FCPorto – Dragões de Azul Forte
Retalhos da história, conquistas e vitórias memoráveis, figuras e glórias do
F. C. do Porto
Capítulo 4: 1931 a 1940 – À conquista do futuro; Bicampeão! (Parte XVIII)
A Taça que ainda faltava
Só faltava, para que a festa fosse total, a vitória na Taça de Portugal, afinal o único título nacional de futebol que o FC Porto ainda não detinha. Depois de copiosas derrotas impostas ao Leixões e ao Boavits, todavia a infelicidade adiou as esperanças dos portistas que se quedaram pelas meias-finais na 2.ª edição da prova, eliminados pelo Belenenses, após terceiro jogo. Empate na Constituição (1-1), empate nas Salésias (4-4), derrota em Coimbra, no Arnado (0-2).
Kordnya – Slavkoo Kordnya ou Slavko Kordnja (n. Zagreb, Croácia, ex-Jugoslávia, 1911 – m. 1971) jogou no Concordia Zagreb, antes de emigrar para a Suiça onde representou o Young Boys, de Berna, em 1936-37. Depois, em França, jogou no Saint-Etienne (1937-38) e no FC Antibes (1938-39).
• O temível avançado da ex-Jugoslávia chegou a Portugal e ao FC Porto, na época 1939-40, juntamente com o seu compatriota Franjo Petrak, e foi fundamental na conquista do bicampeonato sob o comando de Mihaly Siska.
• Kordnya teve estreia auspiciosa em jogo da 1.ª jornada do Nacional da I Divisão (14 Jan.1940) com o Vitória de Setúbal, na Constituição. O FC Porto esmagou os sadinos por 11-0! O jugoslavo abriu o activo, logo aos dois minutos, com um pontapé de mais de 20 metros.
• A dupla croata marcou 44 (!) dos golos do FC Porto na prova. Apesar de nessa altura Pinga continuar a chamar a si as atenções do público que assistia aos jogos, Kordnya e Petrak foram decisivos para a vitória no campeonato. Aliás, Kordnya partilhou o primeiro lugar da lista dos melhores marcadores com o sportinguista Peyroteo (29 golos para ambos). Fez 42 jogos e marcou 51 golos (!) ao serviço do FC Porto, em apenas duas épocas. Notável!
• No final da época 1940-41 deixou a "Invicta Cidade" e regressou às origens: à Croácia e ao Concordia onde alinhou até 1945 quando deu por finda a carreira de futebolista.
• Foi internacional jugoslavo 4 vezes, marcando 4 golos.
Carreira no FC Porto
1939-40 e 1940-41
Palmarés no FC Porto
1 Campeonato Nacional (1939-40)
1 Campeonato do Porto
Petrak – Franjo Petrak (n. Croácia, ex-Jugoslávia, 19 Nov.1911 – m.??), alinhou no HASK Zagreb, jogou na Itália, na Suíça e em França no FC Sete (1936-37), AS Cannes (1937-38) e Excelsior Athlétic Club de Roubaix (1938-39).
• Com o eclodir da guerra, o avançado jugoslavo veio para Portugal, contratado pelo Presidente Ângelo César do FC Porto e foi apresentado num jogo particular com o Sporting, evidenciando logo qualidades de grande futebolista.
• Na época 1939-40 marcou, à sua conta, 15 dos 76 golos da equipa portista comandada pelo treinador e ex-guarda-redes Miguel Siska. Com o compatriota Kordnya (29 golos) contribuiu decisivamente para a conquista do primeiro Bicampeonato do FC Porto.
• Fez 33 jogos e marcou 28 golos ao serviço do FC Porto. Em etapa algo conturbada do clube, deixou-o no fim da época 1940-41. Assinou, então, pelo Estoril (II Divisão) onde permaneceu até 1944.
• Foi internacional pela Jugoslávia em 6 vezes.
• Consta que casou com uma portuguesa abastada e ficou a viver na região de Cascais depois de terminar a carreira de futebolista.
Carreira no FC Porto
1939-40 e 1940-41
Palmarés no FC Porto
1 Campeonato Nacional (1939-40)
1 Campeonato do Porto
Andrasik – Béla Andrasik (n. Hungria, 1914 – m.??), dono da baliza portista no início dos anos 40, foi um excelente, um portentoso guarda-redes que veio de leste. De grande envergadura física, tinha tanto de agilidade como de sobriedade. Deu contributo decisivo para a conquista do título na época 1939-40.
• Contratado há já algum tempo, em Fev.1940 finalmente chegou ao Porto. Tinha 26 anos. De nacionalidade húngara, jogava na Checoslováquia, no SK Zidenice (actual FC Zbrojovka Brno) onde alinhou entre 1936 e 1939.
• Já na Cidade Invicta, esteve um mês sem poder alinhar pela sua nova equipa devido a questões burocráticas e entraves colocados pela FPF – Federação Portuguesa de Futebol. Os "poderes" da capital…!!! Só depois do jogo com o Benfica no reduto portista, no fim da primeira volta do Campeonato, Andrasik viu autorizada a sua utilização.
• Em 1943 (corria a época 1942-43) deu-se o súbito e misterioso desaparecimento do guarda-redes. Porém, mais tarde, viria a desvendar-se o intrigante mistério: o húngaro estava ligado a organizações anti-fascistas e, perante as pressões da PIDE, instada pela Gestapo alemã, o FC Porto foi obrigado a "convidar" Andrasik a sair para o estrangeiro.
• A maquinação pidesca retirava ao FC Porto, onde fez 51 jogos, o seu baluarte na baliza. Para o lugar de Andrasik chegou… Barrigana.
Carreira no FC Porto
1939-40 (Fev.1940) a 1943
Palmarés no FC Porto
1 Campeonato Nacional (1939-40)
2 Campeonatos do Porto
António Santos – António da Costa Santos (n. Porto, 22 Fev.1915 – 3 Jul.2000), jogador, engenheiro, começou nos infantis do FC Porto e ingressou na equipa principal na época 1933-34. Logo na seguinte (1934-35) teve o ensejo de ser Campeão Nacional (Liga).
• Interior/avançado, tinha uma grande apetência pelo golo e jogos houve em que marcou 3, 4 ou 5. Ainda jogou com Waldemar Mota e Acácio Mesquita, glórias do Clube.
• Foi um dos Bicampeões pelo FC Porto nas épocas 1938-39 e 1939-40. Eis trechos de uma entrevista publicada em “O Livro de Ouro – História do FC Porto” do Diário de Notícias:
António Santos era, em 1998, com 84 anos, o único sobrevivente da fabulosa equipa Bicampeã Nacional em 1938/1940. Recorda as tardes em que jogava ao lado de Pinga, os treinos que tinham início às sete da matina, o amor à camisola que estava acima dos amores aos cifrões, o dia em que de pequeno recebeu das mãos do pai uma prenda maravilhosa que lhe vestiu o destino: o equipamento do FC Porto.
• Daquela equipa, clave devida ao "sexteto de cordas", assim chamado, os executantes ainda hoje lhe passeiam nos interstícios da memória: Bela Andrasik, Kordnya, Gomes da Costa, ele próprio, Petrak e Pinga.
Dos infantis aos seniores, recorda os desgostos e os aplausos, o povo a esculpir mitos, a querer tocar na sua pele, apertar-lhe as mãos. Recorda os dirigentes que lhe punham carro à porta da Constituição "para eu não faltar aos treinos nem às aulas". Formado em engenharia técnica no Instituto Industrial do Porto, lembra o seu primeiro ordenado de jogador, 950 escudos, quando na época uma vitória em casa valia 100 escudos e o dobro se alcançada no campo adversário.
• Cobiçado por Sporting e Académica de Coimbra, convencido da antiga e eterna disputa face ao Benfica, "o clube do anterior regime", diz, já na altura “os jogadores portistas redobravam de esforço para levar de vencida os protegidos do outro lado da ponte”.
• António Santos, um homem bem formado, um admirável companheiro entre os colegas da equipa, um excelente jogador que honrou as cores do FC Porto. Uma glória do Clube!
Carreira no FC Porto
1933-34 a 1941-42
Palmarés
3 Campeonatos Nacionais (1934-35, 1938-39, 1939-40)
1 Campeonato de Portugal (1936-37)
7 Campeonatos do Porto
Pinga – Artur de Sousa "Pinga" (n. Funchal, Madeira, 30 Set.1909 – m. Porto, 12 Jul.1963). O primeiro grande génio do futebol português e, talvez, a primeira grande "lenda" do FC Porto onde chegou no Natal de 1930.
• Interior esquerdo e esquerdino de excepcional talento, aos 18 anos já era titular do Marítimo.
• O FC Porto fez, por várias vezes, tentativas frustradas para trazer Pinga para o Continente. Em finais de 1930 eram presidente do Clube Dumont Villares e treinador Joseph Szabo. Conhecedores profundos da “fantasia” e “ouro de lei”, os dois líderes que sempre tiveram o jogador debaixo de olho, entenderam que estava no momento certo para o tudo ou nada, a hora exacta para um ataque decisivo. O parto foi difícil, mas desta vez com êxito. Estava escrito que as cores da sua camisola de glória seriam o azul-e-branco do FC Porto.
• Pinga assinou a 23 de Dezembro de 1930 e a 25, dia de Natal, estreava-se no Campo da Constituição, frente ao Salgueiros, contribuindo para uma copiosa vitória (10-2), bem mais fácil do que aquela que, três dias depois seria conseguida, no mesmo palco, frente ao Eirinãs FC de Pontevedra (3-2). Estava dado o pontapé de saída para uma carreira de sucesso que o haveria de guindar a um plano ímpar no futebol nacional.
• Saiu da escola do Marítimo por tanto encantar o seu "drible" curto. Fazia o que queria da bola como verdadeiro virtuoso do esférico, hábil em malabarices, chutador potentíssimo. O seu extraordinário pé esquerdo era letal. Com ele desfeiteava guarda-redes, estonteava adversários, libertava companheiros de equipa e alegrava o público que corria aos estádios para o ver. Era o estratega e "patrão" da equipa.
• Com o seu estilo de jogo apaixonante e cativante, Pinga tornou-se, rapidamente, numa das mais queridas personagens do FC Porto, num dos jogadores que mais profundamente entrou no coração dos adeptos azuis-e-brancos. Os golos ajudavam: nos primeiros 50 jogos pelo FC Porto, para a então denominada I Liga, fez 50 golos!
• Pinga que jogou no FC Porto de Dezembro de 1930 a Julho de 1946, tinha reunidas em si todas as características dos maiores jogadores de futebol: atacava e defendia, era dotado de fantástico domínio de bola, exímio na finta, de passes “mortais”, remate certeiro e forte, golos inolvidáveis. Pinga encantava portistas, pasmou os adversários durante 16 anos, ao longo dos quais no FC Porto embelezou tardes memoráveis de fintas e remates, com actuações movidas pela intuição dum prodígio e em que marcou 394 golos em 400 jogos!
• Foi, pelo FC Porto, 3 vezes Campeão Nacional e 2 vezes Campeão de Portugal. Ganhou ainda 14 Campeonatos do Porto, por 25 vezes representou a Associação de Futebol do Porto, por outras tantas representara a Associação de Futebol da Madeira, e por 3 vezes foi Campeão do Funchal pelo Marítimo.
• Dele escrevia Cândido de Oliveira, no jornal "A Bola", em Abril de 1945: “Talvez o maior talento de jogador do nosso futebol, um jogador fulgurantíssimo, verdadeiramente genial”.
• E um cronista da "Stadium": “Saliente-se como exemplo e motivo de louvor, a forma de Pinga actuar. É o homem que nunca pára. Que está na defesa e sempre no ataque. Que dribla, intercepta e passa... nunca cometendo violências. Pinga representa o jogador completo: à mestria da técnica, alia a maneira mais elegante de jogar”.
• Craque de excepção, referência dos anos 30 e 40 e encantador das plateias da Constituição e do Lima, Artur de Sousa “Pinga” foi um de “Os três diabos do meio-dia”. Sim, a Pinga, Waldemar Mota e Acácio Mesquita o povo chamaria "Os três diabos do meio-dia" que fizeram furor entre portas e além-fronteiras. O madeirense foi também protagonista no filme sobre o universo futebolístico, "Bola ao Centro", diálogos de Alves Redol.
• Nascido na Madeira, foi ainda como jogador do Marítimo do Funchal, que se estreou com a camisola da Selecção Nacional em 30 Nov.1930, no Amial, Porto, frente à Espanha (0-1). Para que se registe, eis o nome dos eleitos pela dupla técnica da Federação Portuguesa de Futebol, Laurindo Grijó e Augusto Pedrosa: Artur Augusto (V. Setúbal); Carlos Alves (Carcavelinhos), Avelino Martins (FC Porto), Raul Alexandre (V. Setúbal), Álvaro Pina (Barreirense), Álvaro Pereira (FC Porto), Waldemar Mota (FC Porto), João dos Santos (V. Setúbal), “Pinga” (Marítimo), Armando Martins (V. Setúbal) e Francisco Castro (FC Porto).
Pinga foi o herói do empate (3-3) noutro jogo com a Espanha, em 5 Mai.1935, em Lisboa, marcando dois golos.
• 21 vezes internacional (um feito para a época), era um dos esteios da "equipa de todos nós” e o favorito dos seleccionadores durante 12 anos. Nos 21 jogos em que envergou a “camisola das quinas” (Espanha 9, Suíça 4, Alemanha e Hungria 2, Itália, Bélgica, Áustria e Jugoslávia 1), marcou 9 golos (5 à Espanha, 1 à Jugoslávia, Alemanha, Bélgica e Hungria).
No seu último jogo pela Selecção, a 1 Jan.1942, em Lisboa, defrontou e venceu a Suíça por 3-0. O seleccionador de então, Cândido de Oliveira, entregou-lhe a braçadeira de capitão e, curiosamente, não teve a companhia de nenhum dos seus padrinhos do baptismo internacional doze anos antes – era ele o único sobrevivente.
• Aos 36 anos, Artur de Sousa “Pinga” foi pioneiro nas operações ao menisco em Portugal. Ao contrário do que hoje acontece, a intervenção era complicada e a recuperação lenta e cheia de sacrifícios. Foi operado em Outubro de 1945 e, ao fim de meses de tormento regressaria, sob apertada vigilância médica, aos campos de futebol, em Maio de 1946. Mas o destino ser-lhe-ia traiçoeiro: vítima de carga mais dura de um adversário, acabaria por concluir que tinha, inabalavelmente, de abandonar os relvados e terminar prematuramente a sua fulgurante carreira. O FC Porto sentia-se órfão de um dos maiores talentos que vestiram a sua camisola.
• A 7 de Julho de 1946, com um nó na garganta, os adeptos assistiram à sua retirada do futebol, numa festa de despedida no Estádio do Lima superlotado. Mais de 550 atletas de dezenas de colectividades desfilaram saudando Pinga, seguindo-se um jogo em que o FC Porto venceu um “Misto Nacional” por 5-4. Sporting, Benfica, Belenenses e Académica estavam ali na homenagem a Pinga, todos eles também envolvidos numa emoção colectiva. A “Selecção Mista” era assim constituída: Azevedo; Cardoso e Feliciano; Amaro, Francisco Ferreira e Serafim; Espírito Santo, Alberto Gomes, Peyroteo, José Pedro e João Cruz.
A cerimónia teve como ponto alto a condecoração do jogador, pelo Governador Civil do Porto, com a Medalha de Ouro da Federação Portuguesa de Futebol. Pinga afirmou, numa atitude reveladora da paixão e devoção que nutria pelo FC Porto e pela cidade: "Fraquejaram os músculos, mas o meu coração continua a lutar pelo Clube, pelo Desporto e pelo Porto." Pinga tinha servido o FC Porto durante 16 anos!
• Depois tornou-se treinador, orientando a Sanjoanense, o Tirsense e o Gouveia. No Tirsense viveu mais um momento de glória quando a sua equipa obteve uma estrondosa vitória eliminando o Sporting, dos “Cinco Violinos”, para a Taça de Portugal (1948-49). Regressou ao FC Porto, em 1950, para orientar interinamente a equipa, depois para ser treinador adjunto de Cândido de Oliveira e, mais tarde, tomou conta dos jogadores jovens, quiçá para ensinar aquilo que tão bem tinha feito enquanto futebolista.
• Quando iria passar a coadjuvar mestre Artur Baeta na equipa júnior do FC Porto, a morte levou-o, dia 12 de Julho de 1963. Internado três dias antes, sucumbiu de cirrose e úlcera gástrica. Indelevelmente repousa no panteão das glórias do FC Porto no cemitério de Agramonte.
• Pinga, um dos melhores senão o melhor futebolista português de todos os tempos, um enorme ídolo, uma velha glória do FC Porto e do desporto nacional!
Carreira no FC Porto
23 Dez.1930 a 7 Jul.1946
Jogos: 400
Golos: 394
Palmarés
3 Campeonatos Nacionais (1934-35, 1938-39, 1939-40)
2 Campeonatos de Portugal (1931-32, 1936-37)
14 Campeonatos do Porto
3 Campeonatos do Funchal (pelo Marítimo)
(Fontes: várias com realce para o artigo de Luís César, “Pinga nasceu há um século”, revista “Dragões”, Fev.2008)
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