Choradeiras sem castigos?

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Durante duas décadas da nossa História, Salazar procurou impor aos portugueses três valores que ficaram plasmados na trilogia dos três “F”: fado, futebol e Fátima. Que o futebol se resumia ao favorecimento descarado à equipa do regime, todos nós estamos fartinhos de saber. Que Portugal é um país massivamente católico é um facto indesmentível, mas sê-lo ao ponto de não poder castigar um qualquer Jesus que se tenha portado mal, dito coisas graves, é vergonhoso, ainda que esteja longe de ser espantoso. Mas é a tradição, como já dizia o outro…

Depois de ter sido vergado à terceira derrota pelo campeão no galinheiro, o treinador que mastiga chiclete tal como um burro come feno, justificou mais uma humilhação com os erros de arbitragem. A choradeira do costume, portanto. Primeiro, por causa de uma falta que só eles viram sobre um dos deles e que viria a dar origem ao fabuloso golo de James. Depois, por causa do famigerado offside no lance que viria a resultar no golo do Maicon a meias com o “rei Artur”, como eles lhes chamam, que resolveu reencarnar o saudoso Roberto dos frangos. “O assistente não viu porque não quis. Se fosse num lance de bola corrida, daria o benefício da dúvida. Este é de bola parada", disse ele, não exactamente nestas palavras, claro, porque todos nós conhecemos a sua incapacidade para construir uma frase com sujeito, predicado e complemento directo e indirecto, como se aprende na escola primária.

Ora, segundo ele, o árbitro assistente não assinalou fora-de-jogo, porque quis prejudicar o 5LB. A mando de quem? Como? Porquê? Com que fundamento? Onde estão as provas? Estas seriam perguntas que lhe deveriam ter sido colocadas, que obviamente ficariam sem resposta, o que impunha um castigo severo. Isto, pois, se lhe tivesse sido instaurado o merecido processo disciplinar, tal como no ano passado fizeram com o Libras-Boas que por ter gritado “isto é falta” ficou um jogo fora do banco, ou como aconteceu há dois anos com Paulo Bento por ter feito um gesto que denunciava um roubo, o que lhe valeu um mês de suspensão.

E o que aconteceu até agora? Nada, zero, “rien”, mesmo depois de, dias mais tarde, ter voltado a insistir e a desculpar a derrota com “factores externos”. Valha-nos que o senhor Ricardo Santos, qual herege, apresentou uma queixa na Federação contra Jesus. Resta-nos esperar para ver no que vai dar… A verdade é que mais uma vez, o futebol português fez ouvidos moucos, assobiou para o lado e andou uma semana entretido a discutir aquele que golo mais saboroso ainda por ter sido ilegal.

Esquecidos parecem também ter ficado as ameaças que o exaltado e não menos desesperado Rui Bosta lançou ao “Carlos”, director de eventos da Liga de Clubes, que vai “ser comido nas Antas” se este lhe voltar a dirigir uma palavra que seja. Foi ali, bem próximo do famoso túnel que decidiu o título de há dois anos: desta vez, as imagens são nítidas, não há montagens e o som é perfeitamente perceptível. Só não vê quem não quer, só não ouve quem quer ser surdo e todos fizeram de conta que não viram e ouviram. Consulte-se então o Regulamento Disciplinar da Liga e ler atentamente o ponto 2 do artigo 52.º, que castiga “os clubes que exerçam violências físicas ou morais sobre delegados da Liga, observadores de árbitros, dirigentes, jogadores, treinadores, secretários ou auxiliares técnicos, médicos, massagistas e delegados ao jogo do Clube adversário (…)”: subtracção de seis pontos na classificação geral e/ou multa de € 25.000 a € 100.000. Este ensurdecedor silêncio está explicado. Ámen.