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Pai. Oliveirense (de Azeméis), bastião mouro. Portista praticante.
Mãe. Tripeira. Portista não-praticante mas oh tão ferrenha.
Família próxima. Azul e branca. Até à medula dos ossos.
Sábado à tarde. A miúda tem 8 anos. Sentada ao frente à televisão, tenta perceber a dinâmica confusa daquele jogo de que o pai tanto gosta. "Estes jogam para aqui e aqueles para acolá e o objectivo é meter a bola dentro da baliza". OK. Aquilo não ia ser assim tão difícil.
Percebe a custo porque uns não podem passar a bola a outros que jogam de outra cor e vice-versa, e não é porque sejam maus, não senhora.
Missão cumprida, os básicos assimilados, vai ter com o pai, seu herói absoluto, e diz-lhe: "Pai, quero começar a ir às Antas contigo ver os jogos do Porto". O pai olha para a sua filha mais nova como se ela fosse extra-terrestre e tivesse desenvolvido antenas na cabeça -- nesses tempos as meninas ficavam com as mães em casa ou então fora do estádio, entretendo-se como podiam, enquanto estas crochetavam toalhinhas, paninhos e outras coisas sempre delicadas e terminadas em *inhos e *inhas -- mas acede ao seu pedido. Diz-lhe que vai com ele ao próximo jogo.
Mal sabe ele que se vai arrepender dessa decisão ao longo da sua vida.
Domingo. Autocarro 78, direcção Estádio.
A mesma miúda, ansiosa, excitada, pela mão do seu pai. Pela mão da sua mãe, cachecol azul e branco tricotado ao pescoço. O relvado é de um verde lindo e viçoso e viçoso e lindo, o dia de sol e de perfeito céu azul e as bancadas cheias de vida e de pessoas pequeninas até onde o seu olhar abarca. E quando o Porto entra em campo, bandeiras tremulando ao vento -- Deus seu! -- a seta trespassa-lhe o coração inocente e desprevenido e não chega a pôr a vista em cima ao semi-nú puto loiro de asas brancas. Apaixona-se para a vida e até aos fins dos tempos, num amor de proporções épicas, material de tantas lendas.
Decora o nome dos jogadores, bebe avidamente a informação que o pai, orgulhoso, lhe dá. Adora-os a todos. Bigodes e tudo. Entende finalmente o conceito de um jogador em fora-de-jogo, esse mistério absoluto do futebol. Sabe agora quem foi o Tibi, essa figura mitológica dos seus tenros anos, sambinha chato do daddy nas inevitáveis horas de choro: “Não vale a pena chorar, Tibi”. Memoriza os inimigos do seu clube. Demoniza-os e têm corninhos e tudo.
Essa tarde de sol dá lugar a outras gloriosas tardes de sol e a noites de estrelas, mas tantas de chuva - "Ó chefe! Já num chove!!" - ou sem chuva, de granizo, ou nevoeiro cerrado, não menos gloriosas. Neve é que nunca (só em Tóquio e via TV). O trajecto para as Antas (oh, nome maravilhoso!) (uma espécie de Olimpo dos seus deuses) passa a ser o seu Caminho da Felicidade, ritual, ponto alto e supremo das suas semanas. Tornou-se associada do clube. De Superior Sul, i.e. os associados mais indefectíveis. Mostra ufana o cartão. Já tem cachecol oficial, boné e fitinha delirantemente gira e muito fashion dos "Dragões Azuis". Segue-se a Mágica, Mítica Bandeira. Venera-a. Arrepia-se quando a contempla (o nosso emblema é lindo para caramba e o Simplício era um designer e pêras!). Compra religiosamente e devora a sagrada revista "Dragões", finalmente nas bancas. Jaiminho, André, Quim abraçam o Bi-Bota. São gaziliões de números que um dia deixará aos 7 netos que não terão outro remédio se não ser do Porto. Tapando as caras dos jogadores, reconhece-os apenas pelo formato das pernas. Sim, chegava a isso.
São tantas as vitórias. Tantas, tantas.
Vai a todos os jogos, mesmo os de pré-época e os particulares e aqueles que não interessam nem ao Menino Jesus e jogados a feijões. O “Quadrante Norte” do Gomes Amaro liga-a à equipa e aos seus meninos nos jogos fora.
As derrotas, raras, magoam-na, enegrecem-lhe a alma. Chora com elas.
Tantas as vitórias. Chora com elas.
Títulos em catadupa. Mais títulos. Chora com eles, sabe que no fundo é uma chorona, mas o seu pai já não a chama de Tibi.
Tantas as vitórias. A todas as escalas e latitudes.
Um orgulho imenso que, a cada ano, ameaça explodir a sua alma.
Mais vitórias. E mais orgulho ainda.
Aquele primeiro Domingo já vai longe. Hoje não é Domingo e a alma ainda não explodiu.
E se explodir? Não interessa. Desde que seja de felicidade.
BlueBay.
P.S. Olá a todos! É um prazer poder estar aqui. :)
Que demonstração de Portismo, muito bom!
ResponderEliminarBluebay:
ResponderEliminarPosso aqui dizer-te que me emocionei imenso ao ler este teu (1º) texto.
Revi-me em muitas das coisas que aqui escreveste. TB eu nunca mais esqueci aquele meu 1º jogo nas Antas e o verde o relvado e todas aquelas bandeiras ao vento. Inesquecível, emocionante, um Porto lindo, absolutamente mágico.
Hoje quase 30 anos depois desse dia, recordo tudo ao pormenor...
Que nostalgia me passou pela alma... Que vontade de reviver o mesmo. O bem que me lembro de ir quando miudo. Não me lembro da primeira vez, visto que ainda de fraldas me levaram aos vários estádios onde o enorme azul e branco vestia aqueles jogadores.
ResponderEliminarLembro-me de 87 qdo andava na caravana das celebracoes durante horas. Nao sabia bem o que tinhamos ganho, mas era mais importante que o habitual...
Ai que nostalgia...
ResponderEliminarbem-vinda!
abr@ço
Miguel | Tomo II
Um arrepio, foi a primeira reação que tive logo que os meus olhos cruzaram essa foto das Antas! Que memórias!eternas para a maioria delas! "Estou a caminhar entre os meus dois irmãos, no meio da multidão. Passo em frente ao departamento de futebol com esse cheiro dos relvados anexos, que se encontram a minha esquerda. Continuo a subir olhando para os postos de iluminação que vigiam o nosso velho estádio mas tão bonito e único. E aí lembro das horas passadas nos matrecos oleosos, com o relato da nossa equipa na rádio, os velhotes nas cartas e outras nas cervejas. Não acredito estou quase!O ruído vindo das bancadas é cada vez maior. Quero correr para entrar na arena mas tem que se feito a passo. A visão torna-se mais clara, subo os últimos degraus que me separam do paraíso. Céu azul, limpo. Já estou! Aperto o braço do meu irmão, como se quisesse partilhar, transmitir a minha felicidade. Ele faz o mesmo. Papelinhos azuis e brancos, bandeiras, os jogadores entram com aqueles calções curtinhos (ah ah), a bola rola, golo, gritos, saltos, ganhamos. Saio do estádio mas não consigo ouvir ninguém, o que se passou marcou-me ao ponto de ter ficado chocado durante vários minutos. Sonhei? Que sensação indescritível. Não não sonhei, só sei que encontrei algo que me fará sempre feliz e que nunca deixarei de amar. O PORTO! ". Mário
ResponderEliminar@ Miss BlueBay,
ResponderEliminar"P.S. Olá a todos! É um prazer poder estar aqui. :)"
não exagerarei se disser que, não retribuo por mim, mas retribuo por TODOS... Obrigado NÓS por te termos aqui, não neste espaço da bluegosfera, que é uma gota num oceado, mas sim, pelo FCPORTO, para o FCPORTO.
neste teu primeiro "orgulho e preconceito", deixaste-me com muita boas e gratas recordações do SEMPRE saudoso Estádio da Antas, onde também tudo começou para mim neste vicio que sempre me há-de acompanhar, que é o PORTO, clube... sem esquecer esse teu tão próprio "toque feminino" na escrita para o PORTO, clube.
por tudo e o que mais daqui houver, obrigado eu! até já...
Olá, gente boa.
ResponderEliminarÉ impressão minha ou - para além de grandes Portistas - são todos muito simpáticos? :) Obrigada pelas boas-vindas e pelas palavras. Realmente, o nosso velhinho Estádio das Antas deixou uma cratera enorme e aberta no nosso coração. Vemos imagens daquele mundo só nosso e somos invadidos por uma nostalgia incrível. Tristeza também.
Grande, lindo e arrepiante texto.
ResponderEliminarSem dúvida uma estória com muita História.
Abraço.
Perfeito! Brilhantemente perfeito!
ResponderEliminarObrigado!
E... Bem-vinda!
BlueBay, também eu lembrei o meu primeiro jogo no Estádio das Antas! Nos ombros do meu saudoso Pai, indefectível portista, que me ensinou (também naquele evento), a amar o nosso querido Clube! Jamais esquecerei, jamais esquecerei o primeiro jogo que vi do nosso amado FC Porto (um Porto - Académica), tinha eu 7 anos!
ResponderEliminarObrigado pelo teu post; não tenho vergonha de o dizer: chorei ao lê-lo! Chorei sim, com muito orgulho. O ORGULHO DE SERMOS PORTISTAS!
Um grande abraço AZUL MUITO FORTE.
Que grande post de estreia. BEM VINDA ao nosso BibóPorto, "colega de bancada"! Sou de 85 e também eu vivi as Antas com uma emoção única e especial. As emoções que lá vivi são irrepetíveis. As Antas representam um Porto que só as espaços, hoje em dia, existe. Temos que ser nós a reeditá-lo.
ResponderEliminarParabéns e continuação de grandes crónicas.
VIVA o FUTEBOL CLUBE DO PORTO !!!
Bem vinda BlueBay, o Bibó Porto estava a precisar da sensibilidade e beleza feminina...;)
ResponderEliminarObrigada a todos. Acreditem que a minha intenção não era pôr meio-mundo a chorar. O problema é que andamos demasiado melancólicos nos últimos meses, tempos, eternidades. Nada que um título não resolva! :) Mafaldinha (OLÁ!), diz-me: como era viver sozinha num universo de homens? :P
ResponderEliminarOlá BlueBay, como já sentiste, são todos uns cavalheiros e simpáticos, ou não fossem todos grandes Dragões, por isso estamos muito bem acompanhadas...;)
ResponderEliminarSão, como alguém já disse, gente do alto. :)
ResponderEliminarAllô Miss
ResponderEliminarSó vi hoje 12/02.
Muito, muito, bom.
Bjinho
José Lima
Místicaazulebranca
Este magnífico texto leva-me imediatamente para o momento do nascimento do meu amor pelo FC Porto, a entrada no Estádio das Antas. Pode parecer surreal, mas eu vivo rodeado de Benfiquistas, numa familia de vermelhoides em que a minha unica possibilidade de ser feliz residia num tio que vivia a 12 mil km. E foi numa visita de férias desse meu tio que o meu coração jamais bateria por qualquer outra cor. Assim que pus os pés naquele palco, acabou-se qualquer possibilidade de eu ver alguma coisa à minha frente que não fosse o FC Porto. Tento agora, com uma consciência mais desenvolvida, imaginar-me naquele momento em que entrei naquele estádio, revejo a minha reação, o suster da minha respiração, a paralisia que era em simplesmente contemplar aquele local de culto. Foi sem a menor dúvida a coisa mais emocionante que me aconteceu na vida. Obrigado Miss Blue Bay por este testemunho, em que me revejo em grande parte dele. Parabéns, está fantástico. No meio de tantos vermelhoides, numa terra infestada deles, eu seria Portista, estava escrito nas estrelas.
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