22 maio, 2015

A NOVA BURGUESIA.

http://bibo-porto-carago.blogspot.pt/

Há uns anos dizia-se, sobre a superioridade e hegemonia portistas, que o FC Porto não falhava nos momentos decisivos. Era o clube que não jogava as finais, ganhava-as. Era o clube que, também, quando tinha que ganhar, ganhava. O rival perdia pontos numa deslocação qualquer por esse país fora. O Porto, ora jogando em casa, ora jogando na Madeira, Setúbal, Faro ou Alvalade, fosse onde fosse, não desperdiçava a oportunidade: marcava um ou dois golos, fechava-se atrás e saía dos terrenos contrários com mais 3 pontos. Era assim por tradição. Foi assim durante muitos e bons anos.

Era a chamada cultura de vitória. Ou a Mística. Ou o vício de ganhar. Ou a famosa estrutura, também. A estabilidade, oriunda de um Presidente sempre presente. Uma máquina já montada e bem oleada. O sistema, diziam os paineleiros sulistas de ocasião.

Fosse o que fosse, era verdade que o FC Porto não falhava. Era comum vermos o nosso clube acabar campeonatos com 12, 15, 18 pontos de vantagem sobre o segundo classificado. Era o pão nosso de cada ano. Equipas dominadoras, mandonas, compostas por homens com H grande (como se dizia na altura), capazes de comer a relva. Homens que tinham conquistado o direito de ir a qualquer campo de Portugal Continental & Ilhas lutar pela vitória até ao fim do apito arbitral.

Os rivais nunca souberam lidar com esse FC Porto. No princípio estava Pedroto, que disse alto e bom som que, a jogar fora de portas, o FC Porto já entrava em campo a perder 2x0. Com uma cultura de trabalho e exigência, num clima de guerrilha e de cerrar fileiras, construiu e lançou as bases do FC Porto do futuro, alterando paradigmas do passado. 78 foi o ano da mudança. Os anos 80 viram nascer um bando de rapazes nortenhos, prata da casa, a que se juntavam um ou dois craques estrangeiros (como Celso ou Madjer) ou vindos dos clubes rivais (como Futre). Era difícil lidar com aqueles guerreiros de antes quebrar que torcer, que varriam os campos por esse Portugal e Europa fora, mordendo os adversários se preciso fosse.

Depois veio a Lei Bosman e as coisas mudaram. Nos anos 90, o clube manteve-se fiel a si próprio, lutando contra as novas e agressivas abordagens dos ricos clubes europeus, formando, lançando e vendendo caro os talentos das suas escolas (Baía, Couto, Secretário, Conceição, Domingos). Era o tempo de contratar bem internamente (Emerson, Zahovic, Drulovic, Edmilson, Capucho, Chaínho, Barroso, Fernando Mendes) e de ir buscar lá fora a magia que por cá não existia (Artur, Timofte, Kostadinov, Doriva, Paredes, Jardel e um tal de Deco). A base ou a espinha dorsal da equipa não mexia (João Pinto, Aloísio, Jorge Costa, André, Magalhães, Semedo, Folha, Paulinho, Rui Jorge, entre outros). Por ano saíam um ou dois titulares e os que chegavam facilmente entravam na tal máquina oleada. Havia a tal estrutura. O tal projecto estruturado e pensado para vários anos, que veio a resultar num inédito Penta.

Vieram os anos 2000 e as vitórias continuaram, embora o modelo de futebol e de negócio se tivessem alterado. Com o novo século e milénio, veio também José Mourinho e com ele um novo ciclo de vitórias internacionais do FC Porto: depois de Viena e Tokyo, era a vez de Sevilha, Gelsenkirschen e Yokohama. Um sonho azul e branco. De novo.

Seguiram-se anos de grandes negócios milionários. Tratava-se da venda frutuosa dos heróis dessas duas finais europeias, realizada a conta-gotas durante duas épocas. Feita a necessária limpeza de balneário e buscando novamente jogadores com ambição e fome de títulos, seguem-se Co Adriaanse e Jesualdo Ferreira, o que culmina num previsível tetra-campeonato. Efectivamente, com as vendas pós-Mourinho, o FC Porto pôde contratar craques de elevado quilate por esse mundo fora. A máquina alimentava-se a si mesma: o clube ganhava títulos e vendia os seus grandes jogadores por somas estratosféricas. Por vender dessa forma, o clube podia voltar a contratar craques que os outros nem podiam sequer sonhar. As presenças na Champions eram apenas mais uma forma de aumentar e cavar um fosso para os rivais.

Foi o tempo de Lucho, Lisandro, Assunção, Meireles, Bosingwa, Pepe, Emanuel, Helton, Quaresma, Jorginho e Adriano. Uma máquina de ganhar títulos. Uma geração de jogadores que, sem terem nascido no berço do Dragão, conseguiu assimilar a mística da cidade Invicta. Nascia então a famosa expressão “tripeiro nascido por acidente em Buenos Aires”. Os títulos sucessivos mantinham e enraizavam ainda mais uma cultura de vitória e quem chegava identificava-se facilmente com ela.

Os craques continuavam a mostrar-se nas grandes montras europeias e a sair por preços inimagináveis. E com esse dinheiro, a famosa estrutura continuava a contratar outros craques: Fernando, Otamendi, Rolando, Moutinho, Hulk, James, Falcao. Nova espiral de vitórias. Reedição de títulos. Domínio interno absoluto.

Se Villas-Boas chegou e sobrou para as ambições portistas, Vítor Pereira aguentou o leme e deu mais dois títulos aos dragões, mais ou menos sofridos, em épocas de clara renovação de ciclo. Mas aí o portista comum e o Presidente cometeram talvez um dos seus maiores erros desportivos: querer empurrar porta fora um treinador campeão, frente a um rival reforçado dentro e fora de campo, com uma estratégia mais assertiva.

O portista comum distraiu-se. Acomodou-se. Armou-se ao burguês e cometeu o erro de achar que no Porto qualquer um é Campeão e que Vítor Pereira, por não comunicar bem, “não era treinador para o FC Porto”, nem dava a tal “dimensão europeia”, como se um clube que em pouco mais de 20 anos ganhou 4 grandes títulos europeus pudesse almejar, anualmente, a vencer uma Champions League.

O Presidente fez a vontade ao portista e foi buscar um novo Mourinho a Paços de Ferreira. Pensou-se que era apenas um ano de excepção, que Jesus tinha vindo fazer um milagre e que depressa iria embora. Mas não foi assim. O tal Jesus é manhoso e sabe ao que vem. Aposta tudo no campeonato, não é burguês e por isso já leva três títulos de campeão e parte na dianteira para o próximo ano.

Despedir Vítor Pereira foi um erro crasso. Talvez o maior do Presidente. Contratar Paulo Fonseca foi outro erro de palmatória. Ir buscar Julen Lopetegui foi a solução ideal para lidar com uma época desastrosa a todos os níveis e para formar de novo uma geração capaz de incorporar o espírito do Dragão e de impor o tal novo ciclo de vitórias. É verdade que, por uma razão ou por outra, a equipa e o clube falharam. Não ganharam quando foi preciso. Tremeram quando se lhes pedia firmeza e carácter. Alguns deles mostraram não ter o que é preciso para ser jogador deste clube.

Há algo a mudar? Claro que sim. Um clube que não fala a época toda perante a vergonha que foram as arbitragens deste ano e decide fazer um comunicado a mal-dizer os protestos dos seus adeptos é um clube com os valores virados ao contrário. Um clube sem cultura. Sem Mística. Sem chama. Sem garra e, acima de tudo, sem vergonha. Um clube neo-burguês. Calado, murcho, acrítico, que come e cala, sem raça nem espírito portuense. A mudança não tem que começar no banco, meus senhores. Foi precisamente pelo facto do presidente do nosso rival ter resistido aos críticos após o ajoelhar do seu treinador no Dragão, além das inúmeras finais perdidas, que o seu clube já tem mais dois títulos de campeão no bolso. A mudança, conforme digo há uns tempos, tem de começar por cima. E é bom que o portista comum desça à terra, ponha os pés no chão e veja que a mudança tem de também partir dele próprio.

Rodrigo de Almada Martins

14 comentários:

  1. Tal e qual! Análise brilhante. Parabéns!

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  2. Boas,
    Nem mais, não acredito que principalmente o nosso Presidente não disse nada, simplesmente não entendo nem aceito.
    Colocar o treinador a lutar sozinho contra a roubalheira, não entendo.
    Se sou roubado, das duas uma: ou calo-me porque tenho medo de quem me roubou ou parto para a porrada.
    Estou com receio do futuro proximo pois pelo andar da carruagem, ninguem vai falar e com o tempo, vai tudo cair no esquecimento, sem que se tome meddas para alterar o rumo.
    Abraço,
    PM

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  3. Este post resume bem e sucintamente a forma como o clube conseguiu hegemonia total ao longo dos últimos 30 anos.

    Do ponto de vista sociológico, olhando para o panorama do futebol mundial, com exceção de epifenómenos de Celtics ou Olimpiakos que nada ganharam internacionalmente, o FC Porto é um verdadeiro case-study de sucesso, conjugando imensos títulos internos, com sucesso europeu entre tubarões com orçamentos muitas vezes superior ao seu.

    Nenhum, nenhum mesmo, clube mundial conseguiu tanto sucesso interno, conjugado com sucesso internacional, como o FC Porto. Nem Milan, nem Real, nem Barça, nem Bayern mantiveram ao longo desses 30 anos hegemonia total como o FC Porto teve.

    É por isso com base nesse cenário que a atual situação do clube se deve enquadrar e explicar.

    O grande desafio que se coloca ao FC Porto é conseguir estancar o ciclo vitorioso do rival e tentar manter equilíbrio na conquista de títulos, como acontecei por exemple na década de 80.

    Esqueçam completamente décadas de domínio total e esmagador como 90 e anos 2000. Temos de aprender, TODOS, a conviver com um equilíbrio de forças que muitos de nós não estávamos habituados.

    O tempo de reflexão que se aproxima é fundamental. De reflexão e de decisão. Só um planeamento bem feito e realista nos pode conduzir ao sucesso a curto prazo, sem histerismos, sem colocar tudo em causa mas também com muito espírito crítico e construtivo.

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  4. EXTREMAMENTE lúcida e pertinente, esta análise!

    Leitura obrigatória!

    Só demonstra que existe uma parte dos adeptos PORTO q não dorme nem se fica pelo passado. O caminho...é em FRENTE! SEMPRE!!

    Muito bom!

    Pedro Pinto

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  5. “Despedir Vítor Pereira foi um erro crasso. “

    É verdade que a saída de VP foi o “fósforo” necessário para uma fogueira que já se antevia anteriormente, e que só a enorme competência, seriedade e capacidade de sacrifício de VP e seus pupilos permitiram adiar por mais 2 anos.
    Os Portistas, grande parte deles, chegaram a um ponto, golo de Kelvin, em que julgaram que acontecesse o que acontecesse, treinasse quem treinasse, jogasse quem jogasse, o FC Porto venceria sempre com maior ou menor dificuldades.
    E o problema foi que isto se alastrou à estrutura do clube. Um relaxe, uma tranquiliadade, um “dormir à sombra da bananeira” que levou a que caíssemos todos na dura realidade dos últimos 2 anos que é um misto de vários ingredientes: falta de humildade, arrogância, relaxe e falta de mística!

    Apesar de não ter sido despedido, na medida em que foi mesmo convidado a renovar (já depois de ter sido bicampeão), o problema foi durante 2 anos VP ter sido tao maltratado por tantos adeptos, pouco protegido por vezes pela própria estrutura e deixado muitas vezes sozinho para enfrentar as feras.

    Ao fim ao cabo, quando a SAD percebeu a real competência de VP já era tarde de mais. E a verdade indesmentível é que mesmo com altos e baixos, há factos indesmentíveis:
    1) Com VP, foram 60 jogos e apenas 1 derrota contra Bruno Paixão.
    2) Com VP não perdemos um único jogo para o campeonato com o slb de jesus, bem mais forte em termos de plantel que o deste ano;
    3) Com VP, no 2º ano foi conseguido o objetivo mínimo de passar aos oitavos da CL, sendo que por exemplo enquanto este ano tivemos Oliver, naquele ano uma das opções de meio-campo era Defour…
    4) Com VP conquistamos 4 títulos em 2 anos.

    Agora, muita gente, inclusive dentro do clube, deve roer-se por não ter feito mais para que VP permanecesse.
    Toda esta conversa do passado é importante porquê??? Porque é muito importante conhecer os erros do passado para não os cometer no futuro e para resolvê-los melhor no presente.
    Mantenho uma ideia que já partilhei num post anterior: estamos num momento difícil é verdade, mas não é tão difícil assim retomarmos o caminho que mais facilmente nos poderá levar ao sucesso. Já se viu que não é apenas dinheiro que resolve os problemas, porque este ano houve em excesso e não ganhamos nada.

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  6. Uma coisa não invalida a outra. O nosso clube não pode sujeitar-se a vexames como o das picaretas. Onde é que isso já se viu? É dar trunfos aos nossos adversários.

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  7. Duvido muito desse convite a renovar. VP, tenho para mim, foi empurrado porta fora.
    Quanto muito, o clube disse: "ah e tal, queremos muito que fiques, mas com o mesmo salário ou parecido".

    "Ah, mas pagam-me o triplo noutro lado"

    "Pois..ok, trata então da tua vida, tu é que sabes"

    Convidado a ficar. Pois.
    Alguém acredita que VP saiu porque queria?

    Eu não compro essa.

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  8. Duvido muito desse convite a renovar. VP, tenho para mim, foi empurrado porta fora.
    Quanto muito, o clube disse: "ah e tal, queremos muito que fiques, mas com o mesmo salário ou parecido".

    "Ah, mas pagam-me o triplo noutro lado"

    "Pois..ok, trata então da tua vida, tu é que sabes"

    Convidado a ficar. Pois.
    Alguém acredita que VP saiu porque queria?

    Eu não compro essa.

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  9. Brilhante análise.Exactamente como refere...

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  10. UM ANO É MAIS DO QUE SUFICIENTE, PARA POR UMA EQUIPA A JOGAR, AINDA MAIS COM O MELHOR PLANTEL DOS ÚLTIMOS ANOS E ACABOU A ÉPOCA E NÃO JOGAMOS NADA. PARECE QUE É TUDO FORTUITO, ACONTECE POR ACONTECER, E QUANDO NÃO ACONTECE, PERDEMOS, QUE FOI O QUE ACONTECEU MAIS VEZES. MUDAR O TREINADOR, NÃO É VOLTAR A ESTACA ZERO, DESDE QUE A ESTRUTURA DA EQUIPA SE MANTENHA. NA PRÉ-ÉPOCA E NOS PRIMEIROS MESES DE COMPETIÇÃO, QUALQUER TREINADOR PÕE A EQUIPA A JOGAR A SUA MANEIRA.
    SÓ GOSTAVA DE SABER O QUE PASSOU NA CABEÇA DO PRESIDENTE, PARA DEIXAR IR EMBORA O TREINADOR, QUE DAVA PORRADA NOS MOUROS EM TODOS OS JOGOS E FAZ DOIS CAMPEONATOS SEM NENHUMA EQUIPA DE FUTEBOL NOS DERROTAR E COM O PLANTEL MAIS FRACO DO QUE ESTE. HAVERIA ALGUÉM QUE FOSSE FAZER MELHOR??? QUEM???
    O PRESIDENTE QUE EXPLIQUE, QUEM SERIA O TREINADOR QUE ERA CAPAZ DE FAZER MELHOR.
    SOMOS PORTO

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  11. Este ano foi uma tristeza, não ganhamos nada. Nem reconheci o meu clube.

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  12. "Fosse o que fosse, era verdade que o FC Porto não falhava. Era comum vermos o nosso clube acabar campeonatos com 12, 15, 18 pontos de vantagem sobre o segundo classificado. "

    mas agora temos o benfica que vendeu a alma ao diabo para nos dar luta. será que na próxima época ainda vão dar? parece-me que não mas também para esta época ficaram muito mais fracos e conseguiram "arrepiar caminho". Por isto precisamos de uma direção forte.

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  13. Acho que todos os Portistas hão de estar de acordo com este facto:

    O facto de ter de renovar o espirito/ mística do nosso Clube.

    Com isto temos de trazer a nossa prata da casa ao de cima.

    Foi com uma equipa praticamente completa de Portistas que conseguimos todos aqueles feitos de tempos antigos.

    O problema agora nestes tempos modernos é que o nosso Clube contrata muitos estrangeiros |até demasiados| e que não haja uma maioria de jogadores que saibam o que é que este clube representa.

    Espero que haja limpeza de casa e venha sangue Azul e Branco para o nosso Clube.

    Abraços.

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  14. Parabéns RAM.Brilhante análise.Obrigatório ler.Bem Haja

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