04 dezembro, 2010

Viena

http://bibo-porto-carago.blogspot.com/

Do jogo desta Quinta-feira no Prater guardei uma imagem acima de todas as outras. Guardei, é claro, o hat-trick do Falcão, a exibição incansável do Hulk e a raça de todos os nossos guerreiros num cenário épico a fazer lembrar Tóquio. Mas guardei, como disse, acima de tudo, a imagem que ilustra este post. Aliás, não só guardei, como não resisti a criar um gif animado para poder olhar mais vezes para ela. Olhem vocês também. Já viram bem a cara do André Villas-Boas? Reparem bem naquele sorriso franco, até pueril, que não esconde nada. O caminhar entusiasmado, os polegares erguidos, três palminhas espontâneas a reflectir a alegria que o comanda durante dois segundos e meio. E depois tudo volta ao normal, que ainda há jogo para jogar. Esta imagem é do festejo do segundo golo do Porto e evidencia uma característica importante do nosso treinador e da nossa equipa actual. Não é raiva, não é punho cerrado, que AVB também sabe bem o que são e que também lhe saem de dentro quando se justifica (Alvalade é um exemplo). Neste caso é alegria, pura e simples. Este é um homem que adora futebol, que se entrega ao futebol como uma criança ao seu brinquedo favorito. A sério, olhem bem para aquele sorriso. É por isto que temos uma equipa que joga com prazer, que desfruta do jogo, que festeja um golo rebolando na neve como uma ninhada de huskies bebés. Isso a mim, como adepta, dá-me um gozo indescritível.

Aproveito para endereçar os parabéns ao clube pela iniciativa de convidar os heróis de 87 para acompanharem a equipa a Viena. É verdade que, como diz o “pobo”, quem vive do passado é museu, mas uma grande instituição tem que saber honrar a sua história, e o Porto tem estado à altura do desafio, se exceptuarmos o pequeno grande pormenor de ainda não haver museu. Mas independentemente do museu, levar os campeões europeus ao Prater foi uma excelente ideia. Uma viagem a Viena nunca deve passar em branco.

Viena é uma daquelas palavras que significa muito mais do que aquilo que qualquer enciclopédia poderá registar. Segundo a Wikipédia, há 20 cidades com esse nome, para além de várias canções, um poema, um rio, uma jogada de xadrez, uma cantora, três personagens de ficção, um tipo de pão, um tipo de salsicha e um tipo de cerveja. E no entanto nada disto chega aos pés do significado que a palavra Viena tem para nós. Para nós, Viena não é uma palavra, é uma frase. Uma página. Um livro inteiro. Diz-se “Viena” e é como se se dissesse “Final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1987”. E isso é como se se dissesse “Um ponto de viragem na história do Futebol Clube do Porto, com a conquista do seu primeiro troféu internacional de uma maneira incrível, com dois golos verdadeiramente fabulosos, contra uma equipa que todos davam como favorita”. E isso é como se se dissesse “O João Pinto a correr com a Taça como um maluco, o clube a ser instantaneamente projectado para uma dimensão com que apenas podia sonhar e a cidade do Porto a 3000km de distância a explodir de alegria”. E isso é como se se dissesse muitas outras coisas, e dizer tudo isso é despertar recordações e sentimentos que nem sequer sabemos descrever. E no entanto descrevemos. Dizemos: Viena. E todos os nossos percebem.

É como dizer Tóquio, Sevilha ou Gelsenkirchen. Mas Viena foi o primeiro. Tinha eu quatro anos. Honestamente, não me lembro de nada. Mas ainda assim sinto arrepios quando se fala do assunto. Já vi, li e ouvi tanta coisa sobre Viena que tomo a liberdade de pedir a recordação emprestada a todos os que tiveram o privilégio de assistir a esse momento com idade suficiente para se recordarem dele. E vou beber também à descrição da minha mãe, que já tantas vezes me contou que, embora chegados do Brasil há menos de ano e meio e ainda sem grande identificação clubística em Portugal, ela e o meu pai não hesitaram em pegar nos rebentos e arrancar para os Aliados, levando na mão um lenço verde e outro amarelo, “em homenagem ao Juary”. Diz ela que eu e o meu irmão (na altura com apenas dois anos) ficámos maravilhados, e que esse terá sido, muito provavelmente, o momento de definição do Portismo que se nos entranhou na alma. Como disse, não me lembro. Mas por vezes há coisas na vida que nos deixam marcas profundas sem que disso nos demos conta.



Das várias vezes que fui a Viena, passei sempre pelo Prater, embora nunca lá tenha visto um jogo de futebol. É como se fosse uma peregrinação. Uma vez tive a alegria de pisar o relvado até o segurança nos vir convidar a sair para a pista de tartan. Antes disso, da primeira vez que lá fui, uns meses depois de conquistarmos a Taça UEFA, fiz questão de vestir a camisola e o cachecol do FCP e fiquei lá sentada um pedaço, a olhar para as bancadas, para o marcador, para o relvado. O marcador pareceu-me o mesmo, mas o relvado já não seria daquele tempo, nem as cadeiras. Mas isso que importa? É o lugar que é mágico. Lá sentada, deixei-me transportar para 28 27 de Maio de 1987 e cheguei mesmo a festejar o golo do Madjer, literalmente, como se estivesse lá. Muitos chamariam a isto loucura, mas eu chamo-lhe amor, e há quem lhe chame arte. Foi nessa perspectiva, no âmbito do festival TRAMA, que tive recentemente oportunidade de assistir a uma celebração ainda mais excêntrica dessa noite extraordinária, quando o suíço Massimo Furlan recriou de forma fantástica, no Dragão, os 90 minutos do Madjer nessa partida. E voltei a emocionar-me nesse dia, recordando um momento de que na realidade não me recordo. O coração tem destas coisas.

E só de escrever este texto já tenho os olhos rasos de água.

10 comentários:

  1. Enid, tinhas de me deixar com as lágrimas no rosto, é uma delícia relembrar Viena...;)

    Mesmo em relação ao nosso treinador,fizes-te uma descrição prefeita, ele é dos nossos, ele é PORTO!


    BIBÓ PORTO

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  2. Viena, Tóquio... numa só jornada veio à mente todas aquelas lindas recordações de 1987, entre tantas já vividas com o nosso Porto...
    Isto só faz ansiar mais mais pelo futuro museu do Dragão, como relembro no
    http://longara.blogspot.com/

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  3. O relógio já trabalha? É o mesmo? O que eu vi, deve ter-se avariado, tanto tempo que os segundos demoravam a passar...

    Obrigado, pela dupla viagem que me proporcionou: uma, pelas memórias da experiência irrepetível vivida.Outra, a que acabo de fazer através da sua maravilhosa discrição.
    Bem aja!

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  4. O 27 de Maio de 1987 (não 28, peço desculpa à Enid) é um dos dias mais felizes da minha vida. E, seguramente, também de muitos portistas que rejubilaram com uma vitória que espantou a Europa e o Mundo. Quase ninguém ousava apostar na vitória do grande FC Porto. Mas Pinto da Costa, nesse dia, cumpriu a promessa: alcandorar o Clube ao topo do futebol europeu e mundial. O FC Porto pela primeira vez na sua história era Campeão Europeu!

    Que alegria! Incontida, esfuziante! Pela primeira vez na minha vida festejei durante uma noite inteira (adivinhei o triunfo pois… meti férias que se iniciavam no dia seguinte. Vêem a minha fé?!). E, pela manhã, assisti à chegada dos nossos heróis num Estádio das Antas com milhares e milhares de portistas eufóricos. Que bela e inesquecível jornada. Também eu, Enid, só por escrever e recordar, já estou com os olhos rasos d’água. E a tremer de emoção. Quando vejo aquele golo do outro mundo, de Madjer, choro sempre, é impossível conter as lágrimas. E salto, como se fosse a primeira vez que o presencio.

    Perpetuar e relembrar os feitos do nosso Clube é uma obrigação da nossa geração. O FC Porto (ao contrário do que alguns consideram) não esquece os seus heróis. Antes desta linda e oportuna homenagem aos vencedores de Viena/87, já em 27 de Maio de 2007, por ocasião do 20.º aniversário do evento, houve celebrações no Estádio do Dragão onde estiveram muitos dos protagonistas da grande vitória. É um dever e uma honra que o nosso Clube cumpre na íntegra.

    Esperemos que, na mesma linha, o FC Porto crie um museu que dignifique a instituição e que evoque, com brilhantismo, o passado de honra, glória e vitórias. E que perpetue momentos… como o sorriso admirável do nosso André Villas Boas…

    Parabéns, Enid. Um lindo texto, um post lindo de morrer. Obrigado.

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  5. Ups!! Falha grave. Foi do sono! ;) Obrigada pela correcção. Mas não se preocupem que quando estive no Prater deixei-me transportar para o dia certo e a hora exacta :)

    O gif do AVB a festejar o 2º golo - sim, criei-o mesmo, e não me canso de olhar para ele até ficar tonta! - é este: http://i.imgur.com/8iok1.gif

    Obrigada pelos vossos comentários e pelas vossas recordações. E sim, não deixemos cair o tema museu... É inadmissível que um clube com o nosso palmarés não tenha ainda um espaço a celebrar a nossa história. Até me pergunto: onde estarão neste momento todas as taças? Em algum armazém? Enfim... :/

    Abraço e Bibó Porto!

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  6. Muito bonito Enid e porque é muito bonito?, porque sai cá de dentro do coração de uma portista de excelência.

    Quanto ao André, basta reparar no que já dizem do pior sobre ele, para ter a certeza que está no caminho certo.

    Beijinhos

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  7. O sorriso do Mister AVB é como dizes puro, genuíno, como dizia um jornalista da Lidador, está-lhe a dar um gozo do carago treinar este Porto, o clube do coração de todos nós e do AVB também e isso tb conta...

    Já outros sorrisos e lágrimas (não escondo) provocaste-me tu com mais esta obra prima de uma GRANDE Portista que tenho o prazer de conhecer... BJS


    PS- Estive lá Enid e sem ninguém ver cairam mais umas lágrimas. PORTOOOO!

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  8. Já começa a ser vulgar, mas não me canso de dizer mais um: Grande post Enid fantástico :D
    Também concordo que o Mister AVB com aquela cara não engana, aquele brilho nos olhos :)
    o Homem é Dragão !
    Jogos de tantas adversidades mas quanto pior o tempo mais Sabrosa é a vitoria.
    PS: Lucho sem ninguém ver caíram mais umas lágrimas. PORTOOOO!
    só quem te conhece .....
    Um grande Abraço

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  9. eNID,

    ler este teu pedacinho de sentimento, de paixão, de alma, de pORTISMO à flor da pele, desculpa lá, não se faz... um homem, que é homem, tb de derrete e se não chora, fica lá perto ;)

    sem desprimor para nenhum outro, porque todos eles são «fabulásticos», sendo um todo, a alma máter deste espaço de tertúlia, admito, dá-me um gozo especial ler os teus excertos... talvez por ser sob a pena de uma mulher, mas é diferente, não sei explicar, mas é!!!

    pARABÉNS por nos fazeres a todos, «transportar no tempo» e ficar arrepiados qb!!!

    Bj

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