18 maio, 2017

FALTOU UM BOCADINHO ASSIM – UM FC PORTO SUISSINHO.


[resenha sobre o FC Porto no campeonato 2016/2017]

O campeonato que fica para a história como a Liga Salazar, ou a Liga do Polvo, ou a Liga das Cartilhas – como quiserem – poderia ter sido o da interrupção do ciclo de vitórias encarnado. Não o foi devido à conjugação de factores externos poderosíssimos: arbitragens a empurrar o rival directo para a vitória; não amostragem de cartões ao Carnide, assumindo alguns jogadores a qualidade de inimputáveis; castigos pontuais e certeiros a jogadores influentes como Danilo e Brahimi; incapacidade de se assinalar um penalty a favor do FC Porto (não por coincidência, quando já não interessava, Artur Soares Dias marca 2 penalties a nosso favor). Mas também, assumamos, devido a factores internos (os chamados tiros no pé que nos últimos anos se vão acumulando): a não utilização de Brahimi no primeiro terço do campeonato; o afastamento de Miguel Layun; o “castigo” imposto a Herrera; a incapacidade em aproveitar as oportunidades para passar para a frente da tabela classificativa (Setúbal e Feirense como casos mais gritantes). Um FC Porto suissinho, a quem faltou um bocadinho assim. Assim se poderia resumir a temporada 2016/2017 para os azuis-e-brancos.


Tudo somado, o resultado não podia andar longe deste. Os números não costumam mentir: o clube rival acaba o campeonato com apenas 3 suspensões - para se ter uma leve noção, os clubes que mais se aproximam do benfique neste capítulo contam 7 suspensões, enquanto que o FC Porto conta o triplo das do benfique (9); Foi preciso esperarmos até ao final da temporada para vermos um árbitro atrever-se a marcar um penalty contra o Polvo; E já agora, a suprema ironia de verificar que a história dos chamados pequenos serem os mais prejudicados cair por terra quando analisamos a estatística acumulada dos campeonatos nacionais: o FC Porto lidera destacado a lista no capítulo dos cartões vermelhos (114), bem acima de um Braga ou de uma Académica, por exemplo; Outro número curioso é verificar também qual a equipa com mais auto-golos a favor: o Polvo, obviamente, com 115 auto-golos a favor (só esta época foram mais 4, contra apenas 1 do FC Porto).

Fica, apesar do acima dito, um sabor amargo na boca, o de um campeonato perdido de forma inglória. Porque mesmo assim era possível, era viável, estava ao alcance. O poder do Polvo é imenso, assustador e abrangente. Abarca várias áreas, desde as arbitragens, às classificações dos árbitros, passando pelo controlo e influência sobre grande parte dos clubes pequenos, através de empréstimos, prémios e assédio a jogadores adversários. Os tentáculos deste polvo das cartilhas chegam também a outros locais: à Liga (presidida desde logo pelo sócio do Polvo de há muitos anos chamado Pedro Proença), aos delegados ao jogo, Conselho de Justiça, Conselho de Arbitragem (com membros da categoria de um João pode ser Ferreira ou Lucílio Baptista) Conselho de Disciplina (cujo líder é José Manuel Meirim) e toda a estrutura da FPF (veja-se a não convocatória de Rui Pedro para os sub-20, por exemplo), etc. Um poder construído de forma consciente e sustentada, no seguimento do projecto/iniciativa criminal que foi o Apito Dourado. E no entando, quando se olha lá para dentro, vemos as fragilidades e a tremideira do benfique actual. Com um abanão mais forte, seria sem dúvida possível fazer desabar este edifício encarnado.

Degustando o suissinho, vemos que ao FC Porto não falta assim tanta coisa. Falta o tal bocadinho assim. Não foi pela defesa que as coisas correram mal. Os golos sofridos surgem mais pela clara opção de não atacar e recuar no terreno, pela incapacidade em reter e circular a bola (o tal descansar com bola, mantendo o controlo do jogo), do que pela ausência de qualidade dos homens lá de trás. Iker fez proavelmente a sua melhor época nos últimos 5 anos, com defesas fantásticas à altura dos seus inigualáveis pergaminhos. Os centrais jogaram praticamente a época toda e mesmo o criticado Boly, quando foi chamado, cumpriu com o seu papel de terceiro central. Felipe e Marcano cresceram muito juntos e pode-se dizer que estiveram à altura do historial de centrais portistas – e dizer isto não é dizer pouco.

Nas laterais parece ter faltado rotação. NES e a Direcção decidiram excluir Miguel Layun do lote dos utilizáveis, o que desencadeou um acréscimo de minutos nas pernas de Maxi e de Telles. O mexicano poderia, inclusivamente, ter sido aproveitado como médio interior ou como extremo, uma espécie de Défour 2.0. Não esquecendo que foi o homem com mais assistências no ano passado (15), a sua facilidade no cruzamento poderia ter sido capitalizada quando chegou Tiquinho Soares, mas as coisas são como são. Assumindo que o mexicano terá guia de marcha no final da temporada, Rafa e Ricardo Pereira (a menos que o FC Porto receba uma proposta irrecusável atendendo à grande época que fez no Nice) poderão fazer com Maxi e Telles (segundo jogador com mais assistências, 8, depois de Gelson) as melhores laterais do campeonato português.

Onde parece ter faltado algo foi ao meio-campo do FC Porto. A nível defensivo, Danilo impôs-se como o melhor trinco a jogar em Portugal e protagonizou o momento mais caricato da temporad futebolística mundial quando foi expulso por estar parado e um árbitro ter chocado, de costas, contra ele. Mas os 4 homens mais à frente desiludiram, por variadas razões, a saber:

Oliver não se assumiu como o patrão do meio-campo portista. A sua influência é ainda reduzida a pequenos espaços no terreno de jogo e acaba o campeonato com 3 golos e 3 assistências em 29 jogos, números manifestamente pobres (para se ter noção, Layun termina a temporada também com 3 assistências). Ainda não é nem um Moutinho (que tinha a capacidade de guardar a bola e definir os tempos do jogo) nem um Lucho Gonzalez (que defendia posicionalmente como poucos e era garantia de N golos e assistências todos os anos). Pode-se argumentar que o futebol de NES não o favorece, mas a sua função era também mudar esse futebol e torná-lo mais de pé para pé, unindo a equipa. Não atingiu os objectivos e esteve longe, muito longe, de justificar a sua contratação.

André André é o tipo de jogador que quando está numa fase de fulgor físico, dá um jeito do caraças, qual carraça ambulante que liga os sectores da equipa e ata as pontas soltas. Mas quando quebra fisicamente, o seu rendimento cai de forma assustadora. Falta-lhe golo, falta-lhe chegada à frente, falta-lhe imaginação no último terço, mas é um jogador útil para determinados jogos.
Herrera foi vítima daquela famoso lance nos minutos finais contra o benfique. Um lanc
e do qual não tem culpa nenhuma, a não ser o de ter abordado o momento com mais coração do que razão. Os portistas traçaram-lhe o destino e enviaram-no para o banco de suplentes. Um erro crasso das bancadas e de NES, que não soube avaliar a importância do mexicano: Herrera é muito mais jogador do que André André e merecia ter tido mais minutos.

E, por fim, Octávio. Dizia Oscar Wilde que “ninguém sobrevive ao facto de ter sido estimado acima do seu valor”. Os portistas depositaram esperanças de Deco em Octávio, que obviamente nunca iriam ser satisfeitas. Deco antes de ser Deco foi uma espécie de aprendiz de Zahovic e ainda fez desesperar muitos corações portistas nas Antas, de tanta finta mal parida e de tanto passe mal feito. Octávio manteve a veia da suprema arte de dar golos a marcar (5 este ano vs 8 no Vitória) e, com trabalho táctico e físico, tem tudo para ser idolatrado na cidade Invicta. Mas precisa de tempo, paciência e estabilidade, coisas que esperemos que o FC Porto tenha em 2017/18.

E finalmente chegamos à frente de ataque, que em Janeiro viu chegar Tiquinho para disfarçar vários problemas, fruto de uma capacidade de furar na zona interior (como fez ao Sporting) e de uma maior presença física na área. A chegada do brasileiro teve um enrome impacto na equipa, mas desde logo se notou um ofuscar de André Silva, que foi um fantasma de si mesmo até ao fim do ano. NES, como se diz na gíria, não fodeu nem saiu de cima: não o soube enquadrar no novo esquema, nem se decidiu a deixá-lo no banco. Esta não decisão levou a que André Silva passasse jogos e jogos imerso em complicações tácticas e psicológicas. Caiu num poço fundo e nunca mais voltou à superfície. Pensar no jogador que era André Silva naquela Final da Taça de Portugal frente ao Braga e comparar com este jogador é quase um exercício de saudosismo. Neste momento, nem André vai a caminho de se tornar um 9 de referência de área, nem mostrou perceber o que é um 4x4x2. Está a meio caminho de coisa nenhuma e, ainda assim, termina o campeonato como o jogador mais valioso do FC Porto, com influência directa em 201golos (16 golos + 5 assistências) – praticamente os mesmos números de Soares (19 + 1), embora este tenha feito metade da época em Guimarães.

Fica a ideia que este FC Porto, se tivesse recebido outro Tiquinho para a ala, um daqueles motociclistas que pudessem abrir e esticar o jogo para a frente permitindo que a equipa subisse em bloco com ele e ganhasse metros no terreno (Hernâni, por exemplo), poderia ter feito mais mossa. Brahimi (6 golos + 4 assistências) e Corona (3 + 5) são jogadores de fino recorte técnico, mas com mais floreados que músculos. Faltou alguém que assustasse do ponto de vista físico, um Hulk ou um Futre que deixassem a própria equipa respirar e que partissem os rins aos adversários, assumindo sozinhos as despesas do ataque. Jota, mesmo utilizado a espaços, termina com uma estatística apreciável (8+4), o que obriga o Porto pelo menos a equacionar em o assegurar por mais um ano.

Mas o pior de tudo foi mesmo a falta de evolução da equipa ao longo do ano, que termina o campeonato como começou: ausência de princípios de jogo, incapacidade de descansar com bola, aposta contínua no pontapé para a frente a partir das laterais, incapacidade de penetração na zona central, ausência de ideias e de imaginação na construção atacante, incapacidade em preencher a área adversária com jogadores capazes de fazer golos, o recuo após o golo marcado, os mesmos erros cometidos vezes sem conta e sem vestígios de correcção.

O FC Porto empatou 10 vezes este campeonato, quase 1/3 dos jogos disputados (e neste capítulo é apenas superado por 3 equipas). Embora tenha apenas 1 derrota (muito raro uma equipa com uma derrota não se sagrar campeã), a verdade é que a comparação com a primeira época de Lopetegui não é favorável, embora ande lá perto. Se o FC Porto ganhar os 2 jogos em falta terminará com 79 pontos, frente aos 82 de Lopetegui.

E com isto chegamos a NES. Desde logo, ninguém esperava, muito sinceramente, que fizesse melhor do que fez. Seria um milagre e esses só em Fátima. Acontece que o FC Porto precisa de melhor do que NES. Ninguém pensaria que o homem do famoso SOMOS PORTO seria tão frouxo e tão pacífico nas conferências de imprensa. Ainda se pensou, ao intervalo do jogo do Bessa, que o verdadeiro NES estivesse para aparecer, mas foi sol de pouca dura. As poucas críticas que levantou contra as arbitragens de que a sua equipa foi alvo, para além dos insólitos castigos a Brahimi (por proferir palavras em francês) e a Danilo, foram tímidas e envergonhadas. Nunca ousou fazer voz grossa e a prova cabal disso mesmo são os constantes elogios da imprensa lisboeta e dos rivais a NES, por oposição ao ódio que publicamente nutriam por Lopetegui. Os parabéns de NES ao rival no final do jogo frente ao Paços de Ferreira são a gota de água de um percurso de alguém que nunca percebeu o que é preciso para se ser treinador do FC Porto. É o homem do SOMOS PORTO, mas falta-lhe cultura Futebol Clube do Porto.

Sensivelmente a meio da temporada, quando o discurso oficial do FC Porto endureceu, através de Francisco J. Marques e Bernardino Barros no Porto Canal, notou-se que NES já não casava com esta estrutura. Não fazia sentido ter Luís Gonçalves a rosnar e a mostrar os dentes a jornalistas após o 1x1 em casa do rival e olhar para o diplomático e respeitador treinador do FC Porto. Já eram dois mundos com um oceano a separá-los. Não por acaso, nas conversas de café entre portistas, foi-se celebrizando a expressão padreco para o treinador portista, de tão pacífico e conciliador que foi ao longo da temporada. É provável que o seu verdadeiro patrão, Jorge Mendes, lhe encontre um bom campeonato para que prossiga a sua carreira. Mas a sua imagem está traçada: representa mais os interesses do seu empresário do que o clube que lhe paga o salário. Pode servir para muitos sítios, mas não serve para o FC Porto nem para o clube que precisamos para os próximos anos: um clube de guerrilha, que levante de novo as bandeiras do Norte e da luta contra o poder central lisboeta e que aponte a destruir o edifício encarnado. Um rumo mais próximo dos ensinamentos de Pedroto e dos anos 90, quando foi necessário defender o FC Porto contra os ataques da capital do império.

Só por isso – e isso é mais que bastante – NES não pode ficar no FC Porto. É verdade que terá a sua quota-parte na união do plantel, nas pazes feitas entre plantel e bancada, numa certa raça colocada durante quase todos os jogos. Sim, isso tudo não pode ser apesar de NES, mas também devido a NES. Mas manifestamente não chega. É verdade que superou as expectativas, pois ninguém imaginava que o FC Porto fosse capaz de discutir este título 2016/2017 quase até à última jornada, diante do Polvo e do sporting de Jorge Jesus. Mas os 5 empates registados nas últimas 7 decisivas partidas, onde tudo se decidia, acabaram por deixar o tal sentimento de suissinho: era possível, era viável, estava ao nosso alcance, mas faltou o bocadinho assim.

Para terminar, não deixa de ser concidência que, no dia em que o Polvo se preparava para festejar o seu treta-campeonato, Portugal se visse entre tolerâncias de ponte, Fátima e de olhos postos no Festival da Canção. Embora com outras vestes e roupagens, voltamos ao velho Portugal dos três F’s da Outra Senhora: Fado, Futebol e Fátima. Em jeito de brincadeira, na música de consagração, Salvador Sobral resumiu o que foi o campeonato 2016/2017: “Isto estava tudo comprado”.

Estava mesmo.

Rodrigo de Almada Martins

2 comentários:

  1. NES nunca percebeu o que é o ADN do Porto, talvez porque enquanto jogador nunca se assumiu como um titilar indiscutivel e senso guarda-redes esteve sempre longe do centro das decisões, o miolo do terreno, a casa das máquinas onde os duelos se decidem.
    Pedro Lopes Cardoso

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  2. Acho extraordinária essa avaliação dos medios!

    As estatísticas do Óliver são prejudicadas pela utilização idiota do mesmo por NES. TODO o jogo lhe passou pelos pés em 90% da temporada, e predominantemente reduzido à função defensiva e de lançador de jogo. Difícil fazer assistências quando é o 8 mais recuado!

    Um belo exemplo disso é o golo contra o Boavista: a assistência é de Corona, mas a jogada é toda do Óliver!

    82% de recuperações de bola e 48(!) ocasiões de golo falam por si. Além disso, foi diversas vezes o melhor em campo, por muitos sites e blogs.

    Quanto a Otávio, mais um lesado do NES. Tal como Oliver, fora da sua posição natural, tal cono Soares, obrigado a fazer a meia maratona antes de chegar à área, se contarmos as jogadas que redundam em penalti ou puro estouro... Dava, sim, um belo projecto de Deco.

    Sim, porque nem o Deco era o Deco quando chegou!

    Abraço

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