‘Nortada' do Miguel Sousa Tavares
Tenho muitas esperanças para logo à noite. Vejo que Jesualdo Ferreira soube planear as coisas como deve de ser e trouxe a equipa até aqui, até este momento decisivo, no apogeu da sua força física e anímica.
1 - Custa a crer que já passaram quase quatros anos desde que tomei o meu lugar na bancada do Arena auf Schalke, onde logo à noite o FC Porto regressa para tentar manter vivo o sonho da reedição dessa inesquecível jornada europeia que pela segunda vez tornou o clube da Invicta o campeão da Europa. Lembro-me como se fosse hoje. Dias antes tínhamos perdido no Jamor a final da Taça para o Benfica de Camacho
(o único título que o espanhol conquistou em toda a sua carreira de treinador), evitando que o FC Porto pudesse fazer nessa época o pleno absoluto: Campeonato, Taça, Supertaça, Liga dos Campeões. Mas foi um jogo muito mal perdido, com uma arbitragem à maneira de Lucílio Baptista, que levaria Mourinho a exclamar, no final, que não sabia se aquele árbitro o perseguia a ele ou ao FC Porto. Era ao FC Porto, conforme o seu historial há muito documentara: a sua dualidade de critérios disciplinares nessa final conseguiu pôr o Porto a jogar durante mais de uma hora com um a menos. Mas nem isso travou os dragões: com um Deco inspiradissimo, o FC Porto encostou os onze do Benfica lá atrás e massacrou-os o jogo inteiro, acabando por perder num erro do suplente de Baía. Foi um desfecho injustíssimo e uma derrota que custou muito aceitar e digerir.
Como todos os adeptos, temi que essa derrota tão injusta pudesse afectar a equipa para a final com o Mónaco. Mas, felizmente, os temores não se confirmaram: esse génio indisciplinado que era o Carlos Alberto tratou de pôr o Porto em vantagem antes ainda do intervalo e, na segunda parte, o Alenitchev e o Deco deram cabo do Mónaco, só não chegando nós aos 4-0 porque o árbitro fez vista grossísima a uma grande penalidade flagrante sobre o Deco. Que grande equipa, de que já não resta ninguém!
Lembro-me também de pensar, durante o jogo, que o dono daquele magnífico estádio, o Schalke 04, bem que gostaria de estar ali em campo, a disputar a final da mais prestigiada competição de clubes em todo o planeta, em lugar de figurar apenas como anfitreão da final. E, com a vitória consumada, na euforia da saída do estádio, lembro-me de pensar que talvez nunca mais, em tempo da minha vida, eu pudesse ver um clube português campeão da Europa. Porque a Champions não é a antiga Taça dos Campeões Europeus, que FC Porto e Benfica também conquistaram. Aqui não há sorteios totalmente aliatórios nem apenas uma equipa campeã por país, permitindo chegar longe na competição afastando, por exemplo, os campeões de Chipre ou da Dinamarca, como sucedia na Taça dos Campeões. Pois, logo à noite, o Schalke tem hipótese de mostrar à Europa que não tem apenas um belo estádio, mas também a pretensão de integrar o restrito clube dos melhores do continente; e o FC Porto tem hipótese de mostrar que a reedição do sonho pode, afinal, não ser assim tão impossível, um dia ou um ano destes.
E, se querem que vos diga, com toda a franqueza, tenho muitas esperanças para logo à noite. Vejo que Jesualdo Ferreira soube planear as coisas como deve de ser e trouxe a equipa até aqui, até este momento decisivo, no apogeu da sua força física e anímica. O FC Porto está mais do que preparado para a importância deste jogo e desta fase determinante da temporada, com o título nacional já brilhantemente enrolado no bolso e as meias-finais da Taça apenas a um pequeno passo
(e aqui, sem grande esforço, diga-se de passagem). Sente-se que, mesmo que a noite possa correr muito mal, que a sorte vire as costas, a equipa não sucumbirá à fraqueza ou ao medo. Aqui entre nós, e lamento dizê-lo mas a crítica é isto mesmo, só temo uma coisa: a tremideira do Helton na baliza. Se isso não acontecer, e oxalá que não, não é o Schalke que vai reduzir o FC Porto a uma equipa banal, em termos europeus. Mas, atenção: também é preciso que Jesualdo não resolva inventar, movido pelo medo. Que deixe a equipa jogar no seu 4x3x3 habitual e que não os impeça de atacar como deve de ser a baliza do Schalke.
2 - Não deve ser fácil, em termos pessoais e profissionais, ter sido treinador da Selecção do Brasil e, anos depois, ser treinador de uma equipa do meio da tabela do campeonato português, como o Marítimo. É preciso, pois, entender a frustração de Sebastião Lazaroni, após a demolidora derrota por 0-3, em casa, contra o FC Porto. Compreende-se a frustração, mas ela não justifica tamanha
«falsificação» factual relativamente à arbitragem do jogo e, pior ainda, a tão gasta tentativa de justificar com a arbitragem uma derrota que traduziu apenas a imensa superioridade, colectiva e individual, de que o FC Porto deu mostras em todo o jogo, com excepção de 15 minutos na primeira parte. De facto, Pedro Henriques confirmou, uma vez mais, que é um sério candidato à sucessão de Lucílio Baptista
(como este foi à de Carlos Valente) na ilustre linhagem de árbitros que acham que o caminho da isenção e do prestígio consiste em arbitrar sempre contra o FC Porto. Já no ano passado, Pedro Henriques foi decisivo na vitória do Sporting no Dragão; este ano voltou a ser decisivo na derrota do FC Porto contra o Nacional; e, desta vez, contra o Marítimo, só não foi decisivo porque o FC Porto não lhe deu hipóteses de o ser. Na primeira parte, perdoou um penalty ao Marítimo e perdoou por duas vezes um cartão amarelo a Djalma, que teria feito com que ele fosse para o balneário mais depressa do que acabou por ir. Perdoou também várias faltas evidentes ao Marítimo, ao invés do que fazia de cada vez que um jogador madeirense caía ao chão. A estatística de
«A BOLA» diz tudo: o FC Porto teve 7 remates perigosos contra 1 do Marítimo, mas, curiosamente, tendo tido mais de uma hora de ataque constante, foram os jogadores do FC Porto quem, no entender do árbitro, cometeram o grosso das faltas: 23 contra 10, mais do dobro!
De facto, Sebastão Lazaroni e Pedro Henriques deveriam ser condenados pela Liga a verem várias gravações vídeo do jogo até perceberem que eles não são os únicos a assistir aos jogos e todos os outros não são parvos.
3 - Com o regresso do Binya da CAN, o Benfica recuperou aquela que parece ser a mais perigosa, estudada e esperançosa
«jogada de ataque» congeminada por Camacho: os lançamentos laterais de Binya para dentro da área adversária. Quem não tem carabina, caça com fisga, quem não consegue atacar com os pés ataca com as mãos…
E agora, que está à vista de todos a forma como Camacho conseguiu desbaratar —
e com muito mais meios! — tudo o que de bom Fernando Santos trouxera ao futebol do Benfica, nem admira que um jogador cujo grande talento é lançar a bola à mão ao melhor estilo do futebol americano se torne imprescindível para disfarçar a ausência de tudo o resto. No futebol actual do Benfica salva-se apenas o Rui Costa e nada mais.
Por dever deste ofício, sou obrigado a seguir os jogos do Benfica pela televisão. Com raras excepções, o resultado é invariavelmente o mesmo: adormeço ao fim de dez, quinze minutos. E, quando acordo, no dia seguinte, estão eles à espera de ganhar o campeonato… no tribunal de Gondomar!
4 - O Sporting fez um grande jogo contra o Basileia, que em momentos chegou mesmo a empolgar-me e a dar por mim a torcer pelo Sporting como se fosse o FC Porto
(acreditem que não é fácil…). Depois, teve um jogo mesmo à medida dos seus desejos e necessidades contra o Estrela da Amadora, provando que a equipa não tem estaleca para dois jogos bons de seguida. Uma nota: porquê que Paulo Bento insiste em pôr o Polga a cobrar penalties, sem ao menos lhe explicar que um penalty deve ser batido pelo chão e não pelo ar e preferentemente em jeito, enganando o guarda-redes, e não em força?
5 - Sou um tradicionalista: gosto de ver na primeira Liga os clubes que povoam as minhas memórias de infância. Depois de anos a desesperar por ver o Leixões subir cá acima, agora torço para que ele, e a Académica, não desçam. E, na segunda Liga, torci este fim-de-semana para que o Olhanense conseguisse vencer nos Açores. Conseguiu: agora é preciso vencer para a semana em Aveiro e o milagre do regresso do Olhanense à primeira Liga pode começar a desenhar-se no horizonte.