02 julho, 2011

A necessária catarse

http://bibo-porto-carago.blogspot.com/

Dez longos dias passados sobre a transferência do ex-treinador do FCP para o Chelsea, ainda se fala, e muito, no assunto. E, sempre que se fala no assunto, aparece alguém a dizer para não se falar no assunto. Que o assunto é passado, o assunto acabou, o assunto já não interessa. E o sujeito do assunto também não.

Mas temos também entre a comunidade Portista quem defenda que não podemos esquecer o assunto nem o sujeito do assunto. Que uma falta de respeito e carácter desse calibre não pode ser simplesmente atirada para trás das costas como se nada se tivesse passado.

Posso dizer que tenho uma postura intermédia. Por um lado, acho que temos que olhar em frente e deixar o passado no passado. Independentemente da sua qualidade, ele é apenas um treinador - um treinador que o Porto fez grande, e não o contrário. Quis sair, saiu, e só faz falta quem cá está. Mas por outro lado entendo a necessidade de falar disso, de fazer uma catarse, colectiva ou individual, privada, pública ou semi-pública, perante aquilo que poucos se escusarão a classificar como um choque emocional. O Facebook, por exemplo, tem servido de montra a um verdadeiro festival de criatividade anti-judas. Sim, chamei-lhe judas, e dispenso a ladainha do “todos temos um preço” - primeiro, porque nem todos temos um preço; segundo, porque um gajo que já ganha o que ele ganhava aqui não pode usar o dinheiro como argumento; e terceiro porque, se era mais um como os outros, então não nos iludisse com juras de amor eterno. Mas adiante. Para o adepto, futebol é mais emoção do que qualquer outra coisa, e o nosso ex-treinador, em particular, trouxe-a para o centro do palco. Estimulou o nosso sentimento, alimentou-o, usou-o em favor da equipa e do clube (e, é claro, de si próprio), para agora o abandonar como se nada valesse. Não é preciso ser psicólogo para saber que em situações como esta é importante “deitar tudo cá para fora” para se conseguir seguir em frente de forma saudável.

No fórum que frequento, foi óbvia (e até cientificamente curiosa) a forma como os utilizadores foram atravessando, cada um a seu ritmo, os famosos estágios do luto, que estamos tão habituados a ver em filmes e na TV. Começaram pela negação, com muita gente a recusar-se a acreditar, apesar de todos os indícios, até à publicação do comunicado oficial. Seguiu-se a raiva, com manifestações de forma e intensidade variáveis. Depois veio a negociação, com os “que vá, mas que não nos estraçalhe a equipa”, “se levar o Hulk que seja pela cláusula” ou “pode levar o Falcão, mas que não leve o Moutinho”. Ultrapassada essa fase, e embora alguns tenham passado pela clássica etapa da depressão, considerando que a próxima época estava perdida ou que o sonho de vencer a Liga dos Campeões nos fora roubado, rapidamente se chegou à fase da aceitação, e, ainda antes de sair a confirmação, já muitos discutiam nomes e perfis de possíveis substitutos.

Da minha parte, e já o tendo feito a nível particular, sinto a necessidade da tal catarse pública, não alheia ao facto de tantas vezes ter cantado loas a esse indivíduo neste meu espacinho aqui no Bibó Porto. Sobre ele disse uma vez que “O gajo é Portista como nós, e dizer isto é dizer tudo.” O próprio Presidente disse isto mesmo à RTP poucas semanas antes da “bomba”. Mas não, não se preocupem, isso não significa que o Pinto da Costa vá ser contratado para gerir o clube de um magnata mimado, nem que eu vá passar a escrever no melhor blog de apoio a um qualquer clubezeco pequeno de bolsa grande (duas imaginárias transferências que, estou certa, os estimados leitores lamentariam com igual mágoa. lol). Não; significa apenas que nos enganámos. Porque até o Nosso Grande Presidente se engana – não é frequente, mas acontece. E, nessas raras ocasiões, das duas uma: ou tem um plano B sempre na manga, ou, não o tendo, encontra solução a velocidade supersónica. Foi isso que aconteceu desta vez. Se o Presidente estava a contar com a deserção ou não, é uma discussão especulativa e estéril; o que realmente importa é que, cinco horas depois, estava apresentado o novo treinador, escolhido de forma inteligente e perfeitamente coerente com a estratégia e as expectativas para 2011/12.

E é isto que, após um momento de profunda desilusão, me enche o peito de ar fresco: a certeza de que, enquanto tivermos este Homem do Leme e enquanto o nosso amor por este clube tiver a pujança que tem hoje, nada temos a temer. Jogadores e treinadores vêm e vão, uns com mais classe e carácter do que outros, uns a deixarem mais saudades do que outros, mas nenhum leva o clube consigo. O clube é maior, muito maior do que tudo isso.

Quanto aos que dizem que não se pode esquecer o que ele fez, fiquem descansados. Não esqueceremos. Mas também não temos que lembrar a todo o momento. Lembrar-nos-emos nas alturas certas. Até porque é provável que o que aconteceu tenha deixado marcas em muitos Portistas. Quando já estávamos todos mais ou menos convencidos de que nós, adeptos, somos os únicos para quem o futebol é mais do que um negócio, aparece um treinador que fala e age como um de nós. Que afirma amar o clube e festeja as vitórias como um louco. A alegria que isso nos deu está registada em sites, blogs e fóruns por essa internet fora – tal como, de forma proporcional, a tristeza de descobrir que afinal eram só palavras vazias e festejos egoístas. Se antes nos era difícil acreditar em treinadores e jogadores com amor à camisola, agora, depois de termos aberto o nosso coração e levado uma facada, é pouco menos que impossível. Como diria o povo, estamos escaldados. Qualquer um que venha com esse tipo de conversa para o nosso lado encontrará uma muralha de desconfiança. E nem sequer estou a ver ninguém, por mais Portista que seja, a arriscar ir por aí nos próximos tempos. Até o Vítor Pereira, na sua apresentação, teve que falar de forma muito mais crua e fria do que habitualmente se espera de um novo treinador, esquivando-se à constatação de que estar ali é o cumprir de um sonho e fugindo ao discurso do treinador-adepto e do amor à camisola, tão sujo e desacreditado o deixou o outro.

Depois dele, teremos muita dificuldade em voltar a acreditar em palavras bonitas. E isso é bom, porque nos torna menos ingénuos. Mas é mau, porque nos torna mais cínicos. E se calhar o amor à camisola ainda existe. Se existe no Dragãozinho (e isso sabemos bem), o que nos garante que não exista, ou possa vir a existir, no Dragão? Sim, apesar de estar magoada, eu acredito que o amor à camisola ainda existe. Mesmo que seja muito, muito raro – o que o torna ainda mais precioso. Este idealismo o mercenário não me conseguiu roubar.

E, se olharmos com atenção, a passagem dele pelo Porto trouxe algo de muito positivo, para além dos títulos conquistados: demonstrou claramente do que somos capazes quando nos unimos. Se a época 2010/11 deve muito ao mérito dos jogadores e equipa técnica, não deve menos à fé e à união que reinou entre os Portistas. Foi essa a estratégia dele, que já a começou a aplicar também em Inglaterra: tentar unir os adeptos em torno de uma crença comum, para que empurrem a equipa para a vitória. Ao usar-nos em seu (mas também nosso) benefício, ele mostrou-nos a nossa própria força. É importante que tenhamos consciência disso.

Contas feitas – e catarse também –, nada resta de negativo para além da imagem que agora tenho do actual treinador do Chelsea, de quem não pretendo voltar a falar. De resto, só orgulho neste clube, alegria pelas suas conquistas e uma enorme confiança no futuro. Temos uma nova época pela frente, um novo treinador em quem deposito grandes esperanças, o mesmo enorme Presidente e o nosso amor sempre presente e inabalável, porque a nós não nos conseguem comprar, ainda que quisessem. Família Portista, vamos a mais uma grande época!

13 comentários:

  1. Mais um post de excelência que sbscrevo. Para mim acabou, mas quando tiver que me referir a ele, vocês sabem de quem estou a falar, vou tratá-lo sempre por rapazinho, judas, libras-boas e afins. Não me enganei quanto ao treinador, mas ewnganei-me e muito quanto ao homem. Mau caráter e má índole.

    Beijos e abraços

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  2. Brilhante post sobre estes últimos dias complicados...
    Agora, mudar de capítulo, Vítor Pereira!

    é como dizes:


    "De resto, só orgulho neste clube, alegria pelas suas conquistas e uma enorme confiança no futuro. Temos uma nova época pela frente, um novo treinador em quem deposito grandes esperanças, o mesmo enorme Presidente e o nosso amor sempre presente e inabalável, porque a nós não nos conseguem comprar, ainda que quisessem. Família Portista, vamos a mais uma grande época!"

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  3. Magnífico texto, como sempre, que expressa o sentir da grande maioria dos portistas e define o meu estado de espírito quando, a 22.06.2011, o passei para post aqui publicado.

    De realçar: parece-me que é patente – pouca gente ousa pronunciar o nome do judas. Eu jurei não o pronunciar e assim será…
    Dizes bem – o que é bom e que nos deixou esse treinador, jamais será esquecido; o que é mau – e nos deixou essa pessoa sem princípios, NÃO PODE ser olvidado. “Quem não sente não é filho de boa gente”.

    Abraço. BIBÓ PORTO!

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  4. Ultra_colectivo9502 julho, 2011

    Ora.. nem mais! brilhante texto.
    Nós, os verdadeiros portistas sentimo-nos apunhalados pelas costas e nunca fomos nem nunca seremos uma manada como certos adeptos de certos clubes.
    Nós somos fogo, temos a nossa chama, e nunca mas nunca a vão retirar, roubar ou pior ainda, comprar!
    Nós somos porto e vamos continuar a ganhar! Todos juntos! Vamos apoiar ainda mais este ano este ENORME clube, vamos realmente mostrar o que valemos! Não há judas nenhum que nos vá deitar abaixo!
    A todos os verdadeiros portistas um abraço á campeão!
    BIBÓ PORTO CARAGO, ATÉ OS COMEMOS!

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  5. Um belo texto numa prosa fluida e livre de gongorismos supérfluos, que só atrapalhariam a sua leitura e o entendimento do sentimento que a todos nós atingiu com especial rudeza. Tem inteira razão, todos nós precisamos de expurgar a desilusão dessa vilania e continuar a acreditar no timoneiro que em escassas horas completou a catarse que recomenda no seu texto.

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  6. Como sempre muito bom texto...- como dizia o poeta, o caminho faz-se caminhando e só o pode fazer quem está disposto a calçar as sapatilhas...
    Para mim, ainda mais alguns pontos para meditarmos: por um lado a nossa correria, um pouco emotiva demais, para os braços do nosso timoneiro-mor, o que poderá ser perigoso; também temos de continuar a ser porto no dia - daqui a muito anos, esperemos - em que ele não estiver;
    e, finalmente, que o que nos doeu mais foi que ficámos convencidos que por fim, já éramos mesmo um clube grande da Europa, e vem um dos nossos - e um, que nos era muito querido - dizer que não, que tinha de ir para um clube mesmo grande...
    mas, se nos doeu também é porque falta pouco para sermos mesmo aquele clube para o qual os treinadores e os jogadores de topo querem vir... é só um passinho! Mas para isso, todo o povo tem de acreditar e se juntar em torno da equipe, tenha ela os jogadores que tiver -todos têm o nosso respeito e apoio, e é bom que tratem de suar as camisolas- e sonhar que vamos mais longe ainda que na época transacta! - Quem errou foi o desertor, não nós!

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  7. Miguel Monteiro03 julho, 2011

    ...assim não vale... com textos desta qualidade o autor não dá margem para grandes comentários... Muito bom!

    Nota: Depois de ver vários jogos do campeonato argentino e os dois primeiros da Copa América, tenho de concluir que os olheiros do nosso clube devem ser mesmo muito bons!!! Eu nem com dois cafés consigo chegar ao fim de um jogo! Os da Liga Orangina aos domingos de manhã são bem mais emotivos e bem jogados!!!

    Abraço e bom domingo para todos,

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  8. Até nos blogues somos campeões .
    Com esta excelência,discernimento e qualidade resta-me um bem haja a todos os que me dão o prazer de me sentir cada vez mais PORTO.
    Obrigado
    PORTO PORTO PORTO

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  9. Boa Tarde

    Fantastico post. Acontece que desta vez e comparando pela milesima vez com o Mourinho, este sai pela calada qual lobo com pele de cordeiro, ao contrario do outro que demonstrou vontade de sair bem antes do final da época 2003/04. Ainda hoje e sem problemas consigo "torcer" pelas equipas de Mourinho, já do outro neste momento é-me indiferente. Que se desenmerde lá com o patrão ultramilionario que por agora o cobre de libras.

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  10. Enid, estou com o Lucho, não deixando de elogiar mais um dos teus posts fantásticos!

    E, também como ele, deixo a parte final do teu post!


    "De resto, só orgulho neste clube, alegria pelas suas conquistas e uma enorme confiança no futuro. Temos uma nova época pela frente, um novo treinador em quem deposito grandes esperanças, o mesmo enorme Presidente e o nosso amor sempre presente e inabalável, porque a nós não nos conseguem comprar, ainda que quisessem. Família Portista, vamos a mais uma grande época!"


    BIBÓ PORTO

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  11. Muito bom post. Eventualmente serás citado nas conversas com outros portistas, sobre como lidar-mos com a fuga do judas!

    Bom trabalho, saudações portistas.

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  12. Enid peço desculpa pelo atraso mas já tinha lido o teu post no sábado de madrugada e depois não comentei.

    Mais uma vez um excelente texto, como sabes vai na mesma corrente de opinião que a minha, mas o que mais gostei foi que ao ler foi os diferentes estados de alma depois da notícia, foi exactamente o que se passou comigo.

    Aliás diagnóstico efectuado.

    Grande post Enid.

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  13. Obrigada a todos pelos vossos comentários! É só boa gente por aqui :)

    Reine Margot, partilho da sua preocupação sobre a forma messiânica como vemos o nosso Presidente, porque a verdade é que clube terá que continuar grande após a sua inevitável saída. Mas para ser sincera não gosto muito de pensar nisso, porque espero que ainda faltem muitos, muitos anos para a sua substituição.

    Já quanto à ideia de que o que nos doeu mais foi o "reality check" de que não somos um clube "mesmo grande", que seja destino e não ponte, acho que não é tanto por aí. Creio que a maioria dos Portistas tem a consciência (eu, pelo menos, tenho) de que, por mais alto que nos elevemos, não conseguiremos fugir às nossas limitações financeiras (a menos que sejamos também comprados por um milionário qualquer, o que para mim seria um cenário de pesadelo) nem à realidade competitiva do nosso país. Acho que o que leva os jogadores/treinadores a "dar o salto" são essencialmente estes dois factores, até porque muitas vezes o fazem para clubes inquestionavelmente menores que o FCP em tudo - excepto na conta bancária e na qualidade do campeonato.

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