13 fevereiro, 2015

ENTRE A DEPRESSÃO E A EUFORIA

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Numa recente palestra da empresa onde trabalho, que nada tem a ver com o tema que nos une nestas páginas, retive uma curiosa frase do orador de serviço, um gestor estrangeiro bastante reputado em Portugal. Dizia ele, em pleno palco, que os portugueses não sabem festejar devidamente os seus feitos e façanhas, excepto claro – entre sorrisos – os benfiquistas. Metade da sala aplaudiu, outra metade assobiou. O normal nestas coisas. A divisão da sala, no entanto, não interessa para o caso. Fiquei a matutar na ideia e tentei descortinar o que o homem quis dizer. Concluí que, para um estrangeiro, essa é de facto uma verdade nua e crua.

Se há alguém que festeja condignamente os seus feitos , sejam eles quais forem, por mais pequenos que sejam, esse alguém é o benfiquista. Há vários exemplos disso. Eles podem ver o Porto ganhar na mesma época o Campeonato, a Super Taça e a Liga dos Campeões (como em 2004), mas se por mero acaso e sorte ganham a Taça de Portugal no Jamor, não se coíbem nem têm vergonha de usar uma t-shirt branca com a seguinte inscrição: “Benfica – Campeão da Taça de Portugal”. Fantástico, no mínimo. Engenhoso, para não dizer outra coisa. A isto se chama “saber festejar”.

Na Madeira, há dois anos, conquistam mais um jogo e uns meros três pontos. Não ganham nenhuma prova nem nenhum objectivo alcançam. Não vencem nenhum velho tubarão europeu. Não interessa. Abraçam-se no centro do relvado, pulam e dançam, riem e cantam. Festejam!

Há anos em que no futebol nada ganham, a não ser (claro!) o Troféu Guadiana e a Eusébio Cup. Não há problema. Ganham o campeonato de futsal e a Volta a Portugal e festejam como se isso fosse o título mais cobiçado.

Eles perdem dois anos consecutivos a Liga Europa, uma delas no último minuto e a outra frente ao Sevilha, ao contrário de todas as expectativas. Mas, se por acaso ganham o campeonato nacional, enchem o Marquês de alto a baixo, inundam durante semanas a fio os telejornais, fazem directos de todo o lado, concedem entrevistas sobre tudo e mais alguma coisa. Festejam!

Tudo lhes serve para festejar, para berrar, para entrar em euforia. Até mesmo, pasme-se o leitor, o triste episódio da morte de um jovem adepto rival com um very-light. Todos sabemos que isso foi, até à data, o mais triste episódio do futebol português do século que passou. Algo que devia envergonhar todos os envolvidos e obrigar ao total repúdio por parte dos dirigentes das instituições em causa. Mas não. O tempo cura tudo, dizem e, neste caso, até a vergonha se perdeu. Tarjas a relembrar a situação foram erguidas, cânticos a celebrar o sucedido foram feitos. O “saber festejar”! Sem dúvida.

Aos 89 minutos, no mais recente derby de Alvalade, o Benfica perdia por 1x0 e comprometia seriamente as hipóteses de ser Campeão Nacional. No banco, Jorge Jesus era um homem lívido, entre o pasmo e o pânico. Trincava a chiclet ruidosamente, olhar vago e perdido, rugas vincadas, cabelo mais branco, desnorteado, o chão a fugir-lhe. O mesmo ar do Benfica x Estoril de há dois anos. De repente, Jardel saca um coelho da cartola e empata a contenda. O jogo termina passados uns segundos e é a euforia incontida, a emoção. Não ganham nada. Empatam, até. Perdem pontos para o rival mais directo. Mas isso não interessa nada. Festejam como loucos. Abraçam-se, fazem uma rodinha, invadem o campo, batem no peito e gritam que são os maiores. Mais uma vez: festejam!

Se por acaso aquela bola não tem entrado, já sabíamos o que iria suceder: ajoelhados no relvado, ar de espanto, boca aberta, mãos na cabeça. Tal como no Dragão no momento Kelvin. Tal como na Luz, no pesadelo Estoril. Tal como nas outras tantas finais perdidas. É um clube assim, bipolar, depressivo e eufórico, consoante a música e o momento. Um clube sem cultura, sem mística, sem Norte. Mas um clube de festejos, sem dúvida. Uma espécie de arraial à portuguesa, estilo mata do Jamor num Domingo à tarde.

O orador tinha razão. Ninguém festeja tanto por tão pouco. E é por isso que eu continuo a acreditar neste título. Mais do que nunca. Porque já vi este filme. Porque sei que temos mais focos, mais têmpera, mais crença, mais mística. Porque sei que não somos bipolares. Nem passamos da depressão à euforia numa questão de segundos. Isto tudo para dizer que eles vão ceder. Eles vão ceder. Nós temos que acreditar. É só isso que nos resta. Não desfocar e fazer a nossa parte. Acreditar.

Rodrigo de Almada Martins

1 comentário:

  1. Grande Rodrigo!
    Eu também acredito.
    Um grande abraço de um portista de Cascais

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