‘Nortada' do Miguel Sousa Tavares
Portugal deveria e poderia ter ido mais longe.
Uma imprensa desportiva eufórica antes de tempo, um país acometido de delírio patriótico e um insuportável
blitz de publicidade dos patrocinadores da Selecção, criaram a certeza de que esta equipa de Portugal só poderia chegar ao céu -
ao título de Campeão da Europa de 2008. Tal como sempre aconteceu na era Scolari, caímos no mais fácil dos grupos da fase final- onde, como disse Mourinho, era impensável não passarmos aos
«quartos».
Veio primeiro uma Turquia borrada de medo, que vencemos com uma exibição segura, mas não sublime, como logo apregoaram; e, depois, uma República Checa, contra quem, mais uma vez, só obtivemos o golo da tranquilidade nos descontos e após enfrentar alguns calafrios finais, imprevistos e desnecessários. Mas passámos, que era o importante.
A seguir, veio o jogo das reservas contra a Suíça, perdido sem nenhum brio nem desculpa
(e todos os outros apurados à 2.ª jornada - Espanha, Croácia e Holanda - puseram também as reservas no terceiro jogo e ganharam-no). Aqui, deveríamos ter tido um primeiro sobressalto de humildade, antes de enfrentarmos uma Alemanha que já se sabe que é sempre competitiva e tem espírito de equipa.
Aliás, nessa 1.ª fase, pese às nossas milionárias vedetas e ao delírio da imprensa, eu vi jogar melhor futebol à Croácia, à Holanda, à Espanha e à Rússia -
sem esquecer a Itália e a Alemanha, que, mesmo quando não têm grandes equipas, têm uma cultura de vitória entranhada. Esperava-se que fizéssemos a diferença pelas nossas individualidades, mas afinal o que mostrámos de melhor foi a condição física e o jogo colectivo.
Contra a Alemanha, no primeiro verdadeiro jogo a doer, nós partíamos com uma vantagem imensa: oito dias de descanso contra três, numa competição em que, tal como no Mundial, os grandes jogadores já chegam estafados por uma época sem tréguas. Para nos ganhar, a Alemanha sabia que tinha de construir o resultado de início e defendê-lo depois. Foi isso que fizeram e conseguiram-no curiosamente, não como equipa, mas porque, na hora da verdade, os seus valores individuais suplantaram os nossos. E assim saímos deste Europeu, onde, tirando o próprio Scolari, que afirmou sair
«de consciência supertranquila», todos nós achamos que poderíamos e deveríamos ter ido mais longe.
A seu tempo, talvez faça aqui o balanço destes seis anos de Scolari à frente da Selecção. Agora, faço apenas uma apreciação individual daqueles que ele lançou na batalha perdida.
RICARDO - De todos os 40 ou 50 jogadores chamados por Scolari nestes seis anos, nenhum lhe deve mais do que Ricardo. Ele começou por ser o instrumento da querela particular de Scolari contra Baía. E, logo aí, como ao longo daquelas patéticas conferências de imprensa dos jogadores da Selecção em que participou, Ricardo mostrou a falta de humildade e de elegância que sempre o caracterizou. Mesmo quando suplente no Sporting ou no Bétis, Ricardo contou sempre com a fidelidade de Scolari. E, entre os postes, que era o que mais interessava, mostrou tudo o que já se sabia: que é óptimo a defender
penalties, bom a defender remates frontais e a jogar com os pés, e um zero no jogo aéreo. Contra a Alemanha
(e tal como já sucedera no Mundial de 2006, com o mesmíssimo resultado), não teve de fazer uma única defesa e encaixou três golos: no primeiro, não teve culpas; no segundo, teve algumas; e, no terceiro e decisivo, teve bastantes. Lothar Mathaus tinha avisado.
BOSINGWA - Foi dos melhores, ao longo dos três jogos e tudo ponderado. Não deslumbrou, mas cumpriu.
MIGUEL - Segundo parece, acha que o Valência já é pouco para ele. Só teve uma oportunidade- contra a Suíça- para mostrar a razão porque pensa isso, mas não o conseguiu: foi o pior em campo.
PAULO FERREIRA - Temia-se a sua adaptação à esquerda e os temores saíram confirmados. Jogou os quatro jogos e em todos esteve mal.
JORGE RIBEIRO - Contratado pelo Benfica para a próxima época
(na véspera do jogo contra o «seu» Boavista), não justificou, contra a Suíça, as razões da contratação.
PEPE - O novo
«português» aprendeu o hino e mostrou raça e vontade de honrar a chamada. Jogou sempre no risco e acertou umas vezes, falhou outras. Mas foi à luta, sempre.
RICARDO CARVALHO - O oposto de Pepe: atravessou todo o Euro dando sinais de esgotamento e de precisar urgentemente de férias. Defendeu-se, nunca correndo riscos e tudo fazendo para não se dar por ele. O jogo contra a Alemanha é o paradigma disto: não esteve directamente ligado a nenhum dos golos, mas alguém é capaz de dizer onde parava ele nos três golos, todos facturados no centro da pequena área- a zona coutada dos centrais?
BRUNO ALVES - Apenas o jogo contra a Suíça, reeditando a dupla de centrais do FCP de 2007, ao lado de Pepe. Não comprometeu nem deslumbrou. Mas, não fossem os lugares cativos na Selecção de Scolari, e talvez tivesse justificado mais a titularidade do que Ricardo Carvalho.
PETIT - A mais inexplicável escolha de Scolari, depois de toda uma época falhada. Esteve no Euro como esteve no Benfica: só se dava por ele quando cometia aquelas faltas maldosas, com ar de inocente. Não haveria mesmo ninguém mais útil para a posição?
MIGUEL VELOSO - Consta que vale largos milhões e que a Itália inteira suspira por ele. Não vejo porquê, e o jogo contra a Suíça não ajudou em nada a perceber.
JOÃO MOUTINHO - Dizem, também, que vale trinta milhões e que andará meio mundo atrás dele. E também nunca percebi porquê. Vejo-o como um jogador sempre regular e um grande profissional, mas jamais como um n.º 10 com rasgo e clarividência, como um Deco, um Lucho González ou um Rui Costa. Fez um primeiro jogo razoável contra a Turquia, que serviu para o porem nos píncaros, e um segundo jogo absolutamente medíocre contra os checos. Contra a Alemanha, saíu à meia-hora, magoado, e, não fosse ter falhado um golo na cara do guarda-redes, teria passado invisível pelo jogo. Mais Alcochete não lhe fará mal algum.
RAUL MEIRELES - Entrou e marcou um golo, contra a Turquia. Jogou muito pouco contra a Suíça e aproveitou razoavelmente uma hora de jogo contra a Alemanha. Não desiludiu, mas foi igual ao costume: fez três remates à baliza e saíram todos para fora.
DECO - Este, sim, foi o homem da Selecção. Três jogos e em todos foi o melhor da equipa. Foi o Deco dos grandes tempos do FC Porto de 2004
(o tal ano da «tentativa de corrupção» e que deu cinco jogadores a esta Selecção), muito melhor do que o Deco dos últimos tempos no Barcelona.
FERNANDO MEIRA - Foi mais importante como
«falador» do que em campo. Sem lugar entre os centrais, fez um jogo e parte de outro no meio-campo, onde não acrescentou nada.
SIMÃO - Três jogos sem história. Deve o lugar cativo ao facto de ainda ser, emocionalmente, jogador do Benfica.
NUNO GOMES - Na véspera do jogo com a Alemanha, declarou ter um «pressentimento» de que iria marcar. E marcou mesmo. Mas um ponta-de-lança que marca golos só quando tem
«pressentimentos», parece-me pouco. Tal como outros, deve o lugar à regra da antiguidade -
a mais sagrada da era Scolari - e ao facto de, como nenhum outro, ser o jogador com melhor imprensa.
HÉLDER POSTIGA - Facto extraordinário, também marcou um golo. E foi contratado pelo Sporting.
HUGO ALMEIDA - Era o sucessor mais aconselhável para preencher o deserto deixado por Pauleta. Mas estava em 3.º lugar na lista da antiguidade e Scolari só lhe deu um quarto de hora, contra a Suíça.
CRISTIANO RONALDO - Não se pode ser herói todos os dias e toda a época, mas o facto é que, se contava com o Euro para o título de melhor do mundo, Cristiano passou ao lado. Vontade, é indiscutível que tinha, assim como talento e génio. Mas, não chegou: foi dos piores contra a Alemanha e desiludiu em todos os jogos. Não sei se foi o Real Madrid que lhe deu volta à cabeça ou a grande época que fez que o rebentou, mas umas férias nas Caraíbas e uns mergulhos nos vídeos do Arshavin só lhe farão bem.
RICARDO QUARESMA - Idem, idem, aspas. Se está à espera que alguém banque os 40 milhões por ele, das duas uma: ou fica sentado à espera, ou confia em que Pinto da Costa não cumpra a sua promessa de não fazer desconto. É verdade que Scolari só lhe deu uma oportunidade e nunca soube dar-lhe a confiança de que precisa e aproveitá-lo para a Selecção. Mas, quando se ganha 150.000 euros por mês e se quer ganhar 300.000, não basta fazer um cruzamento «de letra» em 90 minutos de jogo.
NANI - Foi dos menos maus contra a Suíça e contra a Alemanha. Tentou, mas raramente foi consequente até ao fim. Fica de reserva para o futuro e para o próximo selecionador.