‘Nortada' do Miguel Sousa Tavares
A ingratidão de Cristiano Ronaldo.
1. Paulo Assunção invocou uma novidade jurídica chamada «Lei Webster» e foi-se embora, sem dar cavaco nem cumprimento ao último ano de contrato que tinha com o FC Porto. Parece que é uma disposição que «protege» os jogadores com mais de 26 anos, permitindo-lhes rasgar um contrato a meio, se surgir melhor oportunidade. Pena que não seja uma disposição bi-lateral, funcionando também a favor dos clubes, que assim aproveitariam para se livrar dos «pesos mortos» que por lá têm a arrastar-se e «protegidos» também por contratos de longa duração. E é pena que o FC Porto, embrenhado na batalha jurídica da UEFA, que lhe foi desencadeada pelo Benfica, não tenha tido tempo ou ânimo para abrir ele uma batalha jurídica contra Paulo Assunção, o Atlético de Madrid e a Lei Webster.
Ainda no FC Porto, Ricardo Quaresma voltou à carga, repetindo que queria sair para Itália, Espanha ou Inglaterra. Já em Fevereiro dissera o mesmo e Pinto da Costa respondeu melhorando-lhe o ordenado, prolongando o contrato e fixando a cláusula de rescisão em 40 milhões. Quaresma tem toda a legitimidade para querer jogar num campeonato mais competitivo e mais mediático, mas também ninguém o obrigou a aceitar a revisão do contrato e seguramente que não se importou de ser aumentado em Fevereiro, com o contrato a meio. Devia, pois, ficar calado e se aparecesse alguém a bancar os 40 milhões, muito bem; se não aparecesse, escusava de fazer cara de contrariado, porque quando se ganha 200.000 euros por mês e se está num clube chamado FC Porto, não há motivo algum para andar contrariado. E parece que também Lucho González e Bruno Alves andarão «deprimidos» por não terem visto confrmar-se as expectativas de saírem já para um dos milionários europeus.
Mais deprimidos ainda adivinha-se que estejam João Moutinho e Miguel Veloso, no Sporting. O Europeu não lhes rendeu a notoriedade que esperavam e ninguém apareceu a querer dar 30 e 20 milhões de euros, respectivamente, pelos seus «passes». Também eles viram os seus contratos melhorados em plena vigência e aceitaram as respectivas cláusulas de rescisão fixadas em contrapartida pelo Sporting. Veloso veio agora queixar-se que a sua cláusula de rescisão é muito cara e que assim ninguém o compra. Não foi ele que a negociou de livre vondade? Ou terá achado que era tão bom jogador que não faltariam candidatos a pagar por ele os 20 milhões?
No Benfica, é um rapaz que ainda mal tem vinte anos, chamado Di María, chegado ao clube no ano passado e que fez uma época assim-assim, que também já declara que para o ano «quer dar o salto». Aliás, esta expressão «dar o salto», muito em voga entre nós, é ofensiva em si mesma para os três grandes de Portugal. Parece que eles não são nada ao pé das ambições dos nossos candidatos a génios do futebol. E, todavia, parece-me bem que também o Benfica não se importaria de «dar o salto» para alguém bem melhor do que um Di María — um Messi, por exemplo…
E temos o caso extremo do «escravo» Cristiano Ronaldo, injustamente amarrado ao melhor clube do mundo, onde é mal tratado e recebe a miséria de 200.000 euros… por semana! A novela Cristiano-Real Madrid, que dura já há dois meses e foi indecentemente alimentada em plena disputa do Europeu (inclusive, pelo próprio Scolari!), é uma coisa vergonhosa. Vergonhoso o comportamento do Real Madrid, na atitude facílima de dar a volta à cabeça de um jogador já deslumbrado aos vinte e poucos anos, e conduzir, através dele, uma chantagem infame sobre o Manchester United. Vergonhosas as declarações do presidente da FIFA, Joseph Blatter, num campeonato de abuso verbal com o presidente da UEFA, Platini, a meterem-se em coisas que não lhes dizem respeito e a tomar partido ao lado da demagogia e da falta de regras. E muito má a atitude de Cristiano Ronaldo, revelando uma total ingratidão, uma absoluta falta de amor à camisola e de respeito pelos adeptos.
Penso que todos nós, os que escrevemos em jornais desportivos, temos uma obrigação de defender valores, mesmo contra os interesses das nossas vedetas. É preciso explicar-lhes que, não só o dinheiro não é tudo na vida, como ainda, no caso deles — já pagos sumptuosamente, com sistemas fiscais e de segurança social de excepção — é particularmente indecoroso vê-los fazer do dinheiro o motivo principal da sua dedicação a um clube. E é preciso explicar-lhes, sem medo das palavras, que este tipo de mercenarismo triunfante e apresentado como coisa natural e legítima, pode, a longo prazo, matar a galinha dos ovos de ouro, afastando do futebol os adeptos. E os adeptos são a única coisa que não pode morrer para que o futebol não morra também. Tudo o resto — dirigentes, técnicos, jogadores — vão e vêm e são sempre substituíveis. Os adeptos, não.
2. Ao escrever este artigo não sei ainda o resultado da reunião de ontem do TAS, na qual Benfica e Vitória de Guimarães depositam todas as esperanças de conseguirem entrar na Champions, não por mérito ou por conquista feita em campo, à vista de todos, mas por golpe palaciano, de secretaria. Aliás e em relação ao Benfica, devo confessar que de há muito que o não via bater-se tanto por coisa alguma. Se conseguir ganhar na Secretaria, é caso para dizer que, afinal, um João Correia vale dez Nuno Gomes e um Paulo Gonçalves vale cinco Rui Costas. Razão tinha, afinal, Luís Filipe Vieira para dizer que a nomeação de gente de confiança para os cargos da Liga valia mais do que uma boa equipa de futebol: estamos à beira de confirmara a justeza da sua previsão.
Entretanto, há uma coisa que sempre me escapou: por que carga de água é que Benfica e Guimarães são parte neste processo e são ouvidos como tal, pela UEFA? Se um processo na justiça desportiva tem alguma coisa a ver com um processo normal, só há duas partes neste processo: a Comissão Disciplinar da Liga de Clubes (e, eventualmente, o CJ da Federação), que condenou o FC Porto, por um lado; e, por outro, o próprio FC Porto, que representa o arguido, e o Comité de Apelo da UEFA, que é a entidade recorrida. Agora, Benfica e Guimarães são apenas partes interessadas, o que não é o mesmo que sujeitos processuais. E, aliás, como partes interessadas que são, que valor pode ter a sua argumentação para o apuramento da verdade e da justiça?
Se há uma conclusão primeira a tirar deste imbróglio jurídico que atravessa o futebol português, é que, olhando o comportamento de Benfica, Vitória de Guimarães e Paços de Ferreira, escusam de voltar com o choradinho do desportivismo e coisas dessas. A partir de agora, é a lei do vale tudo. Sem pergaminhos, nem vergonha, nem parentes na lama.
3. Uma réstea de pudor e de bom-senso levou a maioria dos clubes a recusar o «diktat» justiceiro que Ricardo Costa preparou para se tornar numa espécie de ASAE dos clubes. O código de sanções e o sistema de julgamento sumário e condenações que preparava, torná-lo-iam rapidamente a pessoa e entidade mais poderosa de todo o futebol português, com poderes de despromover ou extinguir, simplesmente, qualquer clube, a seu belo-prazer. Num clima de intimidação e coacção jamais vistos, tentou-se criar a ideia de que quem não aprovasse aquele código terrorista, era porque estava do lado «sujo» do futebol português. Armado em virgem indignada, o Dr. Paulo Gonçalves, advogado do Benfica (e que antes trabalhou para o Boavista, no auge do «sistema», e antes para o FC Porto, sempre pela mão de José Veiga), ficou indignado com a reprovação do «diktat». Mas, se pensasse um bocado no assunto, veria que, por exemplo, o novo crime de «tráfico de influências», proposto pelo Dr. Ricardo Costa, aplicava-se que nem uma luva àquela conversa em que o presidente do Benfica negoceia com Valentim Loureiro a escolha de um árbitro para determinado jogo do seu clube. Estivesse o código em vigor e aplicado por igual a todos, só à conta desse telefonema, o Benfica estaria agora na Liga Vitalis…
n'A BOLA de 15Jul2008
fonte: "All Dragons fórum"
Viva !
ResponderEliminarConcordo globalmente com o artigo.
Todavia, parece-me que o "caso" Webster não é novo. Já tem dois anos. Paralelamente, o jogador de futebol tornou-se um assalariado como ( ou quase ) qualquer outro desde Janeiro de 2008. Goza da possibilidade de deixar o seu clube, fora do período de estabilidade, contra o pagamento dos salários que faltam entre a data de ruptura do contrato e o fim de este último.
O tas , há que lembrar, salvo erro meu, deu razão a Webster contra o seu clube Hearts. E, assim, Webster só pagou o saldo dos seus salários ( 200 000 ) até ao fim do seu contrato.
Vamos ver o que fará a fifa que parece temer acordos entre clubes e jogadores que beneficiam desta nova liberdade.
É que claro que a sentença arbitral Webster é um tsunami que toca o sistema das transferências.
Sairão, certamente, vencedores os jogadores e os clubes formadores.
E Viva o Porto !
Mais uma crónica do MST que se saúda... pela 2ª vez consecutiva, não pede demissões na SAD, nem do próprio Caldeira!
ResponderEliminarAliás, deste último, quer-se goste ou não, este MST e muitos outros, devem-lhe um pedido de desculpas públicas por terem sido tão «ratos» na hora do aperto!
Não me interessa se ele é bom ou não, se é comissionista ou não, se é pró-sul-americanos ou não... muita desta vitória, deve-se a ele e como tal, agora estou para ver onde é que «eles» que tanto falavam, pediam e exigiam, estão agora? caladinhos e com a viola bem guardada no saco.
Não obstante, contínuo a ser um admirador incondicional dos escritos do MST... uma coisa, não interfere com a outra!!!