07 junho, 2013

Óculos de despedida

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Quem vê a série How I Met Your Mother, em Portugal “Como tudo aconteceu”, está certamente familiarizado com um dos seus maiores trunfos: dar nomes a situações e sentimentos que nos são comuns a todos, mas que nunca ninguém se tinha lembrado de baptizar. Por exemplo, os graduation goggles. Graduation goggles (que podemos traduzir literalmente como “óculos de formatura”, ou mais livremente como "óculos de despedida") são aqueles óculos imaginários que colocamos, sem sequer nos apercebermos, sempre que se aproxima a hora da despedida. De uma turma da escola, de um emprego, de uma cidade (não é só Coimbra que tem mais encanto nesta hora), de uma casa, de uma pessoa. A pessoa até nem era assim tão chata, o emprego até nem era assim tão mau. Os vizinhos faziam barulho, mas eram simpáticos. Os cromos dos meus colegas até eram fixes. Vou sentir a falta deles. Por momentos, até apetece ficar, manter as coisas como estão. Mesmo que ontem estivéssemos saturados até ao limite, a sonhar com a hora da doce libertação.

Como a maioria das piadas, tem piada porque é verdade. Quando uma situação se aproxima do fim, tendemos a lembrar-nos mais das coisas boas do que das más. Tendemos mesmo a uma percepção exagerada das coisas boas, que nos parecem ainda melhores do que realmente foram. Não me perguntem porquê; somos bichos complicados. Mas é verdade que acontece, e não me faltam exemplos da vida real.

Ao longo das últimas semanas, grande parte da família Portista tem andado de graduation goggles postos. De repente, o treinador que ao longo da época não servia passou a ser o candidato ideal à sua própria sucessão. Muito boa pessoa, muito íntegro, e percebe muito de bola. E Portista! Tudo isto qualidades que o homem já possuía, possuiu durante duas épocas, mas só agora as vê chapadas em status do Facebook e comentários de blogs. Não estou a acusar ninguém; sei que nem toda a gente se enquadra nesta descrição (há quem sempre tenha dito mal do Vítor Pereira e continue e dizer, e há quem nunca o tenha feito), e quem se enquadra está apenas a expressar de forma honesta o que sentiu nos diversos momentos da época, sem medo de mudar de opinião, o que aos meus olhos é sempre uma virtude. Mas não há como negar que estamos perante este curioso fenómeno, aliás facilmente observável a olho nu.

Confesso que eu própria sinto o peso dos óculos sobre o nariz. Ao longo da época sempre apoiei o Vítor Pereira, mas houve momentos em que o nosso jogo me pareceu tão pobre, que duvidei da sua competência para orientar um clube do nível do nosso. Houve momentos em que vi um Porto tão pouco à Porto, que duvidei da sua autoridade sobre os jogadores. Houve momentos em que me apanhei a pensar na próxima época e me apercebi de que, instintivamente, a minha ideia de FCP 2013/14 não incluía o Vítor Pereira. E, no entanto, dei ultimamente por mim a desejar que o Vítor Pereira ficasse.

Afinal, fomos Tricampeões. Fizemos um campeonato sem derrotas - dois campeonatos com uma única derrota. É difícil pedir mais. Mas este final de época incrível não apaga o jogo com a Olhanense, não apaga Málaga, não apaga os vários momentos da temporada em que eu, pelo menos, tive a clara sensação de fim de ciclo.

Tento tirar os óculos. Pesar os prós e contras sem permitir que a euforia recente (aliás, temos de admitir, ampliada pelas duas finais perdidas pelo clube do regime) e a despedida iminente me toldem a visão de cor-de-rosa. Sim, acho importante que o treinador seja uma pessoa íntegra, e quanto a isso Vítor Pereira é possivelmente o melhor de que tenho memória. Sim, adoro ter um treinador que é verdadeiramente Portista. Sim, fomos campeões invictos. Por outro lado, falhámos redondamente na Liga dos Campeões. E faltou-nos um nível exibicional mais consistente, mais tranquilidade, menos jogos de coração na mão até ao final. Mas quem garante que Vítor Pereira não o conseguisse para o ano? Ele também está a evoluir, a ganhar experiência. E agora já é um treinador com provas dadas, com palmarés. Já o meu avô alertava para os riscos de trocar o certo pelo duvidoso. Mas depois há o tal do desgaste - dos adeptos e sobretudo do treinador, que ao longo destes dois anos deu o peito a muitas balas, quantas vezes sozinho, e tantas delas sem se sentir reconhecido por isso.

Convidado a ficar, Vítor Pereira pesou os seus próprios prós e contras, e acabou por ser este último factor, o desgaste, a desequilibrar a balança. Compreendo a decisão, não sem alguma pena por ver partir alguém que aprendi a respeitar e admirar. Guardarei muitas memórias, das quais a mais marcante está registada na capa da última Dragões - a mais bonita homenagem do clube ao Vítor Pereira treinador, homem, Portista, na hora da despedida.

Lembro-me do dia em que vi o Presidente apertar a mão a um ex-adjunto quase desconhecido, depositando nos seus ombros franzinos as esperanças de milhões de corações recém-partidos. Que missão a tua, Vítor. Que ninguém te inveje. Dois anos depois, partes com a paz de espírito da missão cumprida. Duas épocas na Primeira Liga, dois títulos de campeão. 100% de eficácia. Tu e nós mais ricos. Tivemos os nossos altos e baixos, mas fomos felizes. Quem sabe os nossos caminhos não se voltem a cruzar. Boa sorte, do fundo do coração.

Se foi melhor para nós? É difícil dizer. E depende da alternativa. Hoje já anda a circular um nome, dado como certo, mas vou esperar para ver. E como me habituei a fazer desde que me conheço por fiel desta religião a que chamamos clube, coloco a minha fé no Papa.


PS1: Aos nossos sempre Campeões de hóquei: Caímos na pior altura possível, mas já estamos de pé e prontos para as próximas lutas. Vocês são o nosso orgulho!

PS2: Aos Campeões na Luz de Sub-20: Parabéns Dragões! Obrigada por honrarem os agora 89 anos de história desta modalidade, que ainda voltará a brilhar ao mais alto nível.

8 comentários:

  1. Belo post!

    Nem vou comentar para não estragar.
    Sempre apreciei a sua escrita mas hoje esmerou-se.
    Parabéns pelo seu belíssimo post.

    Um abraço de um portista de Braga,

    António Costa

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  2. Tenho pelo Senhor Vítor Pereira imenso respeito e muita consideração, tanto pela forma como encarou a sua presença no FCP como pela coragem e tenacidade que lhe permitiu alcançar os dois títulos de campeão nacional, para além disso é um treinador em clara ascensão, com boas ideias, algumas lacunas e obviamente algum talento que refinado em alguns aspectos o irá tornar mais tarde ou mais cedo numa séria referência tanto a nível nacional como internacional, por outro lado é um Homem com princípios, humilde, sério e trabalhador, bem como um portista de alma e coração que nutre uma sincera paixão pelo nosso clube, oxalá seja feliz e regresse um dia ao FCP.

    Abraço
    Porto Castle

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  3. siulloureiro07 junho, 2013

    Excelente texto ENID, sobre um Portista como nós maltratado pelos seus pares.
    Vítor, desejo-te toda a felicidade do mundo pois bem a mereces. Obrigado por tudo!!!

    Que o Sr. que se segue não tenha de passar pelo mesmo.

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  4. Excelente post eu não o diria melhor.
    É que foi mesmo assim que aconteceu.

    Saudações Portistas
    Paulo almeida

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  5. Cara ENID
    O seu artigo é uma maravilha. A mim rebentou-me na cara com estrondo. Como diria a minha Avó são verdades como punhos!
    Sabe qual é o problema? É estarmos todos muito mal habituados. Habituados a ganhar.
    Bjinho

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  6. Precioso, conciso, oportuno! Excelente… como sempre!
    Abraço.

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  7. Enid, como sempre, tudo o que escreves é uma delicia de ler, e quase sempre identifica o que nos vai na alma, mas neste texto não falta nada, Parabéns, fico á espera do próximo ;)


    Bibó Porto



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  8. Obrigada a todos pelos comentários :) Vamos lá ver então se acaba os suspense e nos anunciam finalmente o homem que nos há-de conduzir ao Tetra!

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