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Deus terá querido, os meus pais sonharam (eufemismo para descuidaram-se) e eu nasci.
No Porto, uma cidade situada no desprezado e ostracizado norte de um país europeu mediterrânico a quem alguém e em inspirado(?) dia deu o nome de Portugal. A partir desta mistura explosiva fui dar comigo, solene, oficiosa e orgulhosamente Portuense/Portista, mas oficialmente apenas Portuguesa.
E é aqui que a porca cor-de-rosa torce o rabo. E porquê? Chateio-me. Chateio-me porque nunca alguém - vejam bem - alguém, teve a delicadeza de chegar junto a mim e perguntar se eu queria ser portuguesa. Limitaram-se a inscrever-me, carimbar-me e nacionalizar-me. Dizem que é procedimento normal no país onde se nasce. Pronto. Será. Lá isso... Em Portugal, sê portuguesa. Sou portuguesa. Mas o ponto não é final.
Ao mesmo tempo, alegro-me porque nunca ninguém teve o descaramento de chegar junto de mim e perguntar se eu queria ser Portuense/Portista. Também, era o que mais faltava! Nem lho admitia. Nunca deixei alguém na incerteza. Era Portuense de gema, de clara e casca de ovo, daqueles de tamanho XL. Logo, apenas podia ser Portista! Claro que o Salgueiros e o Boavista, a União Desportiva da Sé, os Passarinhos da Ribeira ou o Ramaldense também poderiam ser escolhas naturais, mas faltou-lhes sempre aquele je ne sais quoi e nomeadamente encanto. Foram latitudes e foram longitudes, heranças genéticas e factores congénitos que gloriosamente fizeram de mim um ser que respira FCP desde a terna e envolvente placenta. É um estado de completa alma que me está no sangue e na massa corporal e que não me permite ver a vida e sistema solar que me rodeia com lentes e filtros de outras cores que não o majestoso azul e o glorioso branco. Nunca contestei o facto de ser Portista. Sempre me considerei a pessoa mais afortunada do Hemisfério Norte e Sul e Este e Oeste (mais houvera!) por aqui e assim ter nascido.
Agora... já por diversas (tantas! tantas!) vezes pensei no que seria deter uma outra nacionalidade que não esta. A oficial. A de Portugal. A portuguesa. Frequentemente, quando acordo ou quando me deito, ou quando nada mais tenho para fazer ou pensar, recrimino-me por isso e receio um dia destes ser visitada por uma Junta de Patriotismo. Mas não o consigo evitar. É mais forte do que eu. Este rectângulo-jardim à beira-mar plantado aqui na pontinha mais ocidental da Europa e blá-blá-blá não é para mim suficientemente convincente e motivador. Não o sinto totalmente meu. É um conceito que não se entranha por completo cá dentro. Desgosta-me. Enoja-me, muitas vezes. Basta pensar que portugueses também o são os seres humanóides que habitam nos recônditos e intergalácticos anéis dos planetas da 2.a Circular e que estendem os seus tentáculos pejados de gosma e malignidade a todos os sectores e realidades do país. E isso: iurghhh!!!! Se eles são portugueses eu queria ter nascido nas Ilhas Tuvalu, no deserto siberiano ou na Polinésia Francesa.
Entendam-me: Portugal até que é giro, às vezes até que é patusco, aliciante e algo bonito (*) ser português, mas... que enorme sensação de vazio e total incompatibilidade por vezes num cá dentro tão cheio de portismo. Podem censurar-me a heresia, a leviandade, a suprema ingratidão mas é isso o que eu sinto. E nada do que possam dizer ou fazer me fará mudar esta maneira de estar e ser. Esta é a minha paixão e eu decidi vivê-la assim. Sou radical, sou fundamentalista, sou facciosa, sou ateia, blasfema. Posso até ser parva. Que sou. Mas sou feliz assim. Para mim, esta cidade é tudo, e este clube é o meu orgulho, a minha bandeira, a minha Nação e o meu Mundo. E chega. Mas não vou a ponto de afastar por completo Portugal e os portugueses do meu Porto. Seria, seriam, os vizinhos mais chegados. Ainda antes dos hermanitos espanhóis. Patuscos.
Saibam que ao longo desta passagem pela Terra, nesta pele, já dei por mim – a espaços - mais ou menos portuguesa. Em europeus e mundiais, esforcei-me por ser até bastante portuguesa. Vivi aí períodos inevitáveis de sensibilização da minha consciência lusitana. Baía na baliza, festejava os golos dos jogadores do Porto com alegria e os golos dos “outros” com um sorriso e algumas palminhas. Às vezes até de pé e de mão no coração passei a cantar “A Portuguesa”. O estádio da luzinha cheguei a gostar de ver cheio e em delírio para ovacionar a Selecção de Todos Nós e Aí Até de Mim. Recordo esses momento de pura demência e saída de mim quando - numa gaveta cheia de cachecóis azuis e brancos - vejo a destoar um verde e vermelho. Os olhos até se arregalam com o objecto estranho.
Se tenho vergonha de ter comportamentos algo apátridas? Bem... talvez. Já o reconheci acima.
Só um poucochinho assim. Mas passo creme de aloé vera e as cóceguinhas passam, ficando apenas uma sensação de frescura e bem-estar.
BlueBay.
* pela capacidade para feitos extraordinários, por Jorge Nuno Pinto da Costa que tanto orgulho tem em ser português como eu sou, pelas francesinhas e paisagens de cortar a respiração, pelo 25 de Abril (SEMPRE!), por Fernando Pessoa e o General Humberto Delgado. O clima ameno, os políticos incorruptos, o papel higiénico preto da Renova, a competência e eficácia da Justiça, a pacatez, Florbela Espanca, a Via Verde, a cortiça, os pastéis de nata & as bolas de berlim, bolinhos de bacalhau, o chá verde Gorreana, Rosa Mota, os castelos, palácios e monumentos. Também Luís Vaz de Camões, Cjistiano Ronaldo, os sabonetes Ach. Brito, as rendas de bilros, a pasta medicinal Couto, a calçada portuguesa, José Saramago, Miguel Torga, o Eça, o Camilo… Pelos 1001 pratos de bacalhau, o atum Bom Petisco (**), Lili Caneças, as alheiras de Mirandela, Vista Alegre, Francis Obikwelu, as novelas da TVI, e etc., etc., etc.
** Alto Patrocínio desta crónica.
"Foram latitudes e foram longitudes, heranças genéticas e factores congénitos que gloriosamente fizeram de mim um ser que respira FCP desde a terna e envolvente placenta. É um estado de completa alma que me está no sangue e na massa corporal e que não me permite ver a vida e sistema solar que me rodeia com lentes e filtros de outras cores que não o majestoso azul e o glorioso branco." - O texto em si, já é uma obra de arte, mas vou copiar, decorar e guardar este parágrafo para nunca esquecer e para recitá-lo sempre e a todo o mundo, porque de facto é um texto absolutamente emocionante e que mexe com os sentimentos de qualquer Portista que se preze. Jamais poderemos ser Portistas pela metade, ou o somos a 100%, até ao último milímetro do nosso ser, ou pura e simplesmente não o somos. O amor é assim. Obrigado miss Blue Bay, por todos estes textos carregados de sentimentos, até porque sei bem que não são textos inspiradas em autores consagrados ou frases soltas de facebooks e googles e outros assim, estes, vem mesmo lá de dentro. Obrigado.
ResponderEliminarObrigada, Rui. Do fundo do coração. It means a lot. :)
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ResponderEliminar@ miss blueray
f-a-n-t-á-s-t-i-c-o!
(e pensava eu que era o único "apátrida", neste rectângulo, por me considerar primeiro e antes do que tudo, portuense e portista :D )
abr@ço
Miguel | Tomo II
há uns anos estive dois meses no alentejo e os portugueses de lá chamavam-me galego.. e eu respondia: - isso é que era!!
ResponderEliminarMário Costa
Mário Costa,
ResponderEliminar"galego" ???!!!....
Portugueses somos nós, o resto são conquistas!!
Viva.
ResponderEliminarSe isto não servir para mais nada, ao menos serve para eu não achar que sou o único maluquinho a pensar de certa maneira. Já aconteceu com outros temas e acontece com este.
Fugindo ao tema. Apanhei ontem no Porto canal uma daquelas reportagens do Ricardo Amorim (penso que seja) e apesar de só ter visto a parte final houve algo que me incomodou. Um artista que sendo funcionário do FC Porto, se confessa lampião. Está bem que os encornados também têm de trabalhar, mas no nosso clube?
Aquele serviço nem dava para mim, pois não dá para ver o jogo (e isso era matar-me) mas caralho, devem haver Portistas a precisar de emprego. Espero não ficar outra vez a pensar que sou fundamentalista e tolinho e que estou sozinho nesta. Mas se calhar é um problema meu.
Abraço.
Sérgio.
S E N S A C I O N A L
ResponderEliminarL I N D O
VIVA O FUTEBOL CLUBE DO PORTO
Caro anónimo, não és o único a pensar assim . Vi essa reportagem e pensei exatamente o mesmo. Pensei eu assim, há um ano estava desempregado e enviei currículo para o f.c.porto e não obtive resposta, e aquele lampião de meia tigela está a trabalhar para o meu clube. Coisa que eu fazia com honra, fosse a fazer o que fosse.
ResponderEliminarEm relação ao post.. Divinal, não tenho palavras.. ou melhor até tenho..
Há uma coisa que sempre me intrigou que foi.. Haver lampiões Portuenses.. Isto é algo que mexe comigo profundamente, não preciso de dar os motivos da minha tristeza e revolta porque vocês já sabem as razões.
BIBÓ PORTO CARAGO!!
INVICTA!!
Delicioso texto muito bem construido. Grande reforço que o bibóporto conseguiu!
ResponderEliminarJOSE LIMA Misticaazulebranca
Muito bem! Claro que adorei.
ResponderEliminarEste texto serve de espelho para muitos. Fantástico!
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