assistência: 22.512 espectadores.
árbitros: Paulo Costa (AF Porto), João Santos e Nuno Manso; Artur Soares Dias.
FC PORTO: Beto; Fucile, Maicon, Bruno Alves e Alvaro Pereira; Fernando, Raul Meireles e Belluschi; Hulk, Falcao e Rodríguez.
Substituições: Belluschi por Varela (65m), Farías por Rodríguez (68m) e Guarín por Raul Meireles (85m).
Não utilizados: Nuno, Sapunaru, Rolando e Valeri.
Treinador: Jesualdo Ferreira.
RIO AVE: Carlos; Zé Gomes, Gaspar, Fábio Faria e Sílvio; Vilas Boas, Vítor Gomes e Wires; Bruno Gama, João Tomás e Sidnei.
Substituições: Vítor Gomes por Tarantini (11m), Sidnei por Chidi (62m) e Wires por Wesllem (86m).
Não utilizados: Mora, Bruno Mendes, Ricardo Chaves e Evandro.
Treinador: Carlos Brito.
golos: Hulk (23m), João Tomás (25m) e Varela (81m).
disciplina: cartão amarelo a Sílvio (10m), Gaspar (37m), Álvaro Pereira (69m), Bruno Gama (73m), Carlos (77m), Tarantini (80m), Maicon (84m) e Beto (93m).
No mundo cada vez mais mediático, com as redes sociais a crescerem desmesuradamente, como os tentáculos de um polvo, ou os mails e sms a servirem de meio de comunicação em real time, como seria antigamente, quando o advento da tecnologia e os telemóveis ainda não se encontravam massificados?
Imaginemos, num mero exercício estilístico, um pai e filho fervorosos adeptos portistas, separados por contingências do quotidiano. O progenitor, sedeado na Invicta. O filho, algures no Mundo, procurando o sucesso profissional longe do País. Todos aqueles que, uma vez por acaso, passaram pelo mesmo, sentirão a natural empatia. Falo de estarmos privados de qualquer possibilidade de visionamento de uma partida dos Dragões. Ao vivo ou pela TV. O sofrimento, esse, parece aumentar exponencialmente, pela impossibilidade de acompanhar os acontecimentos. Sofre-se, de forma bem intensa, com o aguilhão da dúvida a torturar-nos minuto a minuto. A ansiedade torna-se a protagonista, enquanto aguardamos por notícias. O coração bate de forma acelerada, perturbando o normal funcionamento.
Imagine-se, então, a cena. O filho, fuso horário diferente, cambaleando de sono, em frente à lareira. O pai, sentado confortavelmente no sofá, agasalhado contra o frio invernal. O novo lcd mostrando o esplendor do Estádio do Dragão. E o Porto-Rio Ave, jogo crucial disputado após o derby da capital. Com saudades do seu rebento, agora homem feito, o pai recorda-se de tardes e noites passadas a debater a actualidade portista. Os golos, as substituições, os falhanços em frente da baliza, os craques que sentenciavam partidas. Uma comunhão de ideais, meticulosamente administrada por ele ao filho, desde a mais tenra idade.
Podiam não calcorrear juntos o caminho para o velhinho Estádio das Antas. Ou apanhar o metro para o novo recinto. Mas continuavam, a milhares de quilómetros de distância, a ter os mesmos rituais. E assim, lá seguiu o primeiro telegrama, despertando o filho do torpor provocado pelo cansaço:
“Vai começar agora. STOP. O gajo apostou outra vez no Beto. STOP. Mas pôs o super-herói a titular. Que coerência é esta? STOP”
Noutro continente, o filho sorriu, abanando com paternalismo a cabeça. Achava irónica aquela contradição. O pai, que a idade deveria ter acalmado, continuava a ser explosivo nas avaliações da equipa. Destemperado. Pouco paciente. Ele, bem mais novo, nunca tinha sentido o fulgor da impaciência. Era conciso na análise. Racional. E acima de tudo, um homem de fé. Acreditava piamente que o Porto venceria. Em qualquer lado. Contra qualquer opositor. Pese essa diferença temperamental entre ambos, unia-os sempre, na vitória e na derrota, uma paixão incondicional pelo azul e branco.
“Vê se te acalmas. STOP. Vamos ganhar. STOP. Jogue quem jogar. STOP. E no Natal, podes escrever, já estamos à frente dos vermelhos. STOP”
Seguiram-se uns minutos de silêncio. As pálpebras pesavam ao filho. A noite cerrada convidava a umas horas de descanso beatífico debaixo dos lençóis. Mas ele mantinha-se ali, lutando contra a sonolência, a madrugada avançando de forma inexorável. Nunca conseguiria descansar sossegadamente sem saber o resultado. Foi despertado pelo som inconfundível do telegrama.
“O Rolando ficou a aquecer o banco. STOP. Joga o Maicon. Vamos lá a ver o que é que ele vale. STOP.”
O filho agradeceu a informação. Mas queria mais. Na impossibilidade de ver os seus ídolos a jogar, ansiava por beber toda e qualquer grama de informação.
“E o resto? STOP. Quem joga no meio? STOP.”
A resposta não se fez esperar.
“Nada de novidades. STOP. Meireles, Fernando e Belluschi. STOP. Lá na frente, Falcao e Rodriguez juntam-se a Hulk. STOP. O Rio Ave entrou bem. STOP. Tem criado dificuldades. STOP. E dado cacetada com fartura. STOP.”
O filho sorriu, ao receber as novas. Adorava o estilo directo e contundente do progenitor. Sem papas na língua.
“E como está a correr o jogo? STOP. Estamos a jogar bem? STOP.”
“Nem por isso. STOP. Estão a tentar explorar os flancos, sem sucesso. STOP. O Alvaro Pereira tem subido, apoiando o Rodriguez. STOP. O Hulk continua sem conseguir desequilibrar. STOP. O Rio Ave parece que vai adoptar a táctica do autocarro. STOP.”
Primeira ruga de desassossego, no rosto do filho. Uma rápida consulta ao relógio, um breve cálculo mental, para ver que já se tinham esgotado mais de 20 minutos. Sem golos. Sentiu aquela pontada característica, no estômago, de desassossego. Ainda teria uma úlcera, não tardava nada…
“Golllloooooooo. STOP. Aleluia. STOP. Jogada típica de Hulk, com arrancada do meio-campo, fugindo para o interior. STOP. Sorte à mistura, com dois ressaltos. STOP. Já estamos na frente. STOP. Agora é só gerir. STOP.”
O filho não resistiu a soltar um suspiro de alívio. Sorriu. Levantou-se e não combateu a tentação de preparar um copo de whisky, apesar do horário tardio. Encontrava-se na cozinha, quando o som sibilino de novo telegrama o fez apressar para a sala.
“Esquece. STOP. Os gajos empataram. STOP. Cruzamento para a área e golpe de cabeça do João Tomas. STOP. Não percebo como é que ele salta com o Fucile. De um lançamento lateral sofremos um golo. STOP. As transições rápidas não saem. STOP. Previsibilidade total. STOP. O Belluschi desapareceu, depois de um inicio prometedor. STOP. Íamos marcando pelo Bruno. STOP. Bola salva em cima da linha de golo. STOP.”
O trejeito de exasperação do filho não escondia a amargura pela notícia. Passou as mãos pelo cabelo, inquieto. Desejava um jogo calmo, sem sobressaltos. Em vez disso, o nervosismo ia-o minando, internamente.
“Continua 1-1. STOP. Estamos a melhorar aos poucos. STOP. O Meireles é dono do meio-campo. STOP. Nova grande oportunidade, com cruzamento do Alvaro para uma cabeçada perfeita do Falcao. STOP. Contra nós, todos defendem bem. STOP.”
O sono, entretanto, já tinha desaparecido. Consumido na fornalha de nervos que queimava o âmago do filho. Perturbado, parecia um miúdo irrequieto, incapaz de ficar sossegado, concentrado numa actividade.
“Intervalo. STOP. 15 remates para um mísero golo. STOP. Fizemos 3 faltas. Que raio de agressividade é esta? Não se pressiona? Vai ser uma 2ª parte de nervos. STOP. O Falcao está muito desacompanhado. STOP. O Rodriguez subiu de produção. STOP. Tem feito uns raides interessantes na esquerda. STOP. Agora, já se sabe. O gajo vai colocar o Farias e depois o Varela. STOP. É sempre a mesma cartilha a comandar. STOP. Temos acções de jogo totalmente ingénuas. Já se assobia.”
O filho leu. E releu. Sabia que o pai não exagerava. Aquilo era verdade. O ataque ao penta sofria percalços, todas as semanas.
“Car***o. Estou farto disto. STOP. O Rodriguez criava dinâmica, na ala esquerda, esticando o jogo, e ele agora muda-o para o lado direito. STOP. Já passaram 10 minutos da 2ª parte e nem nos aproximamos da baliza. STOP. Estamos dóceis, sem qualquer pressão alta. STOP. Espera aí. STOP. Penalty. STOP. Fucile empurrado, com meia teatralização. STOP. Fo**-s*. STOP. O Falcao falhou.”
Um murro na mesa, pleno de raiva e frustração, acompanhou o último telegrama recebido. A impaciência já dera lugar à decepção. Não percebia como, quase no final da primeira volta, não existia um marcador para os lances de grande penalidade. Ora marcava Falcao, depois Hulk e, como numa espécie de carrossel alucinado, novamente o colombiano. Com os resultados conhecidos.
“Que saudades do Lisandro. STOP. Mais uma oportunidade desperdiçada, na cara do guarda-redes. STOP. Estamos na fase do futebol caótico, afunilado. STOP. Tenho gostado do Alvaro. Ao contrário do Fucile, procura apoiar o ataque. STOP.”
Maxilares cerrados. Olhos expectantes, furtivos, temerosos. A garganta seca prenunciava um potencial ataque de pânico. Era uma oportunidade de ouro para recuperar dois pontos. E ficar mais perto da liderança.
“Falham-se golos cantados. STOP. Desperdicio inacreditável do Meireles. STOP. Como te tinha dito, o Varela e o Farias já lá estão dentro. STOP. O Maicon não acrescentou nada em termos de solidez defensiva. STOP. Parece que o Jesualdo anda a reboque do que se comenta na imprensa. STOP. Neste momento, não existe fio de jogo. STOP.”
O filho engoliu em seco. Atreveu-se a perguntar:
“E o Hulk? STOP.”
O pai sopesou a resposta. Sabia – e entendia – a admiração do filho pelo brasileiro com nome de super-herói. Analisou racionalmente a prestação do agora internacional canarinho.
“Dentro da mediocridade, é o melhor. STOP. Procura usar a rapidez para abrir brechas, na habitual mistura de individualismo e trapalhice. STOP. Acabou de dar mais uma bola de bandeja ao Farias, com um cruzamento perfeito. STOP. Precisavamos de um avançado de grande nível. STOP. E o Luca Toni está no mercado, por uma pechincha. STOP. O Carlos hoje defende tudo.”
Nem o elogio encapotado ao seu jogador predilecto animou o filho, preso de inexplicável palpitação cardíaca.
“Goooolllooooo. STOP. Finalmente. Varela à boca da baliza. STOP. Pese a péssima exibição, é justa a vantagem. STOP. Foi assim, com jogadores vindos de clubes medianos, que o Mourinho montou uma equipa guerreira. STOP. Sem vedetas. STOP. Ai cum caraças. Ai cum caraças. Ai cum caraças. STOP. O Rio Ave ía empatando, por duas vezes. STOP. É inacreditável a forma tacanha de pensar deste Jesualdo. Permite que o adversário tenha a posse de bola e pense o jogo. STOP. Meteu o Guarin. A equipa joga sobre brasas. STOP.”
O pequeno prédio de apartamentos tremeu, com o grito de jubilo saído da garganta ressequida por triunfos. A pacatez da madrugada foi interrompida, por breves instantes, substituída pelo amor incondicional por um clube de futebol.
“Ai cum caraças. STOP. Inadmissível. STOP. O Fernando não aprende com os erros. Perdeu uma bola nas imediações da área, tal como com o Chelsea. STOP. Somos incapazes de gerir um jogo, com passes curtos. STOP. Só vejo correrias loucas, precipitadas. STOP.”
Nova olhadela para o relógio. Contas feitas e a constatação de que o jogo deveria estar no seu estertor. Era excruciante não saber noticias.
“Acabou. STOP. Resultado justo, com exibição sofrível. STOP. As mudanças nada trouxeram de novo. STOP. O Beto anda intranquilo. STOP. O Maicon não transmite qualquer segurança. STOP. Mas vencemos. E isso é que importa, para já. STOP. Adeus. Adoro-te. Vai lá dormir. STOP.”
E o filho, feita a recepção do último lance de notícias, foi. Feliz por mais uma semana de sonhos possíveis. O Porto continuava vivo. E ele dormiu, beatificamente.
Análise final: Perdoar-me-ão os mais puristas destas coisas pela análise pouco ortodoxa do jogo. Mas confesso que ando saturado de escrever as mesmas coisas. Procurei conferir uma nova roupagem, menos massiva na quantidade de informação. Todos nós vemos o jogo. E tiramos as nossas ilações. O futebol não é uma ciência. Como arte, é tremendamente subjectiva. E eu nunca fui bom [e dizê-lo desta forma é um eufemismo tremendo] a esmiuçar as tácticas engendradas pelos treinadores, nem as nuances subtis que os mesmos colocam, no desenrolar da partida. Para isso, existe a sapiência e conhecimento teórico do Bruno. Eu sou mais emotivo, pouco racional, a visionar as cores da minha paixão. Tenho um pouco da figura ficcional do pai, hoje com direito a tempo de antena. Pelo contrário, pese a vitória, não sou capaz de dormir beatificamente, como o filho. Recuperando dois pontos ao seu mais directo rival, os Dragões deram nova mostra de incapacidade de jogarem com imprevisibilidade. Amorfos, dóceis, previsíveis. Mas, inquestionavelmente, fico apenas siderado com dois pormenores: ausência de um marcador de livres e anarquia na movimentação de lances de bola parada. Parece não existir qualquer estudo prévio para os lances referidos.
Melhor do Porto: Pela atitude, Alvaro Pereira. Guerreiro, capaz de perceber que era com velocidade que se rompia a teia defensiva contrária. Não permitiu veleidades pelo seu lado, sendo a companhia ideal para Rodriguez, a quem apoiou incondicionalmente na primeira metade. Pelo golo, Varela. Entrou e decidiu, estando no local certo para empurrar a renitente bola. Pela imprevisibilidade, Hulk. O único que cria lances de desequilíbrio.
Arbitragem: Trapalhona. Mal no capítulo disciplinar, contemporizando com a agressividade extrema dos vila-condenses, ajuizou igualmente mal o lance do penalty desperdiçado pelo Porto. Em suma, noite cinzenta para um árbitro veterano.
árbitros: Paulo Costa (AF Porto), João Santos e Nuno Manso; Artur Soares Dias.
FC PORTO: Beto; Fucile, Maicon, Bruno Alves e Alvaro Pereira; Fernando, Raul Meireles e Belluschi; Hulk, Falcao e Rodríguez.
Substituições: Belluschi por Varela (65m), Farías por Rodríguez (68m) e Guarín por Raul Meireles (85m).
Não utilizados: Nuno, Sapunaru, Rolando e Valeri.
Treinador: Jesualdo Ferreira.
RIO AVE: Carlos; Zé Gomes, Gaspar, Fábio Faria e Sílvio; Vilas Boas, Vítor Gomes e Wires; Bruno Gama, João Tomás e Sidnei.
Substituições: Vítor Gomes por Tarantini (11m), Sidnei por Chidi (62m) e Wires por Wesllem (86m).
Não utilizados: Mora, Bruno Mendes, Ricardo Chaves e Evandro.
Treinador: Carlos Brito.
golos: Hulk (23m), João Tomás (25m) e Varela (81m).
disciplina: cartão amarelo a Sílvio (10m), Gaspar (37m), Álvaro Pereira (69m), Bruno Gama (73m), Carlos (77m), Tarantini (80m), Maicon (84m) e Beto (93m).
No mundo cada vez mais mediático, com as redes sociais a crescerem desmesuradamente, como os tentáculos de um polvo, ou os mails e sms a servirem de meio de comunicação em real time, como seria antigamente, quando o advento da tecnologia e os telemóveis ainda não se encontravam massificados?
Imaginemos, num mero exercício estilístico, um pai e filho fervorosos adeptos portistas, separados por contingências do quotidiano. O progenitor, sedeado na Invicta. O filho, algures no Mundo, procurando o sucesso profissional longe do País. Todos aqueles que, uma vez por acaso, passaram pelo mesmo, sentirão a natural empatia. Falo de estarmos privados de qualquer possibilidade de visionamento de uma partida dos Dragões. Ao vivo ou pela TV. O sofrimento, esse, parece aumentar exponencialmente, pela impossibilidade de acompanhar os acontecimentos. Sofre-se, de forma bem intensa, com o aguilhão da dúvida a torturar-nos minuto a minuto. A ansiedade torna-se a protagonista, enquanto aguardamos por notícias. O coração bate de forma acelerada, perturbando o normal funcionamento.
Imagine-se, então, a cena. O filho, fuso horário diferente, cambaleando de sono, em frente à lareira. O pai, sentado confortavelmente no sofá, agasalhado contra o frio invernal. O novo lcd mostrando o esplendor do Estádio do Dragão. E o Porto-Rio Ave, jogo crucial disputado após o derby da capital. Com saudades do seu rebento, agora homem feito, o pai recorda-se de tardes e noites passadas a debater a actualidade portista. Os golos, as substituições, os falhanços em frente da baliza, os craques que sentenciavam partidas. Uma comunhão de ideais, meticulosamente administrada por ele ao filho, desde a mais tenra idade.
Podiam não calcorrear juntos o caminho para o velhinho Estádio das Antas. Ou apanhar o metro para o novo recinto. Mas continuavam, a milhares de quilómetros de distância, a ter os mesmos rituais. E assim, lá seguiu o primeiro telegrama, despertando o filho do torpor provocado pelo cansaço:
“Vai começar agora. STOP. O gajo apostou outra vez no Beto. STOP. Mas pôs o super-herói a titular. Que coerência é esta? STOP”
Noutro continente, o filho sorriu, abanando com paternalismo a cabeça. Achava irónica aquela contradição. O pai, que a idade deveria ter acalmado, continuava a ser explosivo nas avaliações da equipa. Destemperado. Pouco paciente. Ele, bem mais novo, nunca tinha sentido o fulgor da impaciência. Era conciso na análise. Racional. E acima de tudo, um homem de fé. Acreditava piamente que o Porto venceria. Em qualquer lado. Contra qualquer opositor. Pese essa diferença temperamental entre ambos, unia-os sempre, na vitória e na derrota, uma paixão incondicional pelo azul e branco.
“Vê se te acalmas. STOP. Vamos ganhar. STOP. Jogue quem jogar. STOP. E no Natal, podes escrever, já estamos à frente dos vermelhos. STOP”
Seguiram-se uns minutos de silêncio. As pálpebras pesavam ao filho. A noite cerrada convidava a umas horas de descanso beatífico debaixo dos lençóis. Mas ele mantinha-se ali, lutando contra a sonolência, a madrugada avançando de forma inexorável. Nunca conseguiria descansar sossegadamente sem saber o resultado. Foi despertado pelo som inconfundível do telegrama.
“O Rolando ficou a aquecer o banco. STOP. Joga o Maicon. Vamos lá a ver o que é que ele vale. STOP.”
O filho agradeceu a informação. Mas queria mais. Na impossibilidade de ver os seus ídolos a jogar, ansiava por beber toda e qualquer grama de informação.
“E o resto? STOP. Quem joga no meio? STOP.”
A resposta não se fez esperar.
“Nada de novidades. STOP. Meireles, Fernando e Belluschi. STOP. Lá na frente, Falcao e Rodriguez juntam-se a Hulk. STOP. O Rio Ave entrou bem. STOP. Tem criado dificuldades. STOP. E dado cacetada com fartura. STOP.”
O filho sorriu, ao receber as novas. Adorava o estilo directo e contundente do progenitor. Sem papas na língua.
“E como está a correr o jogo? STOP. Estamos a jogar bem? STOP.”
“Nem por isso. STOP. Estão a tentar explorar os flancos, sem sucesso. STOP. O Alvaro Pereira tem subido, apoiando o Rodriguez. STOP. O Hulk continua sem conseguir desequilibrar. STOP. O Rio Ave parece que vai adoptar a táctica do autocarro. STOP.”
Primeira ruga de desassossego, no rosto do filho. Uma rápida consulta ao relógio, um breve cálculo mental, para ver que já se tinham esgotado mais de 20 minutos. Sem golos. Sentiu aquela pontada característica, no estômago, de desassossego. Ainda teria uma úlcera, não tardava nada…
“Golllloooooooo. STOP. Aleluia. STOP. Jogada típica de Hulk, com arrancada do meio-campo, fugindo para o interior. STOP. Sorte à mistura, com dois ressaltos. STOP. Já estamos na frente. STOP. Agora é só gerir. STOP.”
O filho não resistiu a soltar um suspiro de alívio. Sorriu. Levantou-se e não combateu a tentação de preparar um copo de whisky, apesar do horário tardio. Encontrava-se na cozinha, quando o som sibilino de novo telegrama o fez apressar para a sala.
“Esquece. STOP. Os gajos empataram. STOP. Cruzamento para a área e golpe de cabeça do João Tomas. STOP. Não percebo como é que ele salta com o Fucile. De um lançamento lateral sofremos um golo. STOP. As transições rápidas não saem. STOP. Previsibilidade total. STOP. O Belluschi desapareceu, depois de um inicio prometedor. STOP. Íamos marcando pelo Bruno. STOP. Bola salva em cima da linha de golo. STOP.”
O trejeito de exasperação do filho não escondia a amargura pela notícia. Passou as mãos pelo cabelo, inquieto. Desejava um jogo calmo, sem sobressaltos. Em vez disso, o nervosismo ia-o minando, internamente.
“Continua 1-1. STOP. Estamos a melhorar aos poucos. STOP. O Meireles é dono do meio-campo. STOP. Nova grande oportunidade, com cruzamento do Alvaro para uma cabeçada perfeita do Falcao. STOP. Contra nós, todos defendem bem. STOP.”
O sono, entretanto, já tinha desaparecido. Consumido na fornalha de nervos que queimava o âmago do filho. Perturbado, parecia um miúdo irrequieto, incapaz de ficar sossegado, concentrado numa actividade.
“Intervalo. STOP. 15 remates para um mísero golo. STOP. Fizemos 3 faltas. Que raio de agressividade é esta? Não se pressiona? Vai ser uma 2ª parte de nervos. STOP. O Falcao está muito desacompanhado. STOP. O Rodriguez subiu de produção. STOP. Tem feito uns raides interessantes na esquerda. STOP. Agora, já se sabe. O gajo vai colocar o Farias e depois o Varela. STOP. É sempre a mesma cartilha a comandar. STOP. Temos acções de jogo totalmente ingénuas. Já se assobia.”
O filho leu. E releu. Sabia que o pai não exagerava. Aquilo era verdade. O ataque ao penta sofria percalços, todas as semanas.
“Car***o. Estou farto disto. STOP. O Rodriguez criava dinâmica, na ala esquerda, esticando o jogo, e ele agora muda-o para o lado direito. STOP. Já passaram 10 minutos da 2ª parte e nem nos aproximamos da baliza. STOP. Estamos dóceis, sem qualquer pressão alta. STOP. Espera aí. STOP. Penalty. STOP. Fucile empurrado, com meia teatralização. STOP. Fo**-s*. STOP. O Falcao falhou.”
Um murro na mesa, pleno de raiva e frustração, acompanhou o último telegrama recebido. A impaciência já dera lugar à decepção. Não percebia como, quase no final da primeira volta, não existia um marcador para os lances de grande penalidade. Ora marcava Falcao, depois Hulk e, como numa espécie de carrossel alucinado, novamente o colombiano. Com os resultados conhecidos.
“Que saudades do Lisandro. STOP. Mais uma oportunidade desperdiçada, na cara do guarda-redes. STOP. Estamos na fase do futebol caótico, afunilado. STOP. Tenho gostado do Alvaro. Ao contrário do Fucile, procura apoiar o ataque. STOP.”
Maxilares cerrados. Olhos expectantes, furtivos, temerosos. A garganta seca prenunciava um potencial ataque de pânico. Era uma oportunidade de ouro para recuperar dois pontos. E ficar mais perto da liderança.
“Falham-se golos cantados. STOP. Desperdicio inacreditável do Meireles. STOP. Como te tinha dito, o Varela e o Farias já lá estão dentro. STOP. O Maicon não acrescentou nada em termos de solidez defensiva. STOP. Parece que o Jesualdo anda a reboque do que se comenta na imprensa. STOP. Neste momento, não existe fio de jogo. STOP.”
O filho engoliu em seco. Atreveu-se a perguntar:
“E o Hulk? STOP.”
O pai sopesou a resposta. Sabia – e entendia – a admiração do filho pelo brasileiro com nome de super-herói. Analisou racionalmente a prestação do agora internacional canarinho.
“Dentro da mediocridade, é o melhor. STOP. Procura usar a rapidez para abrir brechas, na habitual mistura de individualismo e trapalhice. STOP. Acabou de dar mais uma bola de bandeja ao Farias, com um cruzamento perfeito. STOP. Precisavamos de um avançado de grande nível. STOP. E o Luca Toni está no mercado, por uma pechincha. STOP. O Carlos hoje defende tudo.”
Nem o elogio encapotado ao seu jogador predilecto animou o filho, preso de inexplicável palpitação cardíaca.
“Goooolllooooo. STOP. Finalmente. Varela à boca da baliza. STOP. Pese a péssima exibição, é justa a vantagem. STOP. Foi assim, com jogadores vindos de clubes medianos, que o Mourinho montou uma equipa guerreira. STOP. Sem vedetas. STOP. Ai cum caraças. Ai cum caraças. Ai cum caraças. STOP. O Rio Ave ía empatando, por duas vezes. STOP. É inacreditável a forma tacanha de pensar deste Jesualdo. Permite que o adversário tenha a posse de bola e pense o jogo. STOP. Meteu o Guarin. A equipa joga sobre brasas. STOP.”
O pequeno prédio de apartamentos tremeu, com o grito de jubilo saído da garganta ressequida por triunfos. A pacatez da madrugada foi interrompida, por breves instantes, substituída pelo amor incondicional por um clube de futebol.
“Ai cum caraças. STOP. Inadmissível. STOP. O Fernando não aprende com os erros. Perdeu uma bola nas imediações da área, tal como com o Chelsea. STOP. Somos incapazes de gerir um jogo, com passes curtos. STOP. Só vejo correrias loucas, precipitadas. STOP.”
Nova olhadela para o relógio. Contas feitas e a constatação de que o jogo deveria estar no seu estertor. Era excruciante não saber noticias.
“Acabou. STOP. Resultado justo, com exibição sofrível. STOP. As mudanças nada trouxeram de novo. STOP. O Beto anda intranquilo. STOP. O Maicon não transmite qualquer segurança. STOP. Mas vencemos. E isso é que importa, para já. STOP. Adeus. Adoro-te. Vai lá dormir. STOP.”
E o filho, feita a recepção do último lance de notícias, foi. Feliz por mais uma semana de sonhos possíveis. O Porto continuava vivo. E ele dormiu, beatificamente.
Análise final: Perdoar-me-ão os mais puristas destas coisas pela análise pouco ortodoxa do jogo. Mas confesso que ando saturado de escrever as mesmas coisas. Procurei conferir uma nova roupagem, menos massiva na quantidade de informação. Todos nós vemos o jogo. E tiramos as nossas ilações. O futebol não é uma ciência. Como arte, é tremendamente subjectiva. E eu nunca fui bom [e dizê-lo desta forma é um eufemismo tremendo] a esmiuçar as tácticas engendradas pelos treinadores, nem as nuances subtis que os mesmos colocam, no desenrolar da partida. Para isso, existe a sapiência e conhecimento teórico do Bruno. Eu sou mais emotivo, pouco racional, a visionar as cores da minha paixão. Tenho um pouco da figura ficcional do pai, hoje com direito a tempo de antena. Pelo contrário, pese a vitória, não sou capaz de dormir beatificamente, como o filho. Recuperando dois pontos ao seu mais directo rival, os Dragões deram nova mostra de incapacidade de jogarem com imprevisibilidade. Amorfos, dóceis, previsíveis. Mas, inquestionavelmente, fico apenas siderado com dois pormenores: ausência de um marcador de livres e anarquia na movimentação de lances de bola parada. Parece não existir qualquer estudo prévio para os lances referidos.
Melhor do Porto: Pela atitude, Alvaro Pereira. Guerreiro, capaz de perceber que era com velocidade que se rompia a teia defensiva contrária. Não permitiu veleidades pelo seu lado, sendo a companhia ideal para Rodriguez, a quem apoiou incondicionalmente na primeira metade. Pelo golo, Varela. Entrou e decidiu, estando no local certo para empurrar a renitente bola. Pela imprevisibilidade, Hulk. O único que cria lances de desequilíbrio.
Arbitragem: Trapalhona. Mal no capítulo disciplinar, contemporizando com a agressividade extrema dos vila-condenses, ajuizou igualmente mal o lance do penalty desperdiçado pelo Porto. Em suma, noite cinzenta para um árbitro veterano.