01 março, 2014

Voltando dos Mortos

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Foi em Frankfurt. Podia ter sido em Old Trafford, em Atenas, em São Petersburgo, em Kiev ou no Dragão. O Dragão estava morto, os abutres sobrevoavam a aguardar o “fim de ciclo”, o Eintracht faz o 1x0, pouco depois aumenta para 2x0. A crise agudiza-se, imparável, inquebrável, sonora e estrondosa. O FC Porto estava fora da Liga Europa, com um agregado de 4x2 no conjunto das duas mãos. A estrutura desmoronava-se, o Presidente já não é o que era, Fonseca tinha assinado a sua sentença, parecia ir tudo por água abaixo, era necessário uma limpeza de balneário, de alto a baixo.

Mas de repente, lá na direita, há um homem que recebe a bola. É Ricardo Quaresma, outro que estava gordo, pesado, recentemente operado a um joelho, sem motivação, perdido para o futebol, sem a cabeça no sítio, cheio de tiques e vaidades. Os abutres diziam o mesmo: está morto, não vai voltar a ser o que era, está velho, o seu tempo passou.

Quaresma recebe então a bola, sozinho, na direita. Sabe que tem muito a provar e que o golo magistral da primeira mão não chega. Simula um cruzamento mas corta para dentro, desembaraçando-se do lateral. Cruza para Ghilas, que não chega, mas a bola vai ter a Mangala que não desaproveita e faz o golo.

Pouco depois é livre para o FC Porto. Quaresma (outra vez!) toca para Fernando, o tal que tem pouca técnica, que não sabe atacar, que não sabe passar, que não leva jogo para a frente. Fernando recebe e cruza. Mangala surge de novo, imperial, a fuzilar as redes adversárias.

Era o 2x2 e o FC Porto fintava outra vez a história. Desafiava o fim de ciclo, invocado há duas décadas. O 3x2 do Eintracht foi apenas um golpe de teatro. Todos sabiam, naquela altura, que aquela eliminatória não iria fugir do FC Porto. Porque nestes momentos não são as tácticas que imperam, nem o barulho das multidões, nem as estatísticas. Nestes momentos manda o peso da história, manda o peso da camisola, joga o símbolo que se traz ao peito.

Foi assim em Kiev, quando Jesualdo Ferreira vinha de três derrotas consecutivas frente ao Dínamo (casa), Leixões e Naval. Foi assim com Costinha em Old Trafford. Foi assim com Kelvin no Dragão. O FC Porto estava no fundo do poço, dentro da sepultura, a aguardar que o coveiro o cobrisse com terra.

Mas de repente a mística entra em campo, avassaladora, imparável, heróica. O peso da história, a alma azul e branca indomável, a Invicta orgulhosa e do antes quebrar que torcer. Umas vezes no pé direito de Costinha, outra nas mãos de João Pinto ao erguer a Taça de Portugal sob uma chuva de pedras no Jamor, outra vez no pé esquerdo de Kelvin, uma vez num olhar do Pedro Emanuel, outra na ponta da bota do Varela a salvar-nos na linha de golo, no calcanhar do Madjer, desta feita no pé direito de Ghilas.

Nada melhorou depois deste jogo. O Porto continua a jogar mal, lento, desorganizado, com sectores desconexos e distantes. Continuamos sem perceber certas opções. O processo defensivo não é mau, é péssimo. Não há sinais para sorrisos e relaxamentos. A situação é grave e exige peito feito faces às adversidades. Mas não estamos em tempo de desvalorizar as boas notícias. É que elas são tão poucas...

Assistimos em Frankfurt ao ressuscitar do FC Porto. Onze dead men walking desafiaram a história, fintaram o seu rumo, trocaram as voltas ao destino. Não há muito por onde agarrar, mas eu agarro-me a isso. À falta de táctica, de posicionamentos, de jogadas ensaiadas, de rotinas, de fio de jogo, eu agarro-me à crença, à fé, à mística, à camisola. Pode não ser muito, pode ser sol de pouca dura, pode ser ilusão, mas é o que há. E o que há vai ter que chegar.

E se por um acaso as coisas saem bem em Guimarães, temos aí de novo o FC Porto, o tri-campeão, pronto para a luta e para as jornadas decisivas que aí vêm. A bandeira azul e branca intacta, desfraldada ao vento, desafiando tudo e todos, principalmente as aves agoirentas que, ano pós ano, dia após dia, preconizam o "fim de ciclo". Porque só se morre quando o coração deixa de bater.

Todos são precisos nestas alturas. O Presidente, mais do que nunca. Os sócios e apoiantes. Todos eles. Os jogadores, sem excepções, especialmente aqueles que pensávamos proscritos. Precisamos urgentemente da força e da raça do Ghilas, do oportunismo do Licá quando joga na área e não na linha, do pulmão do Défour, do repentismo e irreverência do Kelvin, da jovialidade do Ricardo, da alma do Maicon. Fazer descansar uns e motivar outros, criando uma saudável concorrência. Assim se saiba retirar o melhor que cada um pode e sabe dar. As esperanças podem ser poucas, mas eu agarro-me à réstea que sobra.

Como não pôr no Porto uma esperança, se daqui houve nome Portugal?

Rodrigo de Almada Martins

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