04 dezembro, 2008

A malta do napron*

Extasiado. Feliz. Adoro este quadra natalícia. O frio típico da época. As cores, girando como num caleidoscópio, iluminando as cidades. As pessoas, com uma expressão alegre no rosto. O bafo que se solta, vaporizado por temperaturas gélidas. Os rostos corados, naquele misto de ansiedade, no afã das compras natalícias, e de reencontros familiares ansiados. E as crianças. A inquietação. O anseio. Tão palpável. Tão difícil de gerir, à medida que os dias se escoam, olhando os céus, em busca das renas e da figura rubicunda do Santa Claus. Desejando presentes sonhados noites sem fim...

Nesta última semana senti-me numa espécie de Natal antecipado. Com fartos e inesperados presentes. Começou na longínqua Turquia, esse País ainda desconhecido da Europa, convivendo num inesperado casamento entre o Ocidente e o Oriente, bebendo das culturas de ambos. Lá, onde o império otomano marcou o início da sua soberania, o Porto lutava pelo direito a participar numa prova que já conhece como a palma das suas mãos. Foi um Porto de boa cepa, indómito, conquistador, corajoso e orgulhando o emblema que reluz naquelas camisolas. Um Porto capaz de vencer num ambiente infernal, mostrando ser detentor de qualidades inalteradas, quase como se estas pertencessem ao seu código genético, independente de nomes. E assim, paulatinamente, depois da tormentosa noite londrina, o azul e branco voltou a fazer furor, aproveitando para de forma subtil conquistar a sua vingança. Uma retaliação à boa maneira cavalheiresca, numa evidente bofetada de luva branca aos seus detractores e, fundamentalmente, a todos aqueles que passaram um Verão conspirativo, procurando no labor de gabinetes sombrios conquistar um direito que não era seu. O tempo foi nosso aliado. Deu-nos razão. É na Champions, junto à nata do futebol europeu, que o Porto deve estar. Sempre.

Seria suficiente. Uma prenda destas, conquistada à base de muito suor e trabalho [já pareço o Octávio Machado a falar], era bastante para me arrebatar os sentidos. Mas o Pai Natal, aparentemente, quis ser generoso. E deu-me mais.

4ª feira. Na TV, o mesmo de sempre. Repetido ad nauseum. O Sporting, essa Instituição nobre, com graus de parentesco com a aristocraia, jogava com o Barcelona. Intitulado por alguns, sem a noção do ridículo, como “a grande final”, o jogo constituiu um monumental flop verde e branco, ridicularizados em pleno estádio. O mais interessante, do ponto de vista sociológico, nem foi o desnivelado 5-2 no marcador. Foi ver a desmobilização final dos adeptos leoninos, depois de enfardarem 5 tentos, mas capazes mesmo assim de gritarem “olés”, enquanto assistiam ao estropiamento da equipa que veneram. É tão giro ir à fase seguinte da Champions pela primeira vez, não é?

Nota-se o entusiasmo juvenil, em adeptos eruditos, capazes de saberem de cor o “project finance” do clube, o seu “cash flow”, dissertando sobre coisas tão díspares como “Valores Mobiliários Obrigatórios Convertíveis”. Dou por mim genuinamente siderado, com estas manifestações espontâneas e genuínas de pura estupidez. Mas, confesso, sem a presença deles a nossa vida teria menos motivos de alegria.

Neste prenúncio de Natal antecipado, para alguém como eu, politicamente incorrecto, mandando às malvas esse tradicional e cínico nacionalismo de pacotilha, os desastrosos resultados dos rivais foram a cereja no topo do bolo.

Sim, cá em casa exulta-se em saltos acrobáticos com a marcação de golos com pronúncia grega. Sempre me senti intrigado com os adeptos que, mal chega a semanita europeia, começam a campanha pelo patriotismo, apelando aquele sentimento exacerbado glorificado no hino nacional. Convenhamos. Um adepto assim é uma aberração. Contra-natura. Um erro de programação que Darwin não consegue explicar.

A paixão incondicional por um clube só faz sentido se ela coexistir na medida exacta com o ódio devotado aos rivais do clube amado. E não é difícil. Neste cantinho beatífico, à beira-mar plantado, a deontologia não existe no dicionário da maioria dos jornalistas. O trabalho deles transformou-se numa rotina produtiva. Nas loas diárias, nos hossanas em artigos de opinião, no endeusamento sistemático de um clube que nada vence. E assim, o orgulho exaltado do “clube do Povo” transforma-se numa surrealista realidade alternativa. Onde eles, a malta do napron*, no pico da exaltação, julga-se de regresso a um passado enterrado e esquecido, capazes de lutarem por vitórias retumbantes. E tudo se torna mais fácil. Comemorar cada remate certeiro do Olympiakos. Imaginá-los sentados nos sofás, lívidos de raiva e indignação. Vendo-os regressar dolorosamente à realidade. Crua. Onde, afinal, a adulação não conta. A Europa tem destas coisas. Não permite o abanar rotineiro do fantasma dos erros arbitrais. Não concede beneplácitos dos juízes de campo. Não tolera que directores-desportivos exerçam coacção sobre os árbitros, nos finais da partida, bajulando-o com encómios, como se Rui Costa fosse uma lufada de ar fresco no dirigismo nacional.

E assim, sem filtros, a malta do napron* aprecebe-se da triste realidade em que está inserida. Longe da redoma em que vive confortável, onde a convivência com os inêxitos tem sempre um argumento desculpável, existe um Mundo duro. Verdadeiro. Real. E onde o clube por eles venerado NÃO TEM LUGAR.

* "malta do naprôn": espécie derivativa do homem de neandertal, conhecida por alguns estereótipos casuísticos: gostam de ter o belo do naprôn branco, com aqueles rendilhados, em cima da televisão, passeiam em família aos domingos, num qualquer centro comercial, vestidos com os seus garridos fatos de treino, a bela da peúga branca com raquetes, ostentando com orgulho as correntes de ouro ao pescoço. Os espécimes masculinos são também facilmente reconhecíveis por coçarem os tomates em público, terem vários dentes cariados, andarem com um palito na boca, ruminando sucessivamente e por falarem do seu clube de futebol como o "glorioso".

Nota: Nunca é demais recordar as palavras. Quando estas se revelam sábias. Vitor Serpa. Nas páginas do seu pasquim. “O FC Porto é diferente porque a dimensão do seu futebol começa na cabeça dos seus jogadores e numa cultura de exigência interna, muito especialmente dos seus adeptos. No dia em que o FC Porto perder essa cultura de exigência será igual, no resultado e na falta de afirmação, aos seus tristes parceiros nacionais”.

Isto, repito, na Bola. Sim, esse mesmo panfleto onde escreve o Zé Delgado. O homem que confunde “jornalismo” com “propaganda javarda”. Esse mesmo folheto onde dizer mal do Porto parece ser um direito constitucionalmente consagrado. Deve ter doido como o caraças escrever isto...

13 comentários:

  1. Pura literatura. Principalmente a parte dos "tomates". Temos também que reconhecer que um napronzito evita a acumulação do pó em cima da televisão.

    Em relação a Vítor Serpa e ao jornal A Bola, julgo que o pior que podia ter acontecido foi a passagem dos três jornais desportivos a diários. Lembro-me dos tempos em que ainda se aprendia alguma coisa com a leitura daquele jornal. Por exemplo, por volta do ano de 1993, sendo leitor diário do Público, só tive o primeiro contacto com expressões que na altura estavam a aparecer como "globalização" ou "neo-liberalismo" num editoral de Vítor Serpa. Por outro lado, a concorrência diária desenfreada fez com que deixasse de haver um mínimo de equílibrio e qualidade no tratamento da informação, apontando-se cada vez mais para a gestão e manipulação das emoções dos adeptos.

    flamadraculae.blogspot.com

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  2. Muito bom!
    Para ler e guardar.
    Quanto ao Serpa, meu caro Paulo, é pura hipócrisia. Por um lado dizem isso, mas logo a seguir vêm dizer que ganhamos por tudo, menos por isso.
    A mim já não me enganam.
    Um abraço
    Ah, agora tenho aqui um ching!...Culpa da vaca Silvina!

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  3. PARABÉNS, Paulo Pereira!
    Está uma deicia, adorei!!!!!!!!!

    Saudações Azuis e Brancas!

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  4. Grande Paulo. Mais uma obra literária. Identifico-me totalmente com o q escreveste.

    «E assim, sem filtros, a malta do napron apercebe-se da triste realidade em que está inserida. Longe da redoma em que vive confortável, onde a convivência com os inêxitos tem sempre um argumento desculpável, existe um Mundo duro. Verdadeiro. Real. E onde o clube por eles venerado NÃO TEM LUGAR»

    Está aqui tudo. Ainda bem q existe quem consegue exprimir tudo o q sente. Parabéns pela capacidade demonstrada.

    Eu sei q vêm cá ler, alguns deles, como isto deve doer:)

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  5. Excelente post!

    Entretanto, a fama dos lampiões parece que já chegou também à China.
    Vejam o que eu descobri agora mesmo no youtube:

    http://www.youtube.com/watch?v=QbFgj87p9LY

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  6. Paulo Pereira:

    F-A-N-T-Á-S-T-I-C-O e tá tudo dito.
    E que venham de lá então mais 5 espécimes do napron... ou serão 8, a conta que Deus fez?
    Ninguém os ouve, ninguém os ouve!
    Porque será?

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  7. Paulo :


    ... " Sim, cá em casa exulta-se em saltos acrobáticos com a marcação de golos com pronúncia grega. "...

    E quem não salta ou é lampião ou grande aldrabão !

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  8. Caro Paulo, grande texto, de resto estou em sintonia com o Vila Pouca... esses gajos são uma cambada de hipócritas, tiveram de dizer alguma coisa para disfarçar...

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  9. Quem lê este texto não pode ficar indiferente. É o reflexo da realidade nua e crua!

    Numa palavra: CLASSE. Não rima com Dragão mas é uma das suas características.

    Parabéns.

    Um abraço

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  10. Viva !

    Gostei de ler ! Grande texto !

    Paulo Pereira : Concordo a 101 por cento quando escreves : "a deontologia não existe no dicionário da maioria dos jornalistas ". Eu acrescentaria : especialmente nos jornalistas desportivos Portugueses.

    Para mim, mas estou aqui ( aí diria o Estilhaço ), o Benfica já não existe. E estou a ser objectivo.

    É que já não posso ter em consideração, positiva ou negativa, o Benfica. Ele não existe na Europa ! E nem no Mundo !E ainda menos em Portugal ! Tanta bancada vazia, aquando do último jogo, contra o Setubal, na " Luz Apagada".

    Contra factos não há argumentos !

    Interessante, a argumentação, referida em cima, quanto à mais-valia da existência, ou não, de três diários desportivos num país de 10 milhões de habitantes.

    Para mim, mas talvez por "defeito profissional " é algo que deve merecer debate.

    E Viva o Porto !

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  11. Excelente!

    Mas digo mais!
    Sem os lampiões do Norte, o nosso País só teria a ganhar.
    Tal qual se viu na última tragédia da Luz, o dito cujo clube sem os seus "fiéis" seguidores Nortenhos, fica resumido a míseros 20/30 mil apoiantes!
    Deixam os Nortenhos a clubite de lado e de certeza que lutaríamos contra os poderes centralistas e elitistas!

    Abraço Dragoniano!

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  12. Não sei se viram um lampiao no jogo com o setubal com um cartaz a dizer: "Vimo-nos gregos, mas ja estamos em primeiros"... Parece que teve que levar o cartaz pra casa outra vez... Não fosse a cartolina um bocado àspera e eu teria uma finalidade para akele cartaz! AHAHAH :D

    Btw, no ultimo jogo dos eternos campeoes vi folhetos deste nosso blog! Ja ha departamento de markting? :D

    Saudaçoes azuis e brancas!

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