29 janeiro, 2011

Um século de saudade

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Neste domingo, 30 de Janeiro de 2011, completa-se um século sobre o falecimento de uma das personalidades históricas que mais gozo me teria dado conhecer: José Monteiro da Costa. Quem me conhece bem certamente já me ouviu dizer que, se tivesse um Delorean voador, não hesitava em programá-lo para regressar ao Porto do início do século, de modo a assistir ao renascer do nosso magnânimo clube pela mão de um Senhor com S muito maiúsculo.

Uma confidência potencialmente controversa: valorizo muito mais Monteiro da Costa do que Nicolau d'Almeida. Este último teve o grande mérito de ter fundado o nosso clube e marcado a história do futebol na cidade e no país, mas abandonou-o, e ao que consta por motivos fúteis. A sua esposa achava que o futebol não era desporto de gentlemen, e isso determinou uma deserção que poderia ter levado a que o FC Porto como hoje o conhecemos não existisse. Hoje cantamos que “a namorada eu deixei (…) p'ra te dizer que até morrer Porto te amarei”, mas Nicolau d'Almeida fez o contrário. Já alguma vez reflectiram sobre o que seria do FC Porto se não fosse José Monteiro da Costa? Nada mais que uma mera curiosidade de meia dúzia de meses, perdida entre os relatos da história do futebol na cidade do Porto. Peço-vos que contemplem esta possibilidade, e de seguida olhem para a nossa história e o nosso presente. Não vos dá vontade de fazer uma vénia?

Para uma biografia completa do nosso grande refundador, remeto-vos para (quem mais?) o historiador de serviço, Dragão Azul Forte. Mas aqui ficam algumas luzes apenas, em forma de tributo.

Não foram mais de três décadas de vida (segundo algumas fontes, terá até falecido antes, aos 29), mas três décadas que deixam uma profundíssima marca na cidade e no país. Uma marca com nome e duas cores, o azul e o branco, pessoalmente escolhidas por JMC porque a ambição com que refundava o nosso clube era já na altura a mesma que hoje nos move. O FC Porto “havia de ser grande, não se limitando a defender o bom nome da cidade, mas também o de Portugal em pugnas desportivas contra estrangeiros”.

Na primeira década do século passado liderava o Grupo do Destino, uma organização nascida nos finais do século XIX e que António Martins, um dos seus membros e também ele refundador do Foot-ball Club do Porto, descreve da seguinte forma, em crónica publicada na revista O Tripeiro em Março de 1926:
    “Existia, há trinta e tal annos no Porto O Grupo do Destino, composto de uma rapaziada alegre, ruidosa, entusiasta, buliçosa, cuja missão era divertir-se, após as horas de trabalho. Não havia local onde bem se comesse e melhor se bebesse que O Grupo do Destino não conhecesse! Rima e era verdade! Aquilo eram bons estomagos e bons gastronomos! Partidas, piadas, blagues, bom humor, tal era o programa do Grupo do Destino. As suas festas marcavam pela originalidade e decorriam sempre cheias de grande entusiasmo! Com que recordações lembramos essa mocidade cheia de alegria e vivacidade!”
Após uma viagem com o seu pai por Espanha, França e Inglaterra, JMC travou o primeiro contacto com um estranho jogo estrangeiro. Ao longo da viagem escreveu aos seus amigos por diversas vezes gabando as qualidades deste seu novo interesse, e ao regressar ao Porto não perdeu tempo e sugeriu ao grupo a organização de um jogo de foot-ball. Na assembleia levada a cabo para avançar com este projecto surgiram dois obstáculos: o primeiro, o facto dos membros do Grupo do Destino, com a excepção de JMC, desconhecerem totalmente o jogo; o segundo, a necessidade de recursos financeiros. O primeiro obstáculo foi descartado com uma histórica frase citada por António Martins na sua crónica: “dar pontapés na bola é facílimo!”. Ainda bem que assim pensavam os nossos refundadores...

Já o segundo obstáculo exigiu que se tomasse uma decisão importante: fazer reverter as quotas que os sócios vinham pagando – originalmente destinadas à apresentação de um carro do grupo no cortejo carnavalesco do ano seguinte – para a criação de um clube de foot-ball. Decisão tomada, e tomado também conhecimento de que o seu amigo António Nicolau d'Almeida fundara há quase 15 anos um projecto idêntico, entretanto adormecido, colocou-se mãos à obra. O Foot-ball Club do Porto ressurgia, pela mão de um jovem visionário chamado José Monteiro da Costa.

Monteiro da Costa não apenas refundou o FC Porto, tendo também ocupado o cargo de presidente por cinco anos, nos quais expandiu em muito os horizontes do clube, começando a traçar o caminho de ambição e glória que ainda hoje percorremos. Foram muitos os seus feitos: tornou o clube ecléctico, deu-lhe o primeiro campo relvado do país, balneários, emblema, jogos internacionais. Era um homem que não se limitava a mandar, antes arregaçava as mangas para todo o tipo de trabalho. O seu colega Ivo Lemos afirmava que JMC se ocupava pessoalmente de tudo, "desde a constituição dos grupos e convites para os jogos e treinos até à elaboração dos convites aos sócios (e pessoas de sua família) e a elementos oficiais para assistirem às festas no parque de jogos da Rua da Rainha".

Em reconhecimento, os seus companheiros decidiram criar uma taça com o seu nome: a Taça José Monteiro da Costa, cujo troféu em prata custou na altura 60 escudos e que foi instituída como uma espécie de Campeonato do Norte de Portugal, com a participação de FC Porto, Boavista, Leixões e Académica de Coimbra. Contudo, José Monteiro da Costa viria a falecer de doença sem poder sequer assistir aos primeiros jogos da competição, que logo na sua primeira edição seria o primeiro título oficial da nossa história.

A Taça José Monteiro da Costa disputou-se apenas até 1915/16, tendo nós vencido cinco das seis edições do troféu. Gostaria que ainda hoje houvesse uma taça com este nome na AF Porto, ainda que nos escalões mais jovens. Afinal, as razões para homenagear José Monteiro da Costa não desapareceram; pelo contrário, acumulam-se a cada ano e a cada dia da gloriosa existência deste clube que tanto amou.

Em 1933 Rodrigues Teles escreveu o seguinte, presumivelmente sobre a brilhante conquista do Campeonato de Portugal 1931/32: “José Monteiro da Costa não pôde assistir ao maravilhoso apogeu a que chegou o seu 'pequenino' club. Se o destino, por vezes cruel, não lhe tem arrancado a vida, ainda veríamos Monteiro da Costa partilhar desta época gloriosa, e mais gloriosa ainda, porque teve um passado sem mácula a desbravar-lhe o caminho”. O que escreveria hoje, depois de ver o nosso clube por mais do que uma vez no topo da Europa e do Mundo? E tudo, sublinhe-se mais uma vez, graças à dedicação e ao empenho inabaláveis de Monteiro da Costa.

Ainda Rodrigues Teles: “Este nome perdurará imarcescivelmente durante todas as gerações do Foot-ball Club do Porto, e a ele irão buscar incentivo todos aqueles que na sua carreira dentro do club “azul branco” tenham por acaso um momento de desânimo.”

Acrescento apenas: muito, muito obrigada.

6 comentários:

  1. Em primeiro lugar, parabéns pela oportunidade e pela efeméride brilhantemente ideada. De facto é de génio trazer à ribalta o dia 30 de Janeiro, um século depois do de 1911. Porque não se trata de um dia qualquer. Ele lembra o nome do homem a quem se deve a existência do FC Porto. Quanto a isso, por mim, não há controvérsia e dou à Enid absoluta razão. O mérito atribuído a José Monteiro da Costa é absolutamente justo. Sem retirar valor ao que António Nicolau d’Almeida representa.
    José Monteiro da Costa era um homem extraordinário e sinto nas suas palavras, Enid, que nutre como eu um orgulho enorme pelo saudoso (re)fundador do nosso querido Clube.

    Adorei o seu post e gostaria que fosse lido pelos portistas mais jovens para reforçarem o seu amor clubista. Os bons exemplos são para se cultivarem e até podemos associar Monteiro da Costa e Pinto da Costa sem o risco de cometermos algum sacrilégio. Um refundou o Clube e outro relançou-o. Dois “Dragões de Ouro”, dois nomes que ficarão indelevelmente ligados ao FC Porto. Duas personagens a quem devemos as alegrias que as nossas cores nos proporcionam.

    Obrigado Enid, muito obrigado. Os meus parabéns, mais uma vez, pela oportunidade e pela lembrança.
    Cumprimentos azuis fortes.

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  2. Excelente post.Muito pertinente e cheio de Paixão (não confundir com o . .. paixão).
    Muito obrigado.
    Ser Portista é também conhecer a História do Clube e relembrar as figuras a quem tanto devemos.

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  3. Sem dúvida, Monteiro da Costa é o Homem. Um excelente post, mais um aliás.

    Beijinhos

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  4. Fantástico Enid, o que eu aprendo contigo e com o nosso amigo, Dragão Azul Forte, obrigado! ;))))


    BIBÓ PORTO

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  5. eNID,

    tu sabes, ambos sabemos d'onde eu já te conhecia, virtualmente é verdade, sendo até nessa altura, longe de imaginar sequer que fosses a «tal», um assíduo e frequente leitor das coisas que «nos» contavas com mta frequência.

    já te conhecia esta admiração muito, muito especial pelo sempre «nosso e eterno», José Monteiro da COsta.

    tal como aqui já foi dito, JMC é o homem d'ontem... tal como hoje, PdC é o homem!!!

    entre tantos e tantos homens que ficam/ficaram na história, há uns que o «ficam» mais que outros, e essa é uma verdade de la palisse.

    já é comum repeti-lo até, mas obrigado por mais este bocadinho que aqui nos deixaste... pra mais tarde recordar sempre que o quisermos!!

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  6. O jorge Nuno de outrora...

    A nossa história deve muito também a esse NOME que aqui evocas.


    Parabéns.

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