‘Nortada' do Miguel Sousa Tavares
Este FC Porto, de Abril de 2008, joga incomparavelmente melhor do que qualquer uma daquelas quatro equipas das meias-finais da Champions, supostamente as quatro melhores da época no futebol europeu e mundial.
1. Eu avisei aqui, na semana passada: se alguém esperava que o FC Porto fosse facilitar a Guimarães, podia tirar o cavalinho da chuva —
aquela equipa e aquele clube são demasiado profissionais e têm demasiado brio para se prestarem a fretes desses. E o sr. Fernando Chalana, que tanto admirei como futebolista, se fez eco dessa insinuação que por aí andou no ar a semana toda, vindo dizer que esperava que houvesse flair play nos restantes jogos que ao Benfica interessavam, podia agora fazer eco das suas próprias palavras e louvar publicamente a atitude do FC Porto em Guimarães, contribuindo decisivamente para a verdade no campeonato que se disputa do 2º ao 16º lugar. Só lhe ficava bem, ele que se recusou a reconhecer o mérito do título portista.
Em Guimarães, o FC Porto deu mais uma exemplar lição daquilo que é o futebol que vale a pena ver —
«sério», como gosta de dizer Jesualdo Ferreira. Com 0-0 ainda, eu comentei com um camarada portista que comigo via o jogo que, ou o Vitória resolvia correr riscos, atirar-se para cima do FC Porto e estar à altura do seu encontro com a história e com a Champions, ou arriscava-se a sofrer um golo e, a seguir, a ser destroçado. Porque, quando se apanha a ganhar e quando os adversários são obrigados a abrir espaços, o FC Porto transforma-se num perigo público. Mesmo sem Lucho em campo, a velocidade e o aproveitamento de espaços na viragem para o contra-golpe deixam qualquer defesa à beira de um ataque de pânico. Isso, mais uma outra coisa, que, para mim, representa a grande diferença para melhor deste FC Porto em relação ao da época passada: uma condição física notável. Em 2006/07, vimos o FC Porto fazer grandes primeiras partes e rebentar, literalmente, nas segundas partes. E foi assim a época inteira, acabando por ser campeão no limite, desperdiçando aos poucos o folgadíssimo avanço que tinha conquistado em Dezembro. Este ano, tudo mudou nesse aspecto e o primeiro rosto da mudança foi Lucho González, que passou de uma época em que chegou várias vezes a arrastar-se em campo, para outra em que se tornou um jogador luminoso, parecendo fazer tudo sem esforço, como um regente de orquestra dirigindo de cor os seus músicos. Contra o Schalke, jogando mais de uma hora com dez, o FC Porto não deu descanso aos alemães, mais parecia que eram eles que estavam com um a menos; contra o Benfica, a ganhar por 1-0 ao intervalo e a jogar apenas pelo prestígio, encostou-o atrás toda a segunda parte, como se fosse o Benfica que não tinha nada a ganhar com o jogo; contra o Vitória, manteve-se a primeira parte a ver em que paravam as modas e, após o intervalo, como viu que os de Guimarães não se afoitavam, acabou por soltar os dragões e foi o que se viu. Pena que não haja mais nada para ganhar senão a final da Taça! Pena que a época esteja prestes a chegar ao fim com um futebol destes tão fresco ainda na retina!
Esta semana vi três jogos anunciados como do mais alto nível europeu. Vi as meias-finais da Champions entre o Liverpool e o Chelsea e o Barcelona-Manchester United e, no fim-de-semana, o jogo do título em Inglaterra, entre Chelsea e Manchester United. Concedo: são equipes saturadas já de jogos, desgastadas da constante pressão de dois campeonatos justamente tidos como os mais competitivos do planeta. Mas também são quatro equipas carregadas de vedetas, capazes de deixar no banco jogadores como Shevchenko, Thierry Henry, Ronaldinho, Kuyt, Joe Cole e até Cristiano Ronaldo. Quatro equipas do tipo daquelas que ganham porque são melhores ou ganham porque os adversários só de olhar para eles se borram de medo. E o que vi?
Vi três jogos chatérrimos
(em especial, o intragável Barcelona- Manchester), com treinadores sempre à defesa, a jogar para o 0-0 ou para o 1-0, uma equipa carregada de foras-de-série, como o Barcelona, incapaz de congeminar uma simples jogada de ruptura no ataque, um futebol inglês dos velhos e patéticos tempos com a bola batida do guarda-redes directamente para o desamparado ponta-de-lança, jogadores de categoria mundial sem capacidade de passe e até parecendo tecnicamente incipientes
(ó Deco, por onde andas tu?), enfim, um futebol lento, sem risco, sem alma, chato até ao bocejo. Este FC Porto, de Abril de 2008, joga incomparavelmente melhor do que qualquer uma daquelas quatro equipas das meias-finais da Champions, supostamente as quatro melhores da época no futebol europeu e mundial.
Que pena que aquele rapaz Neuer —
que, no Arena e no Dragão, defendeu a baliza do Schalke como nunca antes fizera, nunca voltou a fazer e jamais voltará — tenha impedido esta grande equipa do FC Porto de seguir em frente, até ao lugar que merecia na Europa. Porque, não tenho uma dúvida de que, em condições normais, teria tombado a seguir o Barcelona
(além do mais, então desfalcado de Henry, Deco e Messi), e hoje estaríamos a medir forças com o arrogante sir Alex Ferguson, e não sei, não sei…
2 - O fair play que Chalana reclamou para a parte final do campeonato não passa só por esperar seriedade competitiva de terceiros cujos jogos possam influir em disputas alheias ou exigir arbitragens isentas de erros voluntários
(porque, involuntários haverá sempre, enquanto o olho humano não for uma máquina infalível). Passa também, por exemplo e por razões óbvias, por não aliciar ou contratar jogadores na véspera de jogarem contra nós. Aliás, suponho que existirão regulamentos que expressamente o proíbem e, se não existem, deviam existir. Acham natural que, na semana em que vai defrontar o Boavista, se fique a saber que o Benfica —
que passa a santa vida a dizer que conduz uma cruzada pela virtude desportiva — vai contratar o Jorge Ribeiro? E que, na semana em que vai defrontar o Belenenses, se fique a saber que contratou o Ruben Amorim? E que se fique a saber que, no auge da luta com o Guimarães por um lugar na Champions, está interessado em contratar o Geromel? Disseram fair quê?
3 - Analisando a arbitragem de Lucílio Baptista em Alvalade, o anedótico penalty que deu o empate ao Sporting e a leitura da imprensa, também não se pode achar natural que a CA nomeie Lucílio Baptista para um jogo do Sporting nesta fase aguda
(e, já agora, também para a final da Taça, como imagino que se esteja a congeminar). Ou que nomeie Bruno Paixão para o FC Porto-Benfica. Ou Lucílio para o Boavista-Benfica. São coincidências a mais ou uma falta de cuidado absoluta. E agora, que o suspeito habitual está longe, longíssimo
(a 23 pontos…) destas guerras subterrâneas, teria graça desenterrar um
«apito prateado» para entender o que se passa. Vítor Pereira deve uma explicação.
4 - Continuando no domínio das coisas que não são naturais: perguntava-me há dias um amigo benfiquista se eu achava natural que Pinto da Costa fosse sócio numa imobiliária de Jorge Mendes —
o agente que coloca quase todos os jogadores no FC Porto e que vende depois os melhores. Não, não acho natural. E, menos ainda, numa imobiliária.