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Pouco depois do término do Sporting – Porto, com derrota para os dragões, alguém vai deixar uma nota no facebook do lateral direito leonino: “Cédric, sei que anda tudo preocupado com o Helton e ninguém se lembra de ti, mas aqui estou eu para te dar o meu apoio. Perder os rins num clássico deve ser bastante chato e muito humilhante”. Assim, sem mais nem menos.
A jogada é de facto estrondosa, ideal para cativar uma criança ainda distante dos fascínios do desporto-rei. Dois toques de calcanhar deixando Cédric a perguntar onde está a bola e, para finalizar, a suprema classe e desfaçatez de oferecer um golo a Varela com um aparentemente simples cruzamento de letra. Só ao alcance dos grandes artistas.
No meio de uma progressiva germanização da Europa e do seu futebol, esta jogada de Ricardo Quaresma representa o último bastião daquilo que o futebol já foi: arte, magia, imprevisibilidade, talento. Numa altura em que se venera o enjoo que é o futebol de Guardiola, os músculos de Cristiano Ronaldo, a superioridade pornográfica de meia dúzia de equipas europeias, a solidez táctica de uma Juventus ou de um Chelsea, a vertigem atlética de um Borussia, os jogadores cerebrais e os petródolares que criam tubarões de um dia para o outro, o gesto técnico do Mustang é a prova de que o futebol de rua ainda vive, algo submerso é certo, mas sempre pronto a despontar.
A vida de um jogador de futebol raramente dá um bom livro, muito menos um bom filme. Não são políticos, não são escritores, nem sequer estrelas rock. As suas vidas limitam-se a 90 minutos semanais, ninguém está interessado em saber o que sucedeu durante o treino ou na pré-época, as conversas tácticas de gabinete, as sessões de fisioterapia, muito menos como passam a reforma. Um futebolista nasce quando se estreia como sénior pelo seu clube e morre quando, por entre lágrimas e ovações, deixa o relvado e desce aos balneários pela última vez. A semana de treinos é um hiato, um tempo morto, pendente, inexistente. A vida dos jogadores está, no fundo, bem documentada. Quem quiser sabe como viveu Zidane ou Maldini, basta procurar no YouTube um vídeo com 10 minutos e fica a saber o que fizeram, o que conseguiram, o que não conseguiram, como o conseguiram. A vida deles passa-se nos relvados e por isso diz Di Stéfano que o futebol não foi a sua vida, foi muito mais que a própria vida.
Mas Quaresma tem história para contar. Tem mundo vivido, quilómetros percorridos, globetrotter da bola, autêntico Jack Kerouac do futebol, um beat football player. Demasiado novo em Barcelona, selvagem o suficiente em Milão para nem Mourinho o domesticar, fugaz passagem por Stamford Bridge, do céu ao inferno no Besiktas, exílio forçado nos Emirados Árabes, dando “pérolas a porcos” com o seu talento. Tem biografia, tem vida, tem drama, tem tragédia, momentos brilhantes, luzes e sombras. Uma espécie de Garrincha dos tempos modernos, com vitórias e derrotas pessoais, com desaparecimentos e comebacks surpreendentes.
Tem 30 anos, lesões acumuladas, fracassos às costas, frustrações várias. Mas o que é que isso interessa? Ele é o como o Zizinho do Nélson Rodrigues, não envelhece nunca, pois “o tempo é uma convenção que não existe para o craque, nem para a mulher bonita. Existe para o perna-de-pau e para o bucha. Na intimidade da alcova, ninguém se lembraria de pedir à Rainha de Sabá, a Cleópatra, uma certidão de nascimento”.
Moeda de troca em Barcelona, ignorado por José Mourinho, fantasma em Londres, perseguido pelo presidente de um clube na Turquia, afastado dos grandes palcos nas Arábias. E, no entanto, carrega no corpo um talento a rodos, desmedido, demasiado pesado para o seu 1,75 m. Um corpo que, ao contrário de outros, só podia ter dado jogador de futebol. Calçando um ridículo 39 é difícil imaginar Quaresma com sucesso noutro desporto.
Diz hoje em entrevista a um jornal francês, em jeito de balanço: “tomei várias decisões erradas na minha carreira, quis fazer tudo depressa e acabei por me prejudicar”. Depois atira um facto indesmentível: “não sou inferior aos melhores, o que eles fazem eu também sou capaz de fazer”. E por fim, a conclusão amarga e dura, que ninguém quererá para a sua própria vida: “Mas o talento não faz uma carreira”.
O homem que trouxe a trivela e a rabona das ruas para os relvados, sabe que está a viver uma terceira ou quarta vida futebolística. Corre contra o tempo, contra as más-línguas, contra os interesses instalados, contra um seleccionador casmurro, contra um poder instituído que não lhe perdoa que vista e goste do azul e branco. Mas Quaresma nem para si mesmo é bom. Antes de bater o canto que ofereceu o golo a Jackson no mais recente clássico, provoca os adeptos encarnados com um beijo no símbolo do FC Porto. Depois de ver a bola nas redes, aponta-lhes o dedo e dedica-lhes o golo. Estas coisas não caem bem nos jornais da capital, já devia saber, mas ele não aprende. Não é desses que aprendem com os tropeções que a vida nos dá.
É por isso que gosto tanto de Ricardo Quaresma. Da sua ingenuidade, da sua teimosia, da sua maldade, da sua irreverência e rebeldia, da sua falta de respeito pelos defesas que o marcam. Como no bailado do San Paolo, serpenteando por entre os jogadores celestes, desafiando o espírito de Maradona. Como no golo de trivela a Petr Cech. Como na bomba da Supertaça Europeia frente ao Valência. Como na trivela na Luz após sentar David Luiz ou na Supertaça caseira após ludibriar Argel. Ou o magnífico golo à Bélgica e as suas imitações low-cost frente ao Gil Vicente, Rio Ave, Beira-Mar, entre outros. Ou aquele golo no Dragão a sobrevoar Quim. Ou a sua cópia frente ao Eintracht Frankfurt. Demasiadas obras-primas para que se possa ousar dizer que são fruto da sorte ou do acaso. Nos grandes momentos, nas grandes jornadas, sempre ele que surge, altivo, pose de craque, de artista, de mago, de malandro. Ar de quem sente e sabe ser superior aos demais.
Daqui a muitos anos, certamente iremos esquecer vários jogadores. Os certinhos, os que passam para o lado e para trás, os que correm muito, os extremos que estão lá para defender laterais, os extremos que “são muito bons tacticamente e fecham bem ao meio e na linha”. Todos esses vão-se-nos varrer da memória. Quaresma ficará, guardado nas cadernetas de cromos e nas gavetas da memória futebolística. Para que se possa dizer aos netos eu vi jogar o Ricardo Quaresma.
Porque, como li por aí algures, anão argentino é moda, namorado da russa é moda, mas o Cigano, esse, é foda!
Rodrigo de Almada Martins
A jogada é de facto estrondosa, ideal para cativar uma criança ainda distante dos fascínios do desporto-rei. Dois toques de calcanhar deixando Cédric a perguntar onde está a bola e, para finalizar, a suprema classe e desfaçatez de oferecer um golo a Varela com um aparentemente simples cruzamento de letra. Só ao alcance dos grandes artistas.
No meio de uma progressiva germanização da Europa e do seu futebol, esta jogada de Ricardo Quaresma representa o último bastião daquilo que o futebol já foi: arte, magia, imprevisibilidade, talento. Numa altura em que se venera o enjoo que é o futebol de Guardiola, os músculos de Cristiano Ronaldo, a superioridade pornográfica de meia dúzia de equipas europeias, a solidez táctica de uma Juventus ou de um Chelsea, a vertigem atlética de um Borussia, os jogadores cerebrais e os petródolares que criam tubarões de um dia para o outro, o gesto técnico do Mustang é a prova de que o futebol de rua ainda vive, algo submerso é certo, mas sempre pronto a despontar.
A vida de um jogador de futebol raramente dá um bom livro, muito menos um bom filme. Não são políticos, não são escritores, nem sequer estrelas rock. As suas vidas limitam-se a 90 minutos semanais, ninguém está interessado em saber o que sucedeu durante o treino ou na pré-época, as conversas tácticas de gabinete, as sessões de fisioterapia, muito menos como passam a reforma. Um futebolista nasce quando se estreia como sénior pelo seu clube e morre quando, por entre lágrimas e ovações, deixa o relvado e desce aos balneários pela última vez. A semana de treinos é um hiato, um tempo morto, pendente, inexistente. A vida dos jogadores está, no fundo, bem documentada. Quem quiser sabe como viveu Zidane ou Maldini, basta procurar no YouTube um vídeo com 10 minutos e fica a saber o que fizeram, o que conseguiram, o que não conseguiram, como o conseguiram. A vida deles passa-se nos relvados e por isso diz Di Stéfano que o futebol não foi a sua vida, foi muito mais que a própria vida.
Mas Quaresma tem história para contar. Tem mundo vivido, quilómetros percorridos, globetrotter da bola, autêntico Jack Kerouac do futebol, um beat football player. Demasiado novo em Barcelona, selvagem o suficiente em Milão para nem Mourinho o domesticar, fugaz passagem por Stamford Bridge, do céu ao inferno no Besiktas, exílio forçado nos Emirados Árabes, dando “pérolas a porcos” com o seu talento. Tem biografia, tem vida, tem drama, tem tragédia, momentos brilhantes, luzes e sombras. Uma espécie de Garrincha dos tempos modernos, com vitórias e derrotas pessoais, com desaparecimentos e comebacks surpreendentes.
Tem 30 anos, lesões acumuladas, fracassos às costas, frustrações várias. Mas o que é que isso interessa? Ele é o como o Zizinho do Nélson Rodrigues, não envelhece nunca, pois “o tempo é uma convenção que não existe para o craque, nem para a mulher bonita. Existe para o perna-de-pau e para o bucha. Na intimidade da alcova, ninguém se lembraria de pedir à Rainha de Sabá, a Cleópatra, uma certidão de nascimento”.
Moeda de troca em Barcelona, ignorado por José Mourinho, fantasma em Londres, perseguido pelo presidente de um clube na Turquia, afastado dos grandes palcos nas Arábias. E, no entanto, carrega no corpo um talento a rodos, desmedido, demasiado pesado para o seu 1,75 m. Um corpo que, ao contrário de outros, só podia ter dado jogador de futebol. Calçando um ridículo 39 é difícil imaginar Quaresma com sucesso noutro desporto.
Diz hoje em entrevista a um jornal francês, em jeito de balanço: “tomei várias decisões erradas na minha carreira, quis fazer tudo depressa e acabei por me prejudicar”. Depois atira um facto indesmentível: “não sou inferior aos melhores, o que eles fazem eu também sou capaz de fazer”. E por fim, a conclusão amarga e dura, que ninguém quererá para a sua própria vida: “Mas o talento não faz uma carreira”.
O homem que trouxe a trivela e a rabona das ruas para os relvados, sabe que está a viver uma terceira ou quarta vida futebolística. Corre contra o tempo, contra as más-línguas, contra os interesses instalados, contra um seleccionador casmurro, contra um poder instituído que não lhe perdoa que vista e goste do azul e branco. Mas Quaresma nem para si mesmo é bom. Antes de bater o canto que ofereceu o golo a Jackson no mais recente clássico, provoca os adeptos encarnados com um beijo no símbolo do FC Porto. Depois de ver a bola nas redes, aponta-lhes o dedo e dedica-lhes o golo. Estas coisas não caem bem nos jornais da capital, já devia saber, mas ele não aprende. Não é desses que aprendem com os tropeções que a vida nos dá.
É por isso que gosto tanto de Ricardo Quaresma. Da sua ingenuidade, da sua teimosia, da sua maldade, da sua irreverência e rebeldia, da sua falta de respeito pelos defesas que o marcam. Como no bailado do San Paolo, serpenteando por entre os jogadores celestes, desafiando o espírito de Maradona. Como no golo de trivela a Petr Cech. Como na bomba da Supertaça Europeia frente ao Valência. Como na trivela na Luz após sentar David Luiz ou na Supertaça caseira após ludibriar Argel. Ou o magnífico golo à Bélgica e as suas imitações low-cost frente ao Gil Vicente, Rio Ave, Beira-Mar, entre outros. Ou aquele golo no Dragão a sobrevoar Quim. Ou a sua cópia frente ao Eintracht Frankfurt. Demasiadas obras-primas para que se possa ousar dizer que são fruto da sorte ou do acaso. Nos grandes momentos, nas grandes jornadas, sempre ele que surge, altivo, pose de craque, de artista, de mago, de malandro. Ar de quem sente e sabe ser superior aos demais.
Daqui a muitos anos, certamente iremos esquecer vários jogadores. Os certinhos, os que passam para o lado e para trás, os que correm muito, os extremos que estão lá para defender laterais, os extremos que “são muito bons tacticamente e fecham bem ao meio e na linha”. Todos esses vão-se-nos varrer da memória. Quaresma ficará, guardado nas cadernetas de cromos e nas gavetas da memória futebolística. Para que se possa dizer aos netos eu vi jogar o Ricardo Quaresma.
Porque, como li por aí algures, anão argentino é moda, namorado da russa é moda, mas o Cigano, esse, é foda!
Rodrigo de Almada Martins
Um texto que faz jus aquilo que é realmente este grande jogador. Depois do Deco, o Ricardo Quaresma é o jogador do Porto de quem eu mais gostei, e neste caso gosto, de ver jogar no nosso clube. Como num texto que li aqui, penso do RCBC, quando o quaresma voltou, este é certamente o último comboio da carreira para quaresma, mas penso, sinceramente, que ele esta com vontade de o apanhar.
ResponderEliminarQue grande jogador!
Ouvi a 1/2 semanas da boca de algum comentador, já não me lembro quem, aquilo que o quaresma tera dito ao treinador do Barcelona quando ele jogava lá, quando este o tentou domar taticamente: "Eu sou o Ricardo Quaresma, Vocês contrataram-me por eu ser o Ricardo Quaresma e eu vou continuar a ser o Ricardo Quaresma".
Isto demonstra bem o génio que este jogador é!
Esperemos poder vir a contar ainda com muitos golos dele esta época, e nas próximas, e com a sua presença no mundial (por favor Bento abre os olhos).
Cumprimentos,
misticini
Excelente texto a homenagear um jogador que ficará para sempre na nossa memória com momentos inesquecivéis.
ResponderEliminarDurante os anos que cá esteve Quaresma era falado no estrangeiro e temido até nos campos mais complicados.
Só no Porto, Quaresma é reconhecido admirado e acarinhado. Pena ele ter precisado de percorrer meia-Europa para perceber que o clube afinal não é assim tão pequeno para o grande jogador que ele é.
Esperemos que ainda dure alguns anos e sempre com a mesma magia e imprevisibilidade.
Saudações Portistas!
é exactamente isto. texto muito inteligente. fixe.
ResponderEliminarExcelente texto.Tudo dito.Nada por dizer.E isso mesmo.
ResponderEliminarJá muito se terá dito e escrito sobre Ricardo Quaresma. Mas este texto, versando sobre o talento de um grande jogador, é talvez dos mais encomiásticos. Com os seus defeitos e qualidades RQ é, de facto, um caso à parte no futebol português. Digamos, porém, que o talento não chega para tudo mas é certo que dá gozo vê-lo jogar.
ResponderEliminarQUARESMA grande jogador ha pessoas que não sabem ver FUTEBOL
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