Amor e razão

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Tenho vários médicos e advogados na minha família. Nunca recorri a nenhum.

Isto de misturar amores com a profissão, normalmente, dá mau resultado.

O amor tira-nos o sangue-frio. Ficamos irracionais, decisões que seriam triviais tornam-se complicadíssimas.

Recordo-me duma história, em que já na sala de operações, um experiente cirurgião não conseguiu extrair o apêndice do filho, tendo a criança corrido sérios riscos de vida por causa da confusão que se gerou.

Claro que, como em tudo na vida aliás, existem excepções. Gente capaz de actuar de maneira fria, mesmo quando os mais profundos sentimentos estão presentes. Infelizmente, não estou entre esses escolhidos. Por muitas qualidades que tivesse não seria capaz de ser treinador do Porto. Tenho quase a certeza que não teria coragem de tirar o Baía da baliza, mesmo que ele tivesse 90 anos; podia o Gomes andar de bengala e a camisola 9 era para ele; teria lá eu a ousadia de substituir o Rodolfo, o Paulinho Santos ou o André; cá para mim o João Pinto ainda brilharia no lado direito da nossa defesa.

Já sei, já sei, fraco Portista serei, mas é superior a mim.

Bom, tanta conversa para chegar ao assunto: o Portismo do nosso novo treinador. Como podem depreender do que atrás escrevi, o facto do André Vilas Boas ser dragão não será, por si mesmo, um aspecto que faça dele o treinador ideal para o nosso clube, nem me deixa particularmente descansado. Por princípio, é o melhor treinador do mundo, não por ser portista, mas por ser o treinador do Porto. Verdade seja dita, com a excepção do José Maria Pedroto, os treinadores que mais alegrias nos deram, não eram adeptos do nosso clube. Artur Jorge, Mourinho e Jesualdo Ferreira – só para falar dos que mais ganharam – não eram, propriamente, fanáticos andrades.

Repito: o André Vilas Boas é o melhor treinador do mundo. O problema é que aquilo que está mal no futebol do Porto, pouco tem a ver com a qualidade do treinador.

Há quem diga que o Mourinho transformou o nosso futebol. Sempre achei isto um disparate. O Mourinho ganhou o que ganhou – como os outros – porque somou à sua qualidade toda a estrutura do nosso clube. Digamos que ele ajudou.

Com ele não houve camiões de jogadores de qualidade mais que duvidosa, não tínhamos um plantel com um guarda-redes que falha quando não pode falhar, com dois defesas direitos apenas razoáveis, três centrais (já não conto com o Bruno Alves) vulgares e um meio campo com apenas um grande jogador: Fernando.

Dir-me-ão: os que lá estão, estão por que o treinador assim o quis, e no tempo do Mourinho ou do Artur Jorge estavam outros porque estes assim o quiseram. Não é bem assim.

Quem manda, em última instância, é a gestão do clube. Eu não culpo o Jesualdo pelos Valeris, Prediguers, Tomas Costas, Benitez, Marianos e afins: digo que a responsabilidade é da estrutura do futebol portista, no fundo, de todos nós.

Espero com mais ansiedade o que se vai passar na questão das dispensas, das vendas, da gestão das dezenas de jogadores emprestados e das aquisições do que com a forma como o André vai dirigir a equipa.

Todos sabemos que se correm riscos quando se contrata; que se cometem erros; que nem sempre os jogadores são aquilo que se esperava deles. Acontece, é a vida. O que não é normal é a catrefada de pernas de pau que de há uns tempos a esta parte temos tido de aturar. Detesto a sensação de que há coisas que não estão bem explicadas, de que há erros a mais.

Bom, em frente. Este ano, tenho a certeza, vai tudo regressar ao normal. Como já aqui disse: In Pinto da Costa I trust. E, a partir de agora, no André também.