06 janeiro, 2018

FOTO MÍSTICA #9 - Jorge Costa [1996]

O FOTO-MÍSTICA é um espaço de registo e divulgação da história do FUTEBOL CLUBE DO PORTO. O objectivo é recordar os seus momentos, os seus valores, os seus princípios, a sua cultura, a sua marca, a sua dimensão, as suas gentes. Numa palavra: a sua MÍSTICA. Todos são convidados a participar nesta viagem. Se pretenderem ver divulgada uma fotografia em especial, podem enviar e-mail para rodalma@hotmail.com .


Época: 1996/1997
Local: Estádio das Antas
Data: 20.11.1996
Resultado:  FC Porto 1 x 1 AC Milan
Aparecem na fotografia: Jorge Costa, António Oliveira

Foi uma das histórias que apaixonou o portismo nos anos 90: a cabeçada de George Weah a Jorge Costa, no túnel de acesso aos balneários do Estádio das Antas. O AC Milan era o carrasco daqueles tempos, que saía ano sim ano sim nas fases de grupo da Champions, a par do modesto mas sempre complicado Rosenborg. Falávamos então daquela que era provavelmente a melhor equipa do mundo da altura, com grandes senhores do futebol como Baresi, Maldini, Costacurta, Desailly, Davids, Simone, Baggio, Boban, Dugarry e o melhor jogador africano da altura: o liberiano George Weah.

O histório de confrontos entre as duas equipas não era favorável aos azuis-e-brancos. Na memória de muitos estará, por exemplo, aquela bomba de Jean-Pierre Papin a desfeitear Vítor Baía, após uma exibição memorável dos comandados de Carlos Alberto Silva frente à poderosíssima equipa de Fabio Capello (contava com Gullit e Rijkaard) que, todavia, não chegou para evitar a derrota caseira.

Mas em 96/97 era já tempo de exorcizar este fantasma italiano. Na jornada europeia anterior a que esta fotografia diz respeito, tinha-se dado a célebre reviravolta de San Siro – que será também um dia dissecada aqui no FOTO-MÍSTICA.

No jogo de Milão, que acabou com a vitória a favor do FC Porto (naquela que foi talvez a mais significativa vitória europeia do clube nos anos 90), Jorge Costa havia pisado Weah, num lance sem intenção, logo após este ter facturado de cabeça para o conjunto milanês. Sucede que, naquela altura, os jogadores estavam ainda autorizados a alinhar com brincos, colares e anéis, sendo que o liberiano jogava com um daqueles cachuchos que, ao ser pisado pelo alumínio dos pitons das botas do Bicho, lhe causou um traumatismo num dos dedos.

No jogo das Antas, Weah continuou a fazer a cabeça em água à defensiva portista, fruto da sua explosão e técnica apurada. Disse então o nosso Capitão que, nesse dia, não havia outra forma de parar Weah a não ser aumentando um pouco os níveis de agressividade na marcação, mas sempre dentro das regras do jogo. Não foi o único africano com quem Jorge Costa sentiu dificuldades na marcação, aliás. Quando um dia lhe perguntaram qual foi o avançado mais difícil de parar, a resposta saiu pronta: Didier Drogba, naquele difícil Marselha x FC Porto.

No final desse encontro, com o 1x1 a garantir o apuramento directo dos portistas em 1º lugar do grupo, os jogadores demoraram-se um pouco mais do que o habitual no tapete das Antas para celebrar o feito junto dos adeptos. Foi já dentro das cabines que, sem que nada o fizesse prever, Weah se aproximou de Jorge Costa e lhe desferiu uma violenta cabeçada, levando a que este se tivesse que sujeitar, dias mais tarde, a uma cirurgia de correcção da fractura da cana do nariz, que se traduziu num mês afastado da competição. Uma agressão premeditada e violentíssima, a frio, já bem depois do árbitro dar por terminada a partida.

Ainda nos balneários, a confusão foi enorme e sabe-se agora que o liberiano apenas conseguiu embarcar no avião de regresso a Milão porque forneceram uma informação errada a Jorge Costa, não tendo este apresentado a queixa-crime de forma imediata junto do órgão policial.

Na fotografia acima vemos o nosso Capitão ao lado do seu treinador, António Oliveira, na antiga sala de imprensa do Estádio das Antas. A conferência de imprensa teve aliás que ser interrompida, visto que Jorge Costa se sentiu com tonturas, sendo prontamente assistido no local pela equipa médica.

O que se passou depois entra na esfera kafkiana. De um lado, Jorge Costa sempre afirmou não abdicar de um pedido de desculpas; do outro houve menções a insultos racistas por parte do atleta que iniciou a sua carreira no FC Foz, algo que nunca foi corroborado pelos colegas de Weah no AC Milan.

George Weah estava nomeado para a Bola de Ouro relativa à época de 1995, tendo vindo receber a mesma numa cerimónia no Casino Estoril, em Dezembro de 1996. Foi proposto ao Bicho que se apresentasse no referido certame, cara a cara com Weah, tendo o primeiro rejeitado o convite na ausência de um pedido de desculpas público por parte do seu agressor. Jorge Costa confirmou ainda ter sido aliciado por altas instâncias do futebol internacional para, a troco de determinada quantia monetária, retirar a queixa que interpôs contra o jogador africano, o que terminantemente recusou. É bom que se diga que, na altura, a UEFA e a FIFA encetavam esforços no sentido de irradiar qualquer tipo de racismo no futebol e Weah, um jogador de primeira categoria, era a imagem ideal para fazer a ponte entre a Europa e a África, agregando as duas culturas e promovendo uma cultura de fair-play e no to racism. É a única razão que podemos encontrar para o facto de Weah ter sido ainda vencedor, de forma inacreditável, do prémio FIFA Fair-Play de 1996.

Passado um ano, Weah dirigiu uma carta ao português penitenciando-se pelo mal-entendido, justificando a sua atitude com supostos insultos racistas. Jorge Costa nunca aceitou a insinuação de racismo e, por isso, nunca respondeu ao hipócrita pedido de desculpas. A FIFA, no ano de 2000, através do seu porta-voz Keith Cooper, e face à recusa do capitão portista em retirar a queixa-crime, voltou a recuperar a questão, colocando Weah como vítima e Jorge Costa como agressor, numa tentativa de salvar a face do seu prémio Fair-Play.

O processo judicial em território nacional acabou por seguir os seus termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal do Porto, que nunca encontrou maneira de notificar o cidadão liberiano para comparecer em audiência de julgamento. Talvez agora seja mais fácil notificar George Weah, eleito Presidente da República da Libéria no passado dia 10 de Dezembro. Basta para isso o envio de uma simples carta rogatória. O Ministério dos Negócios Estrangeiros terá agora a palavra.

Rodrigo de Almada Martins

0 comentários:

Enviar um comentário