14 maio, 2015

UM TREINADOR CHAMADO LOPETEGUÍ.

http://bibo-porto-carago.blogspot.pt/

Chegou às nossas vidas no início de Maio de 2014. À porta da nossa casa. Montes de malas à sua volta. Tipo tio materno * que todos desconhecemos, esquecido ou perdido nas profundezas de qualquer país. Olhámos para ele de lado, desconfiados, estranhando o nome algo esquisito, querendo que fosse erro de digitação ou confusão de alguém, desejando que a escolha tivesse recaído sobre outra pessoa. Julen Lopeteguí… Oi?

Mas ei-lo. A tocar à campainha. Insistentemente. Já não rumor e antes certeza. Oficializado. 47 anos de gente, natural de Asteasu, Guipúzcoa, no País Basco. Ex-guarda-redes. A recomendá-lo? Nebuloso Campeão da Europa de Sub-21 (2013) e Campeão da Europa de Sub-19 (2012) pelas selecções de Espanha. Preparado, ao que constava, para a sua primeira aventura a solo em território inóspito, mas isso ele não sabia. Depois da aventura frustrada e falhada da Alicinha no País das Maravilhas, aka Paulo Fonseca -- o treinador que nos fez desaprender o que era o futebol, que nos fez tremer perante qualquer adversário -- Lopeteguí parecia-nos demasiado arriscado, frágil. Soltámos um audível GLUP!

A agudizar as nossas dúvidas e piores receios, logo começaram as risadas escarninhas do País, as dúvidas dos experts e paineleiros, o sarcasmo pelo nome, inexperiência, currículo ou falta dele. Foi nesse momento que decidi adoptá-lo. Não foi a azémola do meu ex-patrão que sempre me apontou o instinto maternal por todos os pobres, indefesos e oprimidos? Pois adoptei-o. Inexperiente, sem currículo, sobrolho franzido, penteado esquisito e tudo. Deixei-o entrar em minha casa e, à primeira conferência de imprensa, acreditei nele, apaixonei-me por ele (anzol, linha e chumbo), pelo seu projecto, maneira de falar e estar. Senti com ele o que não senti pela Alicinha na sua apresentação ao lado do Presidente. Ali faltara algo. Sensaborão. Uma pitadinha de sal e um toque de caril ou cominhos. Com o Lope, a minha intuição feminina - alapada ao meu lado a comer pipocas - confidenciou-me muito casualmente ali e naquele momento que iríamos ter uma grande época, reconquistar títulos, calar a Corja, etc., etc., etc. Ouvi-a. Como não? **

Delirei com as contratações, cada uma delas. Todos os dias uma. Via-nos felizes. Imaginava cenários de pura glória: esfregar primeiro o troféu de Campeão Nacional nas gloriosas trombas dos mouros e depois dar-lhes com ele nas não menos gloriosas tolas. O #RESGATE! Muahahahahaha. Passaram dias e nós em plena euforia do tsunami luso-argelino Brahimi; Passaram semanas e nós já a criticar a óbvia arrogância-a-disfarça- a-ignorância do que era o futebol português, a indesmentível inocência e a inusitada insistência do treinador na rotatividade. Nós em plena euforia Brahimi. Mais umas poucas (foi literalmente à velocidade da luz) semanas e começamos a ver que o campeão afinal teria de ser outro… Ainda em plena euforia Brahimi, fomos ficando alerta mas pensávamos que, ainda que com a Rotatividade Parva, teríamos atitude e tempo para dar a volta por cima, rain or shine, nem que as galinhas tivessem dentes, APAFs ou que a vaca tussisse. Nasceu o Rúben Neves, esse portento da natureza. Adveio o QuaresmaGate. O Lope esteve em grande nessa altura, IMHO. Foi queimado vivo em muitas fogueiras e a Comunicação Social atiçava o fenómeno, dividindo Portistas, uns pró-treinador, outros pró-ciganito.

Tudo ficou exemplarmente sanado. E nós em idílica euforia Brahimi. Era amor, só podia ser amor. Vieram os filmes dantescos, perdemos pontos bárbaros de forma ainda mais bárbara. 14 de Dezembro e… e foi-se muita da nossa alma. Foi-se também o Brahimi, que nunca mais voltou. Anunciou-se o campeão. Nós lemos o decreto, mas optámos por o rasgar e continuar à procura do pote no fim do arco-íris, não vendo que este já só tinha uma cor: encarnado-papoila. A rotatividade, essa ingrata, foi diminuindo. Reaprendemos a jogar à bola. O Julen continuava a ser causticado pelos de sempre, ameaçados, alotopeguisados. Mas dava a volta por cima e deu imensos ares da sua graça: L-o-p-e-t-e-g-u-í.

Vestiu a Mágica Camisola, tomou as dores dos adeptos, a cidade como sua. Transpirou mais no banco que os seus jogadores ao fim de 90 minutos. Geniais momentos e grandes verdades e… mais pontos bárbara e escandalosamente perdidos. Dedo nas feridas dos outros, chamar os bois pelos nomes, defender o Porto contra os corruptos e prostituídos deste país perante o silêncio ensurdecedor e incrivelmente suspeito da sua SAD. Peito às balas, corajoso, frontal. De têmpera. Chato. Muito chato. Incómodo. No passado fim de semana, o episódio do manto protector. Vieram-me as lágrimas aos olhos de tão verdadeiro e real: era a mais absoluta razão ainda que pecasse por defeito. Mais do que um simples manto, foi toda uma fábrica de tecidos, toda uma indústria do sector, a imensa fileira têxtil e do vestuário!

O Lope é maravilhoso e ainda para mais veste um fato como ninguém. Passou com distinção perante os meus olhos. A alopeteguisou-me. Independentemente de continuar ou não à frente da equipa, independentemente do fracasso retumbante da época – não há como a negar, não obstante a excelente campanha na Champions League - considero-o um dos melhores treinadores que já passou pelo nosso Clube. Se não sou exigente? Sou. Sou muito! Fico possessa e seriamente perturbada por termos desperdiçado mais uma época, dando-a de barato e oferecendo um título em bandeja de ouro ao arqui-rival. Tremo de raiva só de pensar nisso. Acho imperdoável. Quero ganhar sempre, sempre, sempre. Mesmo a feijões ou pacotes de lentilhas. Sempre. Mas continuo a adorar o Homem. Vêm as dores de alma, resultantes de uma cabeça dividida. Porque mais racional. Tão bom em determinados aspectos cruciais e tão frustrante noutros. Não menos cruciais. Domina e encanta nas conferências de imprensa, mas… complica, desencanta, não convence totalmente em campo. Não podemos querer e ter o melhor de dois mundos. Ou podemos? Não podemos querer e ter sol na eira e chuva no nabal.

Ou podemos?

Eu digo que podemos. Podemos e devemos. Gostando do Julen a mega-pacotes de toneladas, desejando que ficasse, dou por mim a pensar no facto de ser um treinador que antes de o ser já o era. Nos inevitáveis “e ses” e nos seus erros de palmatória. Sem atenuantes de qualquer espécie. Nas exibições infelizes frente à banalíssima equipa que se prepara para levantar um troféu que era nosso, para levar para o seu museu um troféu que deveria estar no nosso forever more. Fomos vilipendiados, explorados, delapidados, assaltados! A nossa casa foi roubada. Que trancas poremos à porta?

ACORDA, Porto!!

* Também pode ser paterno.
** Ainda vamos ter uma conversinha, young lady.


(x) 13 de Maio de 2015. Dizem que hoje o Acordo Ortográfico é já vinculativo. Eu escrevo à moda arcaica e sempre o farei: so sue me. Eu adoro o Lopeteguí. So sue me.

12 comentários:

  1. José Carlos Rafael de Joane14 maio, 2015

    Que lindas palavras.... bonitas como a actor deste lindo poema em prosa.Parabéns "Bibó PoRtO,carago"

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  2. @ miss Blueday

    fantástico texto, o qual subscrevo. na íntegra.
    (pois que também eu me sinto «alopeteguisado» :D )

    cumprimentos
    Miguel | Tomo III

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  3. Cara MISS BLUEBAY,
    Perfeito!
    Também eu estou alopeteguisada!

    Cumprimentos

    Ana Andrade

    www.portistaacemporcento.blogspot.com

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  4. Que texto, menina!!! Muitos "jornalistas profissionais " dariam sei lá o quê para conseguirem tal prosa. Afinal, nós e que somos apelidados de parolos! Fico pasmado! A nossa SAD está a ficar very, very sad, por se manter impávida e serena perante estes atropelos,mas enfim, quem sou eu para discordar? Apenas um doido que esperou 19 (!) anos por um título.
    Queria também agradecer por não se ter deixado prostituir pela "cor do horto gráfico", aka, Acorddo ortográfico. Camões a esta hora estará a remover-se na sepultura. Muito obrigado pela sua crônica. Horácio

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  5. Joaquim Silva14 maio, 2015

    Só vos posso dizer que fiquei fã de Lopetegui, como homem correto, mas sem papas na língua (Antes partir que vergar...). E sinceramente como treinador não vi melhor nos últimos anos.

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  6. Da excelência do texto estamos conversados. Já elogiei a “MISS BLUEBAY” desde o primeiro artigo. Nas conclusões sublimadas no texto não sou tão optimista. Podemos falar disso no jantar do dia 30 se houver uma alma caridosa que nos apresente.
    JOSE LIMA (Mística Azul e Branca)

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  7. Belíssimo texto.

    E sim, também me junto ao grupo dos "Alopeteguisados".

    Grande abraço.

    Saudações Portistas.

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  8. Belíssimo texto.

    E sim, também me junto ao grupo dos "Alopeteguisados".

    Grande abraço.

    Saudações Portistas.

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  9. TIRO-LHE O MEU CHAPÉU!!!
    SÓ ACRESCENTAR QUE COM O QUE NOS ROUBARAM E COM O QUE DERAM AOS ENCORNADOS, A HISTÓRIA SERIA OUTRA.
    SOMOS PORTO.

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  10. ..."x) 13 de Maio de 2015. Dizem que hoje o Acordo Ortográfico é já vinculativo. Eu escrevo à moda arcaica e sempre o farei: so sue me. Eu adoro o Lopeteguí. So sue me."

    So do I

    Brilhante!

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  11. Este artigo ao nível de todos os outros, é excelente e ao mesmo tempo pertinente, dada a "guerra interna" que se vive no nosso clube. Lopetegui o mal de todas as coisas enquanto a "Estrutura" passou o ano inteiro num silêncio ensurdecedor, numas quaisquer férias numa ilha paradisíaca. Bom, muito bom ler este artigo, que não preciso de dizer que me identifico totalmente com ele, pois conheces a minha opinião. Treinador? Já temos um. So sue me.

    Parabéns está fantástico!

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