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A caminhada europeia do FC Porto não vai bem. Nada bem, assumamos. Duas derrotas em casa nas primeiras três jornadas são algo nunca visto no Dragão, mesmo chamando o Artmedia à colação. Custa ver o Estádio do Dragão como um palco permissivo a equipas do calibre de um Atlético de Madrid ou de um Zénit, pese embora o crescimento de qualidade que estas equipas têm tido nos últimos cinco anos. Refira-se, em abono da verdade, que estes clubes são destino habitual das nossas maiores estrelas. Para bom entendedor, meia palavra basta.
Mas ainda há bem pouco tempo, o nosso covil era das arenas mais temidas do Velho Continente, onde Chelsea, Manchester United, Arsenal, Inter, entre muitos outros, sentiam enormes dificuldades, ora conseguindo miraculosos empates, ora saindo vergados a derrotas contundentes. É importante que essa áurea não se perca, que esse respeito não se esfume, que esse mito de invencibilidade e de Cidade Invicta não se dilua. Mesmo com o campeonato português a ser ultrapassado a médio prazo pelas ligas russa, turca, grega e ucraniana, por exemplo, a nossa mística terá sempre que prevalecer sobre os petrodólares onde assentam os plantéis construídos à imagem de constelações. Isto mais não é do que o peso da história. O peso da camisola. Afinal de contas, you can buy everything, but you can’t buy history.
Não iremos aqui escamotear o porquê da derrota frente ao Zénit. Já se falou do árbitro, já se falou de Hulk, já se falou de Fonseca, já se falou de tudo um pouco. A razão, como sempre nestas coisas, andará algures no meio termo. Todos são culpados, mas em última análise a culpa é só nossa. E já sabemos o óbvio: quando se tem azar a mais, não pode ser só azar. Deve haver alguma azelhice pelo meio.
Distribuindo as culpas por todos, não as colocando em ninguém em particular, temos que interiorizar que a equipa fez o que pôde para garantir outro resultado frente ao russos. Não foi possível, paciência. Ficar fora dos oitavos da Champions não é propriamente uma novidade. E jogar a Liga Europa também não é menosprezo nenhum, caso contrário Sevilha e Dublin não estariam no altar das nossas memórias futebolísticas.
Isto não retira o nosso estatuto de equipa Champions. E o objectivo terá que passar obrigatoriamente por ser presença cada vez mais assídua nos oitavos de final da mais importante competição europeia de clubes. Ainda tenho a secreta esperança de ir ganhar a São Petersburgo e a Madrid, mesmo sabendo que será muito complicado. Mas o FC Porto já nos habituou a acreditar nestas improbabilidades.
É compreensível que a massa adepta esteja insatisfeita. Eu também me sinto desiludido face ao que esta equipa prometia na pré-época. Mas não nos esqueçamos que a exigência em níveis demasiado altos conduz a obstáculos internos difíceis de ultrapassar, a bloqueios psicológicos kamikazes. A brutal cultura de exigência dos adeptos, criada em meados dos anos 90, não pode conduzir a uma total incapacidade de aceitar os insucessos do clube. E se é verdade que “não está escrito que não se pode ganhar sempre”, também não é menos verdade que nunca houve na história europeia equipas 100% vitoriosas e a vencer várias competições europeias seguidas. Isso não existe e é bom que se entenda que, neste patamar, a competitividade é imensa, alargada agora aos países do Leste europeu, controlados por magnatas que não olham a meios para reforçar as suas equipas com pérolas estrangeiras.
Importa conhecer a nossa própria história, a nossa própria caminhada europeia. É bom relembrar a tal travessia do deserto, os tais 19 anos sem ganhar o campeonato nacional, a ver os outros festejar, a sermos banalizados por essa Europ fora. Aconteceu ao FC Porto e não foi assim há tantos anos como isso. Mas a vida tem várias marés e estão sempre a mudar. Depois disso já se ganhou muita coisa. Depois do Artmedia, já fomos a Dublin. Por morrer uma andorinha, não se acaba a Primavera.
O que quero transmitir aos portistas é que confiem na nossa equipa. Perder contra o Atlético e contra o Zénit custa, bem sei. Mas atentemos na qualidade dos seus plantéis e na forma como se têm vindo a estruturar nos últimos anos. Dizer que o Atlético de Simeone este ano é um forte candidato à Champions não será para mim um exagero, aliás. Os outros também jogam, os outros também correm, os outros também querem ganhar. A nós compete-nos jogar com a nossa mística, com o peso da nossa camisola, com a nossa história, mas sabendo que, por vezes, o insucesso depende de um cartão vermelho e duas bolas nos ferros. Tal como na vida, as vitórias e as derrotas devem-se a pormenores, a acontecimentos aleatórios, a inúmeras variáveis impossíveis de controlar.
O Sporting chega ao Dragão na melhor fase dos últimos anos. Mas o entusiasmo leonino provêm de quê? De uma cultura de exigência ínfima, drasticamente reduzida nos últimos vinte anos devido aos resultados negativos em quase todas as frentes. Daí que uma pequena série de vitórias e de exibições mais ou menos bem conseguidas catapulta o clube para uma euforia e uma confiança desmedidas. Isso tanto pode ser bom, como pode ser mau. Cinco vitórias seguidas de Jardim galvanizam e acordam uma massa adepta adormecida. Cinco vitórias seguidas de Fonseca surgem como normais e – até! – obrigatórias, envoltas numa neblina de dúvidas e de desconfiança por parte dos sócios e dos jornais.
Percebem a diferença? O Sporting chega ao Dragão com uma confiança arrebatadora, com os seus jogadores a dizerem, cada um à vez, que não têm medo do Dragão e que vêm para ganhar. Depois vem o seu presidente dizer o mesmo. Os adeptos estão eufóricos. Os jornais embarcam na onda. O FC Porto recebe os leões num clima de dúvidas, de desconfiança, de ter que provar algo aos seus associados. A cultura de exigência, neste caso, surge como uma força de bloqueio psicológico.
Importa esquecer, por momentos, a estatística dos últimos anos. Importa esquecer o que cada clube ganhou nos últimos trinta anos. Importa receber os lagartos à moda antiga portuense. Importa berrar do primeiro ao último minuto. Importa não colocar toda a responsabilidade na equipa e nos jogadores. Importa que também nós, adeptos, sintamos essa responsabilidade e empurremos a equipa para a frente. Quem é que, na escola, gostava de fazer um teste com o Professor nas nossas costas a ver, em silêncio, inquisidor, as nossas respostas? Ultimamente, o nosso estádio parece esse Professor, sempre à espera que o aluno erre para fazer um “tsc tsc tsc”. O Professor que não percebe que o insucesso do aluno é o seu próprio insucesso.
Os jogadores estão lá para jogar, para dar o litro, como provaram diante do Zénit. Nós estamos lá para apoiar, para empurrar a equipa, não para sermos uma força de bloqueio, uma espécie de visitantes de museu, sempre a fazer crer que já vimos melhores jogadores, melhores jogadas, melhores treinadores, que já nada nos motiva, que já nada nos agrada, que já nada nos surpreende. Vamos deixar-nos de manias e de vaidades e vamos apoiar a equipa conforme ela merece. Estes jogadores já nos provaram que merecem os nossos cânticos. Lembrem-se do que passou João Pinto, aqui há uns anos, para erguer uma Taça de Portugal no Jamor frente à lagartagem. Vamos fazer como nas Antas de boa memória, vamos receber os lagartos conforme eles merecem. E eles merecem o mesmo que os outros: sofrer como cães e pagar a factura!
Rodrigo de Almada Martins
Realmente somos exigentes, os portistas são exigentes. É porque para os dragões ganhar não basta. Queremos futebol e queremos bom fu-te-bol. Sabemos que há contingências, que os outros também jogam, que recrutam as estrelas mais luminosas da galáxia, que, como diz a crónica, há mil pormenores que não se controlam e ditam a sorte do jogo. Eu, como adepto, aceito a derrota e aceito-a tanto mais quanto vejo qualidade nas vitórias dos outros. [Os lampiões é que, quando perdem, nunca é por culpa própria, custa-lhes aceitar o melhor futebol dos outros, ou simplesmente que as incidências do jogo não os favoreçam.] O que me pesa, portanto, não é perder, está no domínio das probabilidades dos três possíveis resultados de cada jogo. O que me pesa é não fazermos tudo o que está ao nosso alcance para ganhar. Contra o Zenith ficamos aquém das nossas possibilidades. Temos mais futebol do que aquilo que mostramos. Lutamos - e lutamos bem - mas cometemos erros infantis que pagamos caro. Alguém disse que perdemos um jogo mas ganhamos uma equipa... O jogo com o Sporting, em que juntamos brio, capacidade de decisão e pontaria afinada, parece ter confirmado esta tese. Assim seja.
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