12 novembro, 2015

A (VÃ?) GLÓRIA DE MANDAR.

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Saudades, ai, ai, saudades! Saudades daqueles tempos em que era só eu e eu e eu e o Porto e o Porto e eu. Mais ninguém [Bem, talvez só o meu pai. E o meu amigo Luci]. Saudades daqueles tempos em que chegava a casa num intervalo de um jogo e apenas me perguntava por quantos estaríamos a ganhar. A acesa curiosidade de quem teria marcado. Saudades daqueles tempos em que um jogador, se perdesse um jogo ficava tão cabisbaixo e cinzento como as bancadas à sua volta. E dias a fio. Saudades, porra, saudades! Saudades já de dias de glória. De mandar. Daquilo que foi e já não volta a ser. [Mas porque não pode voltar a ser? Porquê?!] Saudades de alegria, tanta alegria na relva que era na altura mais verde, a bolinha redondinha e bem tratada, em filmes danados de bons de ver que puxavam ao sorriso ou a assomos de delirante baba nos queixos, estrelinhas nos olhos. Saudades do futebol pelo futebol sem o novo-riquismo bacoco e todos os tiques de despesismos e consumismos desnecessários de uma sociedade desportiva. Saudades de amor à Camisola. Saudades dos discursos inflamados e das certezas da Mística nas queridas caras larocas e conhecidas de ano para ano. Ai, ai. Saudades. Saudades de fins-de-semana bonitos, com a vitória do meu clube a aquecer-me dias mesmo que frios, ainda que podres, ainda que vazios. Saudades de normalidade. De vitórias rotineiras e corriqueiras que nunca me criaram tédio. Saudades, saudades. Saudades.

Com uma ou outra sensação boa pelo meio (terão sido meros acidentes de percurso?) as últimas duas épocas têm sido um eterno e infinito vómito. Uma oura que não passa, com Maios feios e já sem flores. Depois de termos chegado à linda e gorda lua, de termos lá construído um baita de um condomínio de luxo, eis-nos de regresso: estatelados no chão mais duro e pedregoso da Terrinha que habitamos, rolo compressor por cima de nós. Quando pensávamos que já tudo tínhamos experimentado e vivido, batendo recordes atrás de recordes e ainda mais míseros recordes, quando pensávamos que agora era só ligar o piloto automático e seguir em velocidade-cruzeiro, de mãos dadas com a vida, rumo ao pôr-do-sol dourado, eis que... ISTO. Tem sido mau demais. O drama das noites ou tardes, dos jogos, dos resultados, das incertezas, dos jogadores e treinadores que de maus nada têm mas que mostram um medo, uma tremideira, uma apatia, uma inocência difíceis de aceitar. De compreender.

O futebol neste santificado pardieiro de país está como está e nós, Grande Futebol Clube do Porto, estamos como estávamos no ano passado. A distância para o primeiro classificado vai-se aprofundando por obra e graça do Espírito Santo* e nós mudos e quedos, impávidos e serenos. “Descalça, vai para a fonte, Leonor, pela verdura”. Vai não formosa e segura, amparadinha, aconchegadinha aqui e ali, o raio da Leonor. E nós mudos e quedos, impávidos e serenos. Tipo Alteza Sereníssima. A vê-la ir. Bamboleando-se. A boa da Leonor. Como interpretar isto? Medo do/pelo primeiro lugar? Desinteresse? Uma moderna nonchalance cosmopolita, ao mesmo tempo que fumamos vagarosamente um cigarro encostados, perna cruzada, a um descapotável azul? Estaremos secretamente a tentar jogar numa Liga estrangeira e apenas queremos figurar nesta enquanto o processo não se conclui? Hein? O que é isto? Estamos carecas de falar neste assunto e de exigir murros na mesa por quem de direito, “mas o Presidente já não é novo e está frágil e há o Dragões Diário que não é e não pode ser suficiente, e o Porto Canal que é subaproveitado e yadda, yadda, yadda…” e… os pontos de diferença para os que nasceram com o tutu virado para a lua avolumam-se. Os gajos vão para a fonte, pela verdura.

E nós a vê-los ir. Passam, seguem, deslizam ufanos. Antes uns, agora outros. Apenas mudou a cor. Nós a vê-los ir. A caminho da fonte. Como se fosse a coisinha mais natural deste mundo. E não há ninguém disposto a passar-lhes uma rasteira, a atirar-lhes o púcaro à tola… DAMN! A destruir até a própria fonte! Ninguém parece querer. Estamos finalmente alinhados. Nós – outrora os irredutíveis gauleses -- fomos domados, por Toutatis! Convertemo-nos nuns docinhos.

Ando chocada por estes dias. Aconteceu durante o jogo contra o Braga no Dragão. Acredito, mas não acreditando no título, adoro o Julen detestando-o, numa espécie de perturbação de stress pós-traumático (PSPT). Não quero ir ao estádio, ouço o relato ou vejo via net, certo, mas resmungo, resmungo como se não houvesse amanhã ou o mês de Maio, duvido, acuso, tremo perante a visão de autocarros de 5 andares, árbitros telecomandados e não acredito e não festejo os golos se não em silêncio. Braço no ar, mas em silêncio. Já não peço os golos. Exijo-os. Deixei de chorar. De tristeza, de impotência, de raiva, de incredulidade. Tenho em mim apenas o trauma da travessia do deserto árido e sem verdura que demora a sarar. Duas épocas e centenas de jogos e milhares de minutos em que dançamos à música do baile dado pelos outros no seu caminho para a fonte. Uma autêntica humilhação que espero não repetir (nunca mais!) no tempo desta vida.

Podemos continuar na mediocridade, no sambinha chato deste segundo lugar, apostar nele e nos cromos-ainda-por-cima-repetidos que abundam na Liga, podemos continuar a alinhar no relambório das tácticas várias, podemos falar em bruxedos, barras, postes e vudus, fins de ciclo e caixas de kit-árbitro, podemos ter maus adeptos, maus árbitros e até carradas assombrosas de azar e perseguições, podemos desculpar-nos pelas idades dos velhinhos e da inocência dos putinhos, mas há que cerrar as fileiras altivas e orgulhosas que alguém um dia esquartejou e assegurar o 28.o campeonato nacional para o Futebol Clube do Porto. Exijo o título. Não admito que clubezecos simplórios e anaftalinazados do Antigo Regime o ganhem no nosso lugar. Não posso, não consigo admitir. Podemos até nada ter e pouco ou nada ser, mas, no meio de toda esta banalidade somos ainda melhores. Tenham paciência, tenham muita paciência, mas somos. Agora… é preciso querer. Só querer. Se quisermos (e nós queremos tão bem!), se fizermos das tripas coração, ELES podem até não querer, ELES podem até não querer deixar, mas se NÓS quisermos e passarmos por cima de muitas coisas (mesmo muitas bué de coisas), invadiremos o primeiro lugar e seremos campeões. Voltaremos a ter o mês de Maio.

Basta para isso que a normalidade (a par da vontade de mandar) volte a casa. Normalidade, filha, se nos estás a ouvir, volta… que estás perdoada. Miss you like crazy [suspiros].

* alias, Vítor Pereira & sus muchachos.

7 comentários:

  1. Poderia tentar acrescentar alguma coisa para descrever o estado de espírito que me acompanha de há 2 anos a esta parte, mas, esta crónica, descreve na perfeição e ao mais ínfimo detalhe aquilo que sinto. Mas não baixo os braços, recuso-me, por mais que isso me custe. Acredito que isto foi apenas uma pausa no ciclo ganhador, nada comparável ao jejum outrora vivido e em que resistimos estoicamente. Maio será fantástico e não acredito noutra coisa que não isso. Até porque não acredito que uns protegidos do poder instalado e uns pseudo-skenderbeus desta vida tenham capacidade para vergar uma equipa que, apesar de alguns escorregões (contínuo a achar que num processo de reconstrução total de uma equipa e dada a sua juventude, acaba por ser inevitável, mesmo que não o queiramos), já deu mostras que é muito mas muito melhor, que dificilmente permite grandes veleidades aos outros e que raramente perde (este ano ainda nem uma para amostra). É uma questão de tempo até ser uma equipa intransponível. Maio será Maio. Não tenho dúvidas. Parabéns pela crónica, está fantástica como sempre e na qual me revejo totalmente na forma de sentir o Porto e de sentir o momento do Porto. Excelente como sempre.

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  2. @ miss

    prosa genialmente fantástica, como sempre.
    e acredito que estes dois anos mais não são do que um necessário interregno para nos reinventar-mos e nos reencontrar-mos com o trilho que melhor conhecemos: o das vitórias.

    cumprimentos,
    Miguel | Tomo III

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  3. Obrigada, Rui, obrigada, Miguel. Que os deuses azuis e brancos vos ouçam. Que Maio volte a fazer parte do nosso calendário. :)

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  4. Existe um filme de terror, chamado The House on Haunted Hill, onde o ambiente bucólico de uma cidadezinha americana abandonada, é transformado nos piores pesadelos imagináveis para os seus aventureiros exploradores, sempre que se ouve o som de badaladas.

    Retirando a componente do fantástico, bem que poderíamos adaptar o enredo ao que se passa actualmente no Reino do Dragão.

    Os outrora confiantes e orgulhosos adeptos portistas, mesmo vendo com os seus próprios olhos uma equipa que é melhor, e joga anos-luz melhor, do que os seus rivais directos, à badalada de um empate (porque de derrotas, nem sequer sabemos o que é isso), envereda por um caminho auto-destrutivo de dúvida, depressão e pesadelos, que culmina invariavelmente nas inenarráveis assobiadelas caseiras, verdadeiros vírus mortais para a confiança dos nossos próprios guerreiros, assombrados por clássicos do terror, como os famosos Nacionais ou Belenenses da passada temporada, apesar de que a maioria deles ainda estava longe de figurar nos créditos finais.

    Vejo adeptos portistas da velha guarda insistirem na mística. Mas não se teriam também eles aburguesado? Velha guarda que fazia dos penalties inventados no último minuto para os nossos adversários, ou das vitórias mouriscas em que a bola tabelava no avançado, no defesa, e ainda no poste aos 99m, como combustível explosivo para empurrarmos os nossos bravos para a vitória. Com tristeza vejo agora, que golos nos últimos minutinhos a uns Tondelas, Nacionais ou Aroucas deixaram de ser sorte ou fortuna, e passaram eufemisticamente a visão tática, de um cada vez mais venerado parolo, e em sentido inverso, acendalha, para na estaca queimar um homem, culpado, qual seu compatriota Quixote, de perseguir e lutar galantemente com a honra dos melhores, contra os moinhos de vento que pretendem soprar os títulos para outras paragens mais a sul.

    Tudo o que peço aos portistas, é que acreditem e apoiem a sua equipa.

    Da equipa, apenas exijo que sinta, sue e lute como dignos representantes do emblema que transportam ao peito.

    Se assim for, não tenho dúvidas de que em Maio estaremos lá para festejar mais uma vez.

    Cumprimentos Portistas.

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  5. Principalmente pede-se aos jogadores que olhem em redor ao que se passa por este quadrado a beira-mar e acordem para destruir muros, pôr autocarros na sucata e deitar para fora essa "mania" de pensamentos que um jogador do FC Porto nunca deve ter.
    Tenham mentalidade vencedora e verão o que acontece.

    Mais um texto espectacular Miss BlueBay.

    Abraços.

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  6. Depois deste arrazoado todo que me cheira a lamechice ponham o nome aos bois e sejam diretos a culpa só tem um nome: Burgueses da Sad! Mudos e quedos perante tudo que nos fazem. E este ano pelo andar da carruagem vamos chuchar no dedo outra vez. Acordem ou saiam dando lugar a outros que nos defendam.

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  7. O amigo Rui Saraiva, no seu comentário, resumiu o meu pensamento enquanto estava a ler o artigo da amiga Miss Bluebay. "Acredito que isto foi apenas uma pausa no ciclo ganhador, nada comparável ao jejum outrora vivido e em que resistimos estoicamente”.
    Pois é. Gostando como gosto da estilística da autora, custa-me dizer que está a exagerar um pouco. Naturalmente não conheço as idades nem do Rui nem da Miss Blue bay, mas tendo, cada um deles, metade da minha idade (ou menos) relembro aquilo que costumo citar muitas vezes: Vocês nem sabem aquilo que eu passei! Quando digo “eu”, deveria dizer NÓS, portistas dos anos 60.
    Foram anos e anos de obscuridade, tramados e roubados até ao tutano, mais ou menos até há 30 anos atrás. Daí para cá ganhámos (quase) tudo o que havia para ganhar. Apareceram os que chamo “portistas novos”, os que vão agora para o Dragão assobiar os atletas e o treinador. Sim já sei! Falta pouco para pedirem a cabeça do presidente. Estão mortinhos que caia. Gostava de saber, depois, qual deles vai avançar primeiro.
    Abraço

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