estar cheio, de um público de novo crente, entusiasta e aliviado.
Para além disso, acho sinceramente que o FC Porto tem melhor equipa que o Sporting: melhor onze-base e melhor «banco». Tirando raros casos pontuais, como o do ponta-de-lança, onde continua a ter o melhor que se exibe em relvados portugueses, julgo que o Sporting não tem jogadores com a dimensão extra de um Pepe, um Lucho González ou um Ricardo Quaresma.
E, enfim, falta o principal argumento a favor do FC Porto: não sei se já todos repararam, mas está ali a crescer um génio do futebol, um miúdo com dezoito anos acabados de fazer e – desculpem-me o que pode ser uma heresia prematura – cujo futebol me faz lembrar irresistivelmente alguém nascido mais a sul que Porto Alegre, também revelado aos dezasseis ou dezassete anos de idade, e que passou à história do futebol com o nome de Diego Armando Maradona. Anderson é daqueles jogadores que só sabem jogar para a frente, que joga em constante movimento, com e sem bola, que finta, fura, aguenta cargas, passa largo ou curto e acorre ao remate, com a desenvoltura, a coragem e a naturalidade dos verdadeiros e raros predestinados a número dez, a posição mais fantástica do futebol. Valeu a pena ir buscá-lo tão cedo, contratar a mãe para que ele pudesse ter licença de residente como menor, esperar tanto tempo até o fazer chegar à equipa principal. Este miúdo vai valer o seu peso em ouro e, ainda por cima, a avaliar pelas poucas falas que se lhe ouvem, não parece feito da frágil substância dos que se deslumbram com facilidade.
Ah, pois, e o Benfica! O terceiro candidato espera-se e deseja-se que comece por ultrapassar hoje à noite o incipiente obstáculo constituído pelo Áustria de Viena. Não só seria bom para o clube e para o futebol português, como ainda teria o atractivo extra de colocar os três grandes em pé de igualdade quanto ao calendário e às dificuldades para, pelo menos, a primeira metade da época.
A nível interno, porém, as suas hipóteses parecem-me à partida menores que as dos seus dois principais rivais. E, a avaliar pelo comportamento errático do seu presidente, a sua cara de «indivíduo eternamente zangado com o mundo», como ontem aqui escrevia Carlos Pereira Santos, sou tentado a adivinhar que Luís Filipe Vieira já está a ensaiar a habitual tese dos inimigos externos e das forças estranhas para preparar os benfiquistas para um ano falhado. De outro modo, não se compreende que, depois de ter sido dos primeiros apoiantes públicos da candidatura de Hermínio Loureiro à Liga, agora esteja em guerra com ele, sem que ninguém perceba porquê nem ele consiga explicar. Não se compreende que passe a vida a reclamar o andamento do «Apito Dourado», quando andou dois anos de braço dado na Liga com o principal suspeito do processo. Não se compreende a sua insistência em que lhe reconheçam o papel auto-atribuído de vestal moralizadora do futebol português, depois de ter cavalgado o indecente processo que levou ao arquivamento do caso de doping de Nuno Assis. E não se compreende que agora reclame a ingerência do poder político no futebol, depois de ter acabado de acordar com o banco público o recebimento de quinze milhões de euros, através de um processo saloiamente baptizado de «naming» e culminado no absolutamente ridículo nome de Caixa Futebol Campus atribuído ao centro de treinos do Seixal. Processo esse liderado, do lado do Estado, por um administrador da Caixa-Geral de Depósitos, chamado Armando Vara e que reunia, no caso, três condições fatais: ser benfiquista militante, ser um conhecido gastador de dinheiros públicos e ser um exemplo perfeito do alpinismo partidário como forma de estar na política.
É certo que o Benfica se reforçou com um ainda grande Rui Costa, que se «reforçou» com o Simão Sabrosa, depois de nova e pouco edificante novela de venda falhada. Mas os benfiquistas com quem falo não parecem ter muita fé nem na equipa nem no treinador escolhido, e o futebol até aqui mostrado tem sido confrangedor. Se a isso somarmos o constante espingardear em todas as direcções e sem sentido do seu presidente, é caso para desconfiar que ali esteja a germinar uma equipa de ganhadores. Mas a ver vamos.
# in "A BOLA", 2006.08.22