Direito à indignação

“Não me digas que não estavas à espera”. Foi assim, com esta naturalidade enorme, que o meu pai reagiu à notícia-bomba dos últimos dias. Pinto da Costa vai a julgamento, acusado de corrupção desportiva. E ao vê-lo, na sabedoria dos seus quase 70 anos, sereno e pouco expectante em relação ao tema, como se a acusação formulada fosse algo escrito nas estrelas, demorei a responder…

“Estava à espera?”, comecei a pensar, deixando o cérebro recuar no tempo, analisando racionalmente os factos. “Estava”, concluí. Mas nem esse sentimento de conhecimento de facto retirou algum drama à imprevisibilidade do soco. Um murro. No estômago. Foi assim que vivi a notícia e os dias subsequentes. Sorrisos nos rostos do inimigo, um ar de felicidade espelhada em rostos habitualmente circunspectos, uma euforia generalizada na sociedade em geral, uma série de artigos inflamados em jornais ditos de referência, onde alguns procuraram ajustar contas antigas…

Por muito que me tenha preparado para isto, existia uma parte de mim, naif, que fervorosamente acreditava na Justiça. No estereótipo da mesma. Uma figura feminina, de olhos vendados, simbolizando a imparcialidade do julgamento, segurando uma balança, que se deveria manter equitativamente nivelada. “Mas isto, caro Paulo, é num Mundo perfeito”, casquinou a minha consciência, gozando com a minha ingenuidade…

E eu fui forçado a reformular conceitos que dava como adquiridos. Portugal é um País de gente mesquinha. Cinzenta. Invejosa. Todos nós nos deparamos, diariamente, com exemplos disto. Nas mais díspares situações. O funcionário público carrancudo, de olhos baixos, fazendo mecanicamente o atendimento. O colega do lado no trabalho, maquinando meios de conseguir resultados melhores do que os nossos. Os falsos amigos, congeminando e remoendo estratégias devastadoras, almejando as nossas conquistas. E se a sociedade em geral é assim, porque deveria o mundo do futebol português ser diferente?

O Porto entrou, décadas atrás, num cenário diferente. Apesar do seu passado secular, o clube nortenho sempre foi visto como um parente afastado, sobre o qual recaiam as graçolas familiares, mas tolerado quando resolvia vir à cidade. Vinha pouco, inicialmente, anos a fio sem visitar os seus parentes urbanos. Até um dia…

Um dia em que, com um novo motorista ao volante, veio e ficou. Gostou dos holofotes do mediatismo. Dos grandes palcos. Do brilho da fama. E esta cresceu desmesuradamente, empalidecendo os nobres da família. A inveja, qual erva daninha, encontrou um território ideal para se alimentar…

Esta analogia serve na perfeição para desmontar a “mãe de todos os ataques”. O ditador, já falecido, do Iraque tratou assim, com esta expressão, a invasão do seu País. Desde 2005 que na forja estava um ataque sem precedentes. Sem olhar a meios. Ele veio. Em força. Livro, filme, testemunhos, pressão nos média, numa vendetta tipicamente italiana, à boa maneira da máfia. O alvo, bem definido, era o “motorista” que guiou o clube da cidade do Porto a patamares nunca vistos. E, por arrasto, o próprio clube…

Pese todo o circo mediático que rodeia e rodeará o caso, existe algo de inabalável na crença de todos os portistas: gratidão e orgulho. Ambos os sentimentos andam de mãos dadas. Gratidão por alguém que, imbuído do mesmo fervor clubista, numa paixão sem limites, soube adaptar o clube aos tempos modernos, transformando-o num clube vencedor, sem medos nem receios, dotando-o de infra-estruturas que o alcandoraram a um lugar entre a elite europeia. Orgulho por isso mesmo. Por sabermos sempre que somos. De onde viemos. E o caminho que tivemos que percorrer, até chegar ao topo…

Um caminho sofrido, cheio de vicissitudes, de obstáculos, de armadilhas. Um clube que é forjado no sofrimento, que encontrou sempre forças para resistir ao poder vigente, numa mescla indómita de vontade e perseverança.

Nascido numa família de portistas, ao mesmo tempo que estudava as dinastias da monarquia na escola primária, bebia dos conhecimentos infindáveis do meu avô. Horas a fio, olhos em transe, a mente como uma esponja, ouvindo histórias dignas de filmes americanos. Inocêncio Calabote, nos meus 7 anos, deixou de ser um nome esquisito. Passou a ser sinónimo de corrupção. De gente que nunca olharia a meios para vencer.

Mário Luís, alcunhado de o “Chinês”, convidado despudorado do Sporting, embarcando numa viagem de digressão ao país asiático, findo um encontro polémico da Taça, envolvendo os leões, largamente beneficiados, e o Porto.

E assim fui crescendo, perdendo a bonomia que me caracterizava, olhando para o mundo da bola indígena com alguma apreensão, onde o polvo, cheio de tentáculos nos jornais e nas tv’s, branqueava os sucessivos escândalos a favor dos encarnados, ajudando a construir a sua glória com truques manhosos e meios ilícitos.

Por isso, as parangonas nos jornais, disfarçadamente felizes anunciando o julgamento do nosso presidente, não me causaram grande aflição. No fundo já se sabia. Desde que os casos arquivados foram reabertos. Com a entrada em cena da Paladina.

Clama-se por Justiça. Justiça? Duvido. Quando alguns passeiam a sua impunidade, escolhendo árbitros a seu bel-prazer, mudando locais de jogos, coagindo testemunhas, patrocinando livros, financiando filmes, mudando jogos por capricho, levando-os para outras paragens, com manobras de bastidores envolvendo dirigentes com acções nas SAD’s de clubes adversários, é porque se chegou a um ponto de não retorno. A uma espécie de vale tudo, por uns minutos de glória, mesmo que esta seja comprada.

A nossa situação actual faz-me lembrar o conturbado mundo diário do Médio Oriente. Jovens descalços, oprimidos, lutando heroicamente, munidos de pedras, na sua Intifada, contra um inimigo poderoso, numa correlação de forças obscenamente desnivelada.

O meu pai abana a cabeça, com um sorriso resignado, quando me ouve a opinar, inflamado. “És um fundamentalista”, atira ele. Mas não sou. Sou pior. Aliás, tornaram-me pior. Num extremista. O futebol português deixou de ser um desporto. Desistiu de ser um espectáculo. Passou a ser uma guerra. Sem quartel. Haverá quem ache o meu discurso belicoso, extremado, exagerado. Mas parece-me evidente que, no estado actual de coisas, isto já não se limita a ser um entretenimento. Querem-nos destruir. Mas não conseguirão! Porque, bem lá no fundo, eles sabem a verdade. Ela aparece-lhes nos sonhos e atormenta-os durante o dia. Sabem que somos melhores. E temem-nos por isso. Assim, como afirmei a alguns amigos meus, a perda dos 6 pontos, o novo acincalhamento que nos reservam, não resolverá nada. Porque a qualidade, a raça, a vontade de vencer, a mística portista, são bem superiores a todas as manobras que inventem...

Provando, no entanto, que os adeptos do FCP são magnânimos, aqui ficam algumas sugestões aos doutos juízes que irão julgar o mais recente caso:

- a perda do triplo dos pontos agora propalados [alguém que ensine a tabuada ao Chalana e ao chefe dele], visando com esta medida incrementar a tão falada competitividade no futebol luso, tornando este final de competição mais emocionante;

- a obrigatoriedade de, nas jornadas que restam, o Porto entrar sempre em campo com 10 elementos, jogando com igual número até final dos 90 minutos. O elemento em falta seria retirado após uma consulta ao técnico adversário. Assim, caso Daúto Faquirá o queira, poderá obstar à participação no jogo com o Estrela um jogador portista à sua escolha.

- decretar que até final da temporada todos os jogos do Porto se disputem em Estádios localizados a mais de 200 quilómetros da Invicta. A escolha do local do jogo seria obtida num referendo aos adeptos dos clubes situados entre o 2º e o 5º lugar do campeonato. Os mausoléos possíveis, para não alargar demasiado a escolha seriam: Estádio da Luz, Estádio Municipal de Oeiras ou, em alternativa, o Estádio do Algarve [neste caso, a opção viagem+ bilhete ficaria a cargo da agência de viagens José Veiga, com experiência no percurso em causa];

- diligenciar no sentido de as forças policiais impedirem, por todos os meios, a comparência nos locais dos jogos de adeptos portistas. A liderança desta força policial, envolvendo vários ramos das forças armadas, pela perigosidade dos adeptos em causa, seria efectuada pelos zelosos agentes da PSP que, heroicamente, impediram a comparência da claque portista na final do hóquei, na temporada passada;

- os espaços vazios nas bancadas seriam holograficamente preenchidos com imagens de ícones nacionais, com serviços relevantes ao País, ajudando a fomentar o turismo além-fronteiras: Eusébio, Vale e Azevedo, Leonor Pinhão, Saldanha Sanches, José Manuel Delgado, João Querido Manha, Rui Cartaxana, Inocêncio Calabote, Calado, etc...

- procurando fomentar a prática da leitura, o preço dos bilhetes para os desafios portistas incluíria a oferta de um best-seller da literatura nacional, com edição autografada pela própria escritora, a excelsa Carolina Salgado [nos intervalos das partidas, assistir-se-ia a um dueto da mesma com um varão inóx, no centro do relvado, relembrando outros tempos];

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Podem adiar a festa por algumas semanas, mas não nos impedirão de dizer, alto e bom som: "Campeões, campeões, nós somos campeões..."