21 janeiro, 2014

O Falso 10 ou Os Jogadores e o Sistema

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Muito se tem dito e escrito sobre os trinta e três de Lucho Gonzalez. Que está velho, que já não corre, que tem que sair do onze, que está pesado, lento, incapaz de aguentar os 90 minutos. Um rol de críticas, partilhadas por quase todos os comentadores desportivos, apontavam a incapacidade de Lucho em desempenhar o papel de número 10. Quase todos omitiam, porém, uma verdade indesmentível: aquela não era nem nunca foi a posição predilecta ou habitual do argentino.

O Lucho do River Plate já desempenhava as funções de médio de transição, frequentemente partindo do corredor direito, fechando ao meio no momento defensivo e esticando e dando largura no momento ofensivo, ligando os vários sectores da equipa. Foi nessa função que ganhou lugar como titular da selecção argentina. Com Jesualdo, Lucho jogava mais ou menos emparelhado com Raúl Meireles, tendo ambos como guarda-costas Assunção, primeiro e Fernando, depois. É verdade que Lucho jogava mais adiantado do que Meireles ou, pelo menos, aparecia mais vezes na zona de finalização e em condições de desferir o remate. Mas isso dependia mais do tipo de jogador em si e do seu estilo do que propriamente por imperativos tácticos. Além disso, era bastante comum vermos Lucho aparecer, mais uma vez, colado à linha lateral direita, combinando com Bosingwa e Ricardo Quaresma, alavancando a partir dessa zona do terreno o futebol dos azuis brancos. O Lucho de Jesualdo nunca foi, por assim dizer, um número 10.

Era natural, não obstante, que um jogador com a qualidade de Lucho Gonzalez, jogando na linha intermédia, aparecesse com facilidade em zonas mais atacantes, próximas do ponta-de-lança, ora servindo-o (Lisandro ontem, Jackson hoje), ora fazendo o gosto ao pé, fruto da sua excelente capacidade de remate. Era Lucho e não Meireles quem aparecia nessas zonas devido à maior capacidade do argentino em cobrir maiores distâncias no terreno, fazendo dele quase sempre – tanto nessa altura como hoje – o jogador do FC Porto com mais quilómetros percorridos em campo. Mas, confundir essa apetência ou facilidade em chegar às ditas zonas de finalização com uma pura posição 10, parece-me a mim um erro crasso.

É verdade, também, que Lucho é capaz de condicionar o portador da bola como poucos, permitindo à sua equipa jogar com o bloco subido e quase toda no meio-campo contrário. Seria impensável, por exemplo, colocar Raúl Meireles ou João Moutinho na Luz a pressionar os centrais e o trinco logo na primeira zona de construção adversária, conforme estratégia utilizada com sucesso quer por Jesualdo Ferreira, quer por Vítor Pereira. Desde logo, porque Lucho tem um conhecimento táctico e uma condição física superior, que lhe permite pressionar as equipas contrárias logo na sua grande área diminuindo e encurtando linhas de passe e, ainda assim, recuar para vir buscar e organizar o jogo da sua equipa.

Um dos erros de Fonseca foi confundir essas qualidades de Lucho descritas acima (capacidade de chegar frequentemente à àrea adversária, facilidade em assistir os atacantes, capacidade de remate de média distância, pressão alta logo na primeira zona de construção adversária, encurtamento de linhas de passe) e tentar utilizá-las, a tempo inteiro, na posição em redor de Jackson Martínez. O erro resultou num quase assassínio táctico a El Comandante, que se viu perdido em disputas de lances aéreos (a antítese do seu futebol) e incapaz de diminuir o enorme fosso entre ele e o duplo pivot, tornando a equipa desligada entre os vários sectores. O seu gravitar em torno do avançado colombiano não rendeu as assistências esperadas, visto que Lucho era visto, não raras vezes, a receber a bola de costas para a baliza, constantemente sob pressão dos centrais adversários. Não parece boa ideia inventar uma nova posição para um jogador que já tem grande parte da carreira construída e celebrizada numa função completamente distinta.

Fonseca insistiu no erro e na teimosia, até que decidiu mudar fruto do coelho tirado da cartola de nome Carlos Eduardo, uma espécie de salvador da orquestra, preterido no início da época pelo tenrinho Quintero e até por jogadores como Herrera e Défour, cumprindo um exílio não voluntário na equipa B. O brasileiro, pese embora a velocidade e vivacidade demonstradas, nos jogos a doer desapareceu (Sporting para a Taça da Liga e Benfica para o Campeonato). Um completo fantasma, perdido em campo, ora descaindo para a direita, ora descaindo para a esquerda, mas completamente anulado quer por William Carvalho, quer por Matic/Enzo Pérez.

Assim sendo, a falha é de quem? De Lucho? De Carlos Eduardo? Ou será efectivamente do posicionamento evidenciado? De facto, parece-me que o 10 de Paulo Fonseca é mais um falso ponta-de-lança, uma espécie de segundo avançado, gravitando em torno do astro maior (Jackson) do que um 10 à moda antiga, organizador e distribuidor de jogo, à imagem de Deco por exemplo. Essa função de falso ponta-de-lança é das mais difíceis de executar no futebol moderno, visto que se joga entre linhas (entre centrais e trinco), numa zona habitualmente congestionada e povoada, onde o espaço para ter a bola é reduzido e o tempo para pensar a jogada é ínfimo. Poucos são os jogadores que se atrevem a desempenhar cabalmente essa posição. Assim de repente lembro-me de João Vieira Pinto (no Sporting, em redor de Jardel), de Kaká (no AC Milan, em redor de Shevchenko) e do Scholes dos primórdios (em torno de Andy Cole ou Dwight Yorke), ressalvando as devidas diferenças entre todos.

Quero com isto dizer, para concluir, que Paulo Fonseca cometeu o terrível erro de definir primeiro um sistema de jogo antes analisar as características dos jogadores que tinha à sua disposição. Querer jogar com duplo pivot quando se tem Fernando é um erro. Decidir jogar com um falso ponta-de-lança quando não se tem ninguém capaz de desempenhar essa função com eficácia configura um erro ainda maior. Como sempre se diz, os jogadores é que fazem o sistema e não o contrário. Se eu tenho dois avançados-centro de classe mundial, se calhar a tendência será jogar em 4x4x2. Pelo contrário, se tiver dois bons extremos e apenas um avançado de categoria, o 4x3x3 será à partida a escolha mais acertada. Fonseca baralhou tudo isso e, só em meados de Janeiro, parece ter descoberto o trio base do meio-campo (Fernando, Lucho e Carlos Eduardo), após diversas e infrutíferas experiências com Défour, Herrera e Josué, arruinando e destruindo rotinas que já vinham da temporada passada, gerando uma incapacidade na definição da lógica de rotação do plantel e na consolidação do onze base, essenciais a qualquer equipa.

A época já vai a meio, mas não consigo deixar de pensar que teria sido tudo mais fácil se Fonseca não tivesse decidido chamar a si a hercúlea tarefa de efectuar uma semi-revolução na máquina portista, habituada há vários anos a jogar num sistema que, apesar de rígido e pouco inovador, era sinónimo de resultados e de títulos. É que, às vezes, não complicar é meio caminho andado para o sucesso.

Rodrigo de Almada Martins

1 comentário:

  1. Subscrevo ponto por ponto, infelizmente já o tinha percebido ao fim de 2 ou 3 jogos. É evidente que era mais simples introduzir 2 novos jogadores a um sistema já rotinado do que inventar um sistema novo e colocar 11 a adaptarem-se. A minha opinião é que os erros individuais que se têm sucedido este ano são fruto dessa tentativa de adaptação dos jogadores e é isso que os faz perder a concentração no mais importante. Os automatismos dão tranquilidade a quem faz um passe e com estas mudanças os jogadores são obrigados a pensar onde estão os colegas e essas hesitações são fatais. Ainda vai a tempo de corrigir e já voltou atrás em algumas coisas mas é preciso agora restabelecer a confiança dos jogadores que ficou muito abalada com as (in)experiências do treinador.

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