06 setembro, 2007

"Pavão"

Com as imagens ainda bem vivas nas nossas mentes, o recente falecimento de António Puerta, jovem jogador do Sevilha, trouxe às memórias acontecimentos mediáticos, envolvendo jogadores de futebol, caídos em pleno relvado, quais guerreiros finalmente repousando nos campos de batalha. Nomes como Feher ou Foé são alguns dos que tombaram, perante a incredulidade geral, fazendo por momentos esquecer rivalidades, mostrando quão frágil é a condição humana.

O Porto também já sofreu as agruras de uma perda, em condições similares. Quase como se o destino troçasse de nós, pobres mortais, Fernando Pascoal das Neves, mais conhecido no mundo do futebol por Pavão, caíu fulminado, durante um jogo de futebol. Ao minuto 13. À 13ª jornada. Nesse dia, num cinzento e invernoso 16 de Dezembro de 1973, o Estádio das Antas viveu o seu momento mais dramático. Jogando em casa, tendo como opositor o Setúbal, Pavão (assim chamado por fintar os adversários de braços abertos), fez um passe para Oliveira, sucumbindo de imediato, como se fulminado por ordem divina. Apenas José Santana, médico do clube, se apercebeu da gravidade da situação. Levado para o Hospital S.João, Pavão não mais recuperou a consciência. Nas Antas, os altifalantes procuravam sossegar os espíritos inquietos, mas a verdade, caída que nem uma bomba, chegou com o apito final. Em vez dos habituais festejos após uma vitória, foram as lágrimas que marcaram aquele final de dia, enlutando o recinto para sempre...

Se existe algo difícil de contar é a dor. A agonia prolongada dos adeptos, aguardando ansiosamente notícias do seu ídolo. A cidade, quando soube a má nova, uniu-se, como se considerasse um espúlio do destino o roubo de um dos seus rapazes. Uma imensa manifestação de pesar entupiu a invicta, na despedida de um ídolo que tinha encantado, de azul e branco vestido...

Pensam que o assunto se encerrou assim, tão diplomaticamente? Não meus caros, mesmo na morte o Porto é alvo de suspeições soezes, revelando o espírito mesquinho dos nossos inimigos. Logo correram rumores de que o treinador do Porto, Béla Guttmann, administrava, por moto próprio, um comprimido aos seus pupilos, alegando ser vitaminas. Apesar do relatório da autópsia fazer apenas referência à rotura de um vaso sanguíneo, a suspeição e o boato infundado encontraram território para passearem, a seu bel prazer, maculando a honra de um atleta resgatado do opóbrio do banco por Pedroto. O rapaz que se fez homem nas Antas, maravilhando todos na sua técnica apurada, jogou a titular, pela primeira vez, com 18 anos, defrontando o Benfica. Pedroto fez dele a estrela da companhia, tornando-o inclusivé o capitão do nobre clube da Invicta. Paz à sua alma!

ps1 - Como sempre, os boatos inquinados, as suspeições sem rosto, têm sempre o reverso da medalha. Repito o que disse acima. O treinador do Porto era...Béla Guttman. A inclusão do nome dele nesta história não foi inocente, da minha parte. Pretendi dar um rosto a alguém que, de outra forma, passaria despercebido. É que este treinador acusado de "adicionar" umas mezinhas caseiras à medicação dos seus atletas era o treinador dos encarnados, na dupla final da Taça dos Campeões. Engraçado, não é? Perguntam vocês, se tiverem a pachorra de me ler até aqui, "será que o gajo já tinha esse hábito no SLB?". Pois, boa pergunta. Se isto fosse uma história policial, com o Sherlock Holmes a investigar isto, lá viria o "elementar, meu caro Watson!"...

ps2 - Reparem bem que, se fosse verdade, a vitória das águias ficaria gravemente maculada. Doping? Será que os hábitos que hoje se conhecem no clube da luz estariam já enraizados no passado? Atentem só numa deliciosa história que se contava na altura...

"Em vésperas de um Benfica-Manchester, Belá Guttmann decidiu levar os jogadores ao cinema, para descontraírem. A caminho da sala surgiu, totalmente descontrolada, a mulher do guarda-redes, Costa Pereira de seu nome, acusando o treinador de estar a destruir o marido com os comprimidos que o obrigava a tomar, tornando-lhe as noites em tormentos de insónia, repletas de pesadelos estranhos e enormes euforias".

Passaram três décadas, é certo, mas quase nada mudou nos bastidores do futebol português! Saia mais um comprimidinho para o senhor de camisola cor-de-rosa, ali ao fundo. Opsss, é melhor não...é o Nuno Assis, que agora é um TA (toxicodependente anónimo).

Saudações,
Paulo Pereira

9 comentários:

  1. Muito bom Paulo, de resto como é teu apanágio. Já conhecia a história do Pavão, aliás como qualquer portista que se preze, acho eu, no entanto desconhecia os rumores e boatos que se criaram após a sua morte. Não é de admirar.

    Numa toada semelhante, deixaram um comentário no meu blog que decidi publicar devido ao seu teor. Bastante elucidativo da discriminação Porto/Lisboa... e olha que eu sou Alfacinha de gema. :)

    Abraço

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  2. Excelente post do Paulo e a fazer-me reviver esse triste momento pois estava presente nesse jogo e lembro-me bem do drama que foi, Pavão ( Fernando Pascoal das Neves )assistido imediatamente pelo Dr. Santana, os jogadores com as mãos na cabeça, ao intervalo a indicação de que se tratava de uma indisposição, perto do final do jogo em que ganhamos por 3-0 já se sabia do drama,no fim silêncio e consternação, os jogadores de ambos os clubes abraçados e a chorar, lembro-me bem do Octávio, inconsolável, nessa altura ainda era do Setúbal. Foi horrível.
    Quanto à suspeição, claro que veio logo ao de cima, o resultado médico indicou que era um problema congénito cardíaco, uma " estenose aórtica ".
    Pavão, tal como outros jogadores do Porto, era um jogador fantástico, raramente chamado à selecção, desvalorizado por ser do Porto, que se revoltou um dia, recusando-se a entrar num jogo da selecção no ... ultimo minuto!!!numa equipa em que jogava toda a comandita sulista com ou sem valor.
    Durante anos, quando existia sala museu, o seu equipamento estava exposto, a perpetuar a memória de um grande jogador. Onde andará esse testemunho agora, que não temos sala museu?
    Termino, agradecendo ao Pavão, que continue a descansar em paz.

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  3. É como eu digo.Quando são encontrados atletas do benfas com drogas,os gajos alegam que foi engano do laboratório.Quando é dos outros,aí já são uns drogados.
    Sim,eu sou desse tempo,em que se alegava que Bela Gutman dava um "xarope" qualquer aos seus atletas.Será o mesmo que o Nuno Assis toma,ou agora é outro "xarope" mais sofisticado,que até fáz crecer o cabelo?hahahahah

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  4. Ah, ficou apenas um pormenorzinho por contar. É que, em resultado da morte, logo a Direcção do Porto estendeu o braço de solidariedade à família do atleta - mãe e filha pequena - mas essa não nunca passou do processo de boas intenções. A família foi sobrevivendo como pode, até que Pinto da Costa, na chegada à Presidência portista, resolveu mandar pagar os estudos da filha do malogrado atleta. Uma história quase desconhecida, mas que é elucidativa da estirpe moral do nosso Presidente. Fosse isto efectuado por outro kk palhaço k se senta na direcção de kk clube nosso rival, e logo a comunicação social teceria loas e hossanas á generosidade do acto. Mas como foi Pinto da Costa...

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  5. Obrigado pAulo por estes pormenores sobre uma história real, trágica que enlutou o nosso clube e que aconteceu antes de 1974, ano em q nasci. Já muito li sobre Pavão mas ler com a escrita do Paulo tem outro sabor. Abraço.

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  6. Muito me contas Paulo Pereira esta história que já conhecia mostra muito bem as difereças de tratamento entre o F. C. Porto e os de marrocos.... uns têm fama que são Deuses e nem Santos são e tiram proveito da famos que outro têm de ser corruptos.
    Obrigado Pavão por tudo o que deste ao F. C. Porto.

    Saudações Azuis.

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  7. Boas

    De facto, este é mais um texto muito interessante deste fantástico colaborador que é o Paulo Pereira!
    Caro Paulo,estás coberto de razão em tudo aquilo que escreves e TAMBÉM no comentário posterior que fazes...no comentário em que referes a ajuda que Pinto da Costa deu à família do malogrado jogador!

    Abraço

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  8. Boas Paulo,
    Como sempre, um texto com muita e muita 'paixão'.
    Já tinha lido muito da história do nosso Pavão, a forma como tudo aconteceu e ao mesmo tempo, o que já na altura se tentou insinuar (tal como nos tempos que actualmente correm, por isso, continuo tudo como dantes).
    Admito que nunca tinha ouvido falar nessa história do pagamento dos estudos da filha do Pavão, tudo obra e graça do nosso Enorme PdC, o que diga-se de passagem, já é uma marca da sua humanidade, enquanto homem.
    Termino, parafraseando algumas da palavras do Jorge Aragão: "... que continue a descansar em paz.
    aKeLe aBrAçO,
    bLuE bOy

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  9. Assisti a esse jogo, quase vi o Pavão cair à minha frente. Lembro-me da especulação, gratuita, quase quiseram forçar a esposa dele de atacar o Porto. E é verdade que o clube veio a pagar os estudos da filha.
    Só no FC Porto!

    p.s. - boa Paulo, mas essa do Gutmann faz lembrar ainda há um mês o António Medeiros confessar que, no Leixões vencedor da Taça de 1961 frente ao Porto, tomavam-se comprimidos e bem fortes.
    Mas tudo parece uma piada daqueles tempos. Na entrevista nem deu título nem destaque em A Bola.

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