05 setembro, 2011

A vida lá fora

http://bibo-porto-carago.blogspot.com/


Há alturas em que, em espaços dedicados à discussão de futebol e desporto em geral, lemos frases do tipo "perante isto o futebol não é nada" ou "nestas horas o futebol pouco importa". Normalmente, estes comentários surgem na sequência de falecimentos ou outros acontecimentos de extrema gravidade, como por exemplo o acidente que atirou Cherbakov para uma cadeira de rodas há quase duas décadas. E revelam uma perspectiva que nunca devemos perder de vista.

Por vezes temos tendência a comportar-nos como se o futebol fosse aquilo que há de mais importante na vida. E é claro que o futebol é importante nas nossas vidas, caso contrário eu não estaria aqui a escrever-vos e vocês a ler-me, não perderíamos horas infinitas a ver futebol, a ler sobre futebol, a discutir futebol, não desmarcaríamos compromissos, não faltaríamos a aniversários e casamentos, não gastaríamos centenas de euros por ano, tudo pelo futebol. E não ficaríamos em êxtase com cada vitória e de coração apertado a cada derrota. As coisas têm a importância que se lhes dá, e claramente para gente como nós - quem fizer parte deste "nós", sabe-o bem - o futebol, e sobretudo o Futebol Clube do Porto, têm mesmo muita importância.

Mas há coisas na vida perante as quais essa importância tem que ser inevitavelmente relativizada. Há dias, um amigo do Walter dizia ao Maisfutebol que ele "precisa do carinho dos adeptos". Aparentemente, e eu pessoalmente desconhecia esta situação até há cerca de uma semana, a sua filha, nascida prematuramente, está há dois meses na incubadora e ainda não está em condições de ser levada para casa. Não consigo sequer imaginar, até porque não tenho filhos, o sofrimento e apreensão a que o Walter deve estar sujeito dia e noite. Sem esquecer que estamos a falar de um miúdo de 22 anos, a viver a um oceano de distância da família e amigos que lhe poderiam facultar algum conforto nesta altura.

Em 2005 foi o Fabiano. Jogador fantástico que aqui não rendeu o esperado, mas que passou 62 longos dias da sua estada no Porto a lidar com o sequestro da mãe, felizmente libertada sã e salva pela polícia em Maio de 2005. Na época passada, soubemos pelos media que o Sapunaru vivia, de longe, a doença e o falecimento do seu pai. Antes disso havia sido o Stepanov, cuja mãe adoeceu e faleceu em 2008. Outras situações haverá de que não me lembro agora, e muitas outras ainda que nem sequer terão vindo a público.

Fala-se muito do sistema de apoio que o nosso clube oferece aos atletas e suas famílias, para facilitar a adaptação, resolver eventuais problemas e permitir que o jogador se concentre essencialmente no seu trabalho – o que realça o reconhecimento de que a tranquilidade e a paz de espírito são fundamentais ao rendimento de um atleta. Mas há coisas que estão para lá do que o clube pode fazer. Às vezes parecemos esquecer-nos de que os atletas não são mais do que comuns mortais, com os mesmos problemas e dificuldades que todos nós, muitas vezes agravados pelo facto de serem tão jovens, de viverem longe de casa, de trabalharem sob a pressão constante dos holofotes, dos analistas, do público.

Sei que todos temos os nossos empregos, os nossos chefes e os nossos clientes, e que muitas vezes também nos é exigido que esqueçamos os nossos problemas pessoais e trabalhemos como se nada se passasse. Mas sabemos o quanto isso é difícil. E felizmente muitas vezes estamos profissionalmente rodeados de pessoas compreensivas que nos oferecem o tempo, o espaço e a empatia de que precisamos para ultrapassar um momento complicado. É esse tipo de pessoa que tento ser na minha vida pessoal e é esse tipo de pessoa que tento ser enquanto adepta de futebol.

Eu acredito no Walter enquanto jogador. Acho que é um avançado eficaz e que nos poderá vir a ser muito útil (e não compreendo a sua exclusão da lista para a Champions, mas adiante). Mas independentemente da opinião de cada um de nós sobre os méritos desportivos do jogador, até porque esta já não é a primeira época dele no clube, acho que ele precisa, de facto, de carinho. Precisa de se sentir compreendido, apreciado, apoiado. Acolhido no seio desta família azul e branca. Porque, muito mais do que de um bom ou um mau jogador, estamos a falar de um ser humano que, pela coincidência de estar cá a jogar quando nasceu a sua filha, precisa de nós neste momento. Num desses momentos em que a importância do futebol é relativizada pelo punho fechado da vida real.

PS - Com o mercado fechado, quem ficou e quem veio são para mim os melhores do mundo. Só não quero é cá birras por parte de quem preferia ter saído. Mercados há muitos!

7 comentários:

  1. Completamente em sintonia.
    Força para o Walter e dedicação de tudo e todos!

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  2. Já por várias vezes tive discussões com muita gente sobre este jogador, e por vezes sinto-me isolado numa ideia: Walter não é tão mau como muita gente faz crer, é um jogador que demonstrou acima de tudo eficácia na 1ª época e que tem características de puro marcador, como o posicionamento e o remate fácil.

    Todavia, há um aspecto em que Walter teima em não melhorar: O excessivo peso que apresenta o que para um ponta-de-lança acaba por complicar.

    A juntar a isto, agora este problema pessoal que tem, algo que desconhecia e que obviamente compreendo na óptica de que os jogadores são obviamente seres humanos com as suas vidas pessoais e problemas daí decorrentes. Neste aspecto, partilho inteiramente o que foi escrito no post…

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  3. Um excelente post, tocante, mas não supreendente na sensibilidade.
    Parabéns Enid.

    Walter está no peso certo. Não tem culpa de ter aquela morfologia que o faz parecer, sempre, gordo.

    Bjs

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  4. Totalmente de acordo com o seu artigo porque realmente nesta altura o mais importante é ter em consideração o ser humano e o apoiar em qualquer circunstância.
    Força Walter!

    Cumprimentos

    Porto Castle

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  5. Excelente post.
    Walter faz lembrar Farias, em temos de aproveitamento Necessita de poucos minutos para marcar um golo.
    Criou-se a ideia de que Walter é gordo. Garantem-me que está com o peso certo. Penso até que antecipou o fim das férias para se apresentar nas melhores condições.
    Acredito que poderá ser bastante útil ao longo da época.

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  6. Mais um excelente post, pertinente e assertivo.

    Enid diz: “Sem esquecer que estamos a falar de um miúdo de 22 anos, a viver a um oceano de distância da família…”
    Isto faz-me lembrar palavras de António Lobo Antunes sobre a guerra nas colónias: “A guerra era uma violência indescritível para meninos de 20, 21, 22 e 23 anos, que matavam e depois choravam pela gente que morrera".

    Pois, fazendo a analogia, nós não nos lembramos que, na maioria dos casos, os nossos ídolos da bola são “miúdos” com menos de 25 anos. Já repararam que lhes exigimos tudo como se fossem “avozinhos” de 70? Lembro-me de alguém que sobre isso disse uma vez, rematando palavras sábias: “Queremos fazer de franganitos galos capões!”
    Claro, os jogadores seniores de futebol são adultos com mais ou menos maturidade. Mas é aqui, na maturidade, que está a questão: a um “homenzinho” de 21 ou 22 anos será lícito exigir a maturidade de um homem com mais dez anos? Quando se trata de futebolistas, esquecemos por completo essa evidência… Como se a bola fornecesse amadurecimento.

    Um abraço.
    BIBÓ PORTO!

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  7. ora nem mais eNID... 101% de acordo com o teor deste teu (mais um) magnifico post.

    se o atleta, o jogador, Walter, me desperta desconfianças várias e consecutivas, mas sempre com a secreta esperança de que tenha que vir um destes dias a meter a viola no saco (e que bem me saberia!!!), o homem, desperta-me o respeito e a compreensão por um momento complicado, que só quem os tem (filhos/as), compreenderá... e bem!

    portanto, força WALTER... tamos cá pa te dar carinho, muito carinho, pois afinal, o que mais desejas, é aquilo que mais desejamos em dobro (para ti e para nós)!

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