11 maio, 2010

3 comentários:

  1. Quando os vencidos são vencedores,
    por Miguel Sousa Tavares n´A Bola

    1 O grande vencedor do fim-de-semana desportivo foi Frederico Gil, o primeiro português a chegar à final do Estoril Open e de uma prova do ATP, onde esteve a um pequeníssimo suplemento de alma da vitória. É verdade que o fim-de-semana teve outros vencedores — o Sporting de Espinho ganhou o campeonato nacional de voleibol ao Benfica, o FC Porto praticamente garantiu o título no andebol (a juntar ao de hóquei em patins), e o Belenenses ganhou a Taça de Futsal ao Benfica e está em posição privilegiada para fazer a «dobradinha». Portimonense e Beira-Mar regressaram à I Liga (vocês viram o quintal de aldeia onde a Oliveirense se propunha jogar na I Liga, se tem derrotado o Portimonense? Uff...!). Até o Sporting, como bem lembrou José Eduardo Bettencourt, parece que ganhou qualquer coisa no ping-pong, na natação e no xadrez. E Radomel Falcao, na sua primeira época em Portugal, ganhou a «Bola de Prata», título atribuído ao melhor marcador do campeonato. Mas o grande vencedor foi, de facto, Frederico Gil.
    O ténis é um jogo de momentos: raramente um jogador consegue, ao longo da partida, manter-se sempre por cima nos níveis de concentração, motivação e jogo. A alternância de momentos entre os jogadores é a regra, e isso, mais o facto de não consentir tácticas defensivas, é o que faz do ténis, na minha opinião, o mais bonito e emocionante de todos os desportos. Frequentemente, para além do deslumbramento com a qualidade técnica dos jogadores de topo, o que torna um jogo de ténis um espectáculo arrebatador é esse lado de combate singular entre dois gladiadores. Quem, como eu, teve a sorte de ver a inesquecível final de Wimbledon entre Bjorn Borg e John McEnroe, nunca mais a esquecerá, enquanto viver. Anteontem, na final desse torneio que Portugal deve à capacidade de iniciativa de João Lagos, Frederico Gil soube agarrar o seu momento, quando ele passou — com alma, com coragem, com um surpreendente nível de desempenho, face ao 36.º jogador do ranking ATP e detentor em título do torneio. E por pouco, por muito pouco, conseguia a vitória, quando o momento virou a favor do adversário e ele, fazendo das tripas coração, quase conseguia contrariar um destino traçado.

    Pena que, para um jogo tão emocionante e tão bem jogado, algum público presente não tenha estado à altura. Eu sei que grande parte daquele público dos camarotes está ali para ver e ser visto e raramente para ver ténis. Assim como a Moda Lisboa ou o Portugal Fashion, o Estoril Open tornou-se um destino obrigatório do jet set e do «jet seis» — gente que acha que o melhor do ténis é o almoço na «tenda VIP» e as fotografias para as revistas sociais. Mas, apesar de tudo, talvez a organização devesse distribuir-lhes à entrada um manual de bom comportamento, onde se explicasse, por exemplo, que é muito foleiro falar ao telemóvel durante o jogo, e que o ténis é um dos últimos redutos do desportivismo — onde é impensável aplaudir ou vaiar o adversário do nosso favorito, quando ele falha uma bola de serviço. As instruções de Jorge Jesus para assobiar sempre os adversários a fim de os desconcentrar destinavam-se a um jogo de futebol do Benfica no Estádio da Luz, e não a um jogo de ténis no Jamor. A ver se para o ano percebem a diferença...

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  2. 2 O outro grande vencedor individual do fim-de-semana foi o colombiano Radomel Falcao. À entrada para o último jogo, domingo passado, o seu adversário nessa disputa mano-a-mano, Óscar Cardozo, levava quatro golos a menos do que Falcao, embora só um contasse oficialmente: os outros três, golos limpinhos e bonitos, foram gamados ao portista por árbitros e fiscais-de-linha com excesso de zelo. Mesmo assim, Cardozo precisava de dois golos e a verdade é que só marcou um (embora indevidamente se tenha auto-atribuído dois, logo secundado por colaborantes observadores e coberto pelas imagens não explicitas da Sport TV). Terminaram assim empatados com 25 golos cada, mas como Falcão tinha menos jogos disputados (um deles por oportuna cortesia de Pedro Henriques, mesmo antes do FC Porto-Benfica), foi ele que, segundo as regras aplicáveis, venceu a Bola de Prata.

    E venceu com todo o mérito e toda a justiça. Não só porque, de facto, marcou mais três golos dos que lhe validaram, como também porque dispôs apenas, para engrossar o número, de quatro penalties, dos quais converteu três, enquanto que o seu desafiante dispôs de onze e converteu oito: e marcar de penalty é bem mais fácil. E, depois, enfim, porque, apesar do valor de Cardozo, que não se discute, Falcao é muito melhor jogador e ponta-de-lança que o canhão paraguaio, e não dispôs, atrás de si, de um meio-campo ofensivo com a qualidade do que serviu Cardozo toda a época. Mas, como bem notou o próprio Falcão, «há coisas estranhas no futebol português». Pois há.

    3 Ora veja, a propósito do Benfica-Rio Ave, tanta coisa estranha e que a imprensa achou por bem silenciar, para não levantar ondas, neste momento de festa nacional:

    a) - Como já é de tradição, o Benfica teve a casualidade de enfrentar um adversário num jogo decisivo quando um dos jogadores deste já estava comprado pelo Benfica para a época seguinte: Fábio Faria, «uma referência da linha defensiva do Rio Ave, ao longo de toda a época», como se escreveu em A Bola. É a velha questão dos «nossos» jogadores ao serviço dos outros, jogando contra «nós». O Olhanense, por exemplo, recheado de jogadores do FC Porto, foi ao Dragão e roubou-nos dois pontos: mas, contra o Benfica, um dos «nossos» ao serviço do Olhanense, falhou um golo feito e outro ofereceu um golo: olha, se tem sido ao contrário? Neste caso, porém, ninguém se lembraria de duvidar, por antecipação, da lealdade do jogador do Rio Ave ao clube que ainda lhe paga. Ninguém? Não: ele próprio duvidou e disse que achava melhor não jogar. Confrontado com esta reveladora declaração, Carlos Brito achou mais prudente fazer-lhe a vontade. A «transparência» é isto.

    b) - O Rio Ave também tem um jogador chamado Wires, de que eu nunca tinha ouvido falar e que teve uma entrada surpreendente no jogo. Aos 14 segundos (!), com tempo e espaço para aliviar uma bola, resolveu ficar a engonhar, até a perder e «ver-se obrigado» a cometer falta à entrada da área contra a sua equipa; três minutos depois, repete o estranho embaraço e a jogada acaba no primeiro golo do Benfica; mais seis minutos e é expulso — mas, dessa vez, sem culpa própria, apenas proporcionando o pretexto. Mas que jogo para recordar!

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  3. c) - Feliz e aliviado, Jorge Sousa avançou para Cardozo e mostrou-lhe o amarelo, quando ele despiu a camisola para celebrar o segundo golo. Assim, pensou ele, salvavam-se as aparências: os amarelos aos de Vila do Conde por dá cá aquela palha, em contraste com a sublime passividade perante as entradas de Luisão, Ramires, Airton. Isto claro, sem falar do glorioso cartão vermelho directo que ele sacou para o tal Wires, por uma entrada simultânea e mútua de pé em riste com o Airton, estavam decorridos cinco minutos de joguinho — que logo ficou resolvido. Eu sei o que chamo àquilo, mas cada um chame-lhe o que quiser... Consta, aliás, que Jorge Jesus costuma dividir os treinos em duas partes: numa, a equipa principal treina contra onze; na outra metade, treina só contra dez. Porque, enquanto que por esse mundo fora e em obediência a regras muito antigas, o futebol costuma ser jogado onze contra onze, já o Benfica, um terço das vezes, como notou Domingos, joga onze contra dez.

    d) -Dois pequenos «pormenores» no primeiro golo do Benfica: para começar, é antecedido de um remate de Saviola em off-side, que Carlos defende para a frente, permitindo a recarga para golo; depois, o remate para a baliza é um auto-golo de Gaspar, que, quando levanta a perna para afastar a bola, leva um pontapé de Cardozo por baixo, que a faz mudar de direcção. Não só não foi golo de Cardozo, como nem sequer foi golo que se valide. Não posso jurar pela segunda situação (as imagens da TV não são completamente conclusivas), mas o off-side é flagrante. Os campeões também precisam de sorte, não é o que dizem? E de silêncio.

    4 Para azar do Benfica e de Ricardo Costa, desde que o Hulk voltou a jogar, o FC Porto soma nove jogos, nove vitórias. E isso dá que pensar, sobre os efeitos do túnel e outras coisas mais. Durante muito tempo, achei, todavia, que, com túnel ou sem túnel, o Benfica merecia ganhar este campeonato, porque era a equipa que melhor jogava, mais atacava e tinha «melhor nota artística», como disse Jorge Jesus. Mas a verdade é que um campeonato não são 15, nem 20, nem 25 jornadas: são 30 e o saldo final deve-se fazer às 30. E, no último terço do campeonato, desapareceu aquele Benfica que jogava mais e melhor (até o Rio Ave, com dez, lhe deu uma lição de bola) e ficou apenas uma profusão de penalties a favor e de adversários expulsos. E, então, assalta-me a dúvida: o que teria feito o FC Porto, se tem disposto de 11 penalties a favor, um terço dos jogos em superioridade numérica, fiscais-de-linha atentos a off-sides inexistentes e o Hulk em jogo durante os decisivos três meses em que a prepotência de Ricardo Costa o retirou de cena?

    Miguel Sousa Tavares

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