26 março, 2009

Oporto... o pior pesadelo dos red devils!

A Champions é uma prova apelativa por muitas e boas razões, sobretudo quando a competição entra na fase de eliminação directa, escolhidos os melhores de entre a elite. Troféu reluzente, sonhado meses a fio por adeptos indefectíveis, ávidos de saborear emoções únicas, ao verem o capitão do seu clube a erguer a taça ambicionada. Comparo a Liga dos Campeões a uma mulher, bela e caprichosa, que nos seduz com os seus encantos, e atormenta com os seus repúdios. Vivemos obcecados com ela. Alegrias e tristezas, irmanadas de forma siamesa. Gritos de júbilo misturados com berros de frustração. Gestos de alegria espontânea mesclados com outros de pura exasperação. E, quando os Deuses da Fortuna, finalmente, nos deixam contemplá-la de perto, vitoriando os nossos guerreiros, o Mundo parece diferente. Gáudio. Júbilo. Regozijo. Transformamo-nos em crianças, felizes, como se nada mais importasse. Mas, no fundo, somos sempre uns felizardos. Por estarmos lá. Por podermos lutar, até à última gota de suor, pela sua conquista.

Chegados aos quartos-de-final, nenhum adversário seria considerado fácil. Uns almejavam uma viagem menos agreste a território espanhol, para defrontar o “submarino amarelo”. Outros, com o intuito de alfinetar um rival interno, sonhavam com a rigidez germânica, reeditando a célebre final de 1987, quando a soberba bávara foi liquidada a golpe de calcanhar por um magrebino de aspecto franzino.

As bolinhas da sorte ditaram outro contendor. Um nome que inspira respeito. Um brasão que provoca reverência. Os “red devils” de Manchester, ironicamente atropelados noutra caminhada portista até à glória, corria o ano de 2004.

A evocação do duplo confronto provoca um friozinho desagradável na barriga. O melhor jogador do Mundo, com a cara escarafunchada por uma acne persistente, mas dono de uns pés mágicos. Um treinador sagaz, alcunhado de “velha raposa”, possuidor de um histórico de dimensão paquidérmica. Também ele, curiosamente, com caminhos cruzados com os homens de trajam de azul e branco [Corria o ano de 1984. Nas terras altas escocesas, território inóspito para o comum mortal, um jovem técnico sorria, com o rosto açoitado pelos ventos inclementes, enquanto assistia aos treinos do seu Aberdeen, equipa modesta que tinha surpreendido a Europa, ao erguer o troféu da Taça das Taças, em 1983. Disposto a fazer história, tentava a 2ª final consecutiva. O opositor, renascido de uma longa travessia do deserto, que tinha durado 19 anos, erguia-se aos poucos, cimentando a sua reputação no velho continente, disputando a hegemonia interna. A Invicta assistiu, no embate da 1ª volta, a um golo. Marcado pelos homens da casa, cabeçada vitoriosa e imparável saída da nuca de Fernando Gomes. A vingança, nessa Escócia forjada pela têmpera de heróis que brandiam espadas contra a Coroa britânica, não aconteceu. A Europa assistia ao nascimento de um Porto adulto, com espírito de sacrifício, indómito. E com Vermelhinho, autor de um golo magnífico, saído de entre a espessa névoa, num chapéu quase sobrenatural ao guardião contrário. Alex Ferguson sabe qual é a nossa identidade. E aquilo de que somos capazes].

A qualidade galáctica dos homens de Manchester não se esgota na mediatização deste duo. Tem Evra, um francês raçudo, defesa-esquerdo brilhante. Uma dupla imperial de centrais, Vidic e Rio Ferdinand, torres gémeas intratáveis, com uma capacidade de jogo aéreo ao alcance apenas dos eleitos. Um meio-campo com a experiência de Scholes, ou o génio e nervo de Anderson, o nosso conhecido “Jurema”, o conservadorismo táctico de Carrick, o exotismo de Park, o traquejo de Giggs. Um ataque demolidor, com o instinto assassino do felino Berbatov, classe pura, o vigor e força de Rooney ou a capacidade de choque de Tevez.

Os pratos da balança parecem claramente favoráveis aos vermelhos ingleses. Um dos lugares-comuns mais utilizados, quando se fala de futebol, é afirmar que o desporto-rei é uma caixinha de surpresas. Uma espécie de Disneylândia, um parque encantado, onde tudo é passível de acontecer. E, lá no fundo, mesmo o mais confiante adepto inglês sentirá uma pontada de temor. Bem impresso na memória colectiva está o lance, em Old Trafford, prenúncio de tragédia. Uma barreira. McCarthy afagando o esférico, murmurando preces ancestrais e pagãs. Os olhares, nervosos, nas bancadas. Os risos emudecidos, num ápice. O nó na garganta, difícil de desatar. E o lance que os persegue, desde então, passado em slow-motion, torturando-os de forma repetitiva. A bola, suave, rasgando o ar, sobrevoando a barreira, aproximando-se da baliza. Entre os postes, um gigante negro, lançando a massa muscular para a trajectória do couro. Os dedos, espetados, esticando-se nos limites do suportável. A mão, enluvada, tocando na bola. E os rostos, tensos, libertando o nervosismo, sorrindo de alívio, respirando fundo. Estava acabado, pensaram. Durou um pequenino instante esse momento. Até se aperceberem de um atleta, vestido de azul e branco, movimentando-se de forma felina e furtiva. O remate, enrolado e seco, colocou um selo de justiça numa eliminatória ganha aos pontos. Old Trafford aprendeu, da forma mais crua, a respeitar o campeão português. FUTEBOL CLUBE DO PORTO. Ou, na língua pátria de Shakespeare, OPORTO.

Podem ter orçamentos obscenamente elevados. O melhor jogador do Mundo. Nomes sonantes. Nada apagará aquele desígnio de Deus, personificado nas chuteiras de Costinha. O medo está lá. Escondido. Sorrateiro. Esperando apenas uma oportunidade de os intranquilizar. Vamos aproveitá-la.

ps - A onda de insegurança, no País, teve mais um caso mediático, acentuando a ideia de que é necessária uma acção preventiva, prevenindo futuros erros/falhas. O Algarve, pese a sua invejável situação geográfica, não escapou a um roubo à mão armada. O culpado, ainda impune, é sobejamente conhecido. Lucílio Baptista, desvirtuando mais um resultado na sua já longa carreira de “equívocos”. O beneficiário, aceitando a oferenda sem qualquer pudor, é a “locomotiva de transparência do futebol português”. A apitar, de forma imutável, década após década. É tão giro construir palmarés assim, não é?

8 comentários:

  1. Parabéns!
    Texto brilhante.

    Desejo que sejam 11 de cada lado e no fim...a ver vamos!

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  2. Pelo que vou vendo no ESPN, os bifes estão muito confiantes.
    Houve um anormal que se referiu ao Porto como "the weakest team in the last 8 of Champions League"
    Até alteraram o jogo com o A.Villa para domingo, 48 horas antes da primeira mão.

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  3. Paulo, uma vez mais a minha vénia à tua qualidade. Abraço. Que os deuses estejm connosco.

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  4. Hoje num blog de hóquei emitido a partir da Suiça mais um destaque ao biboporto.


    http://patinslover.blogspot.com/2009/03/recordar-2002-o-primeiro-titulo-dos.html

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  5. Oi Paulo. Para mim, o melhor texto teu, que li desde que aqui cheguei. Os sentimentos estão cá todos. Para mim, tudo se resume nesta frase. "Não queremos ser o clube dos Milhoes, Queremos ser o Clube dos Campeoes".

    Pouco me interessa do desdem irritante desta poderosa equipa de milhoes, apenas, interessa-me o facto de que já se deram por varias vezes mal connosco, avaliando isto, até foi um sorteio com bom pronuncio.

    Sir alex, a inveja e a raiva é lixada, e nos jogos psicológicos o FCP é letal. Por isso, não resulta esses seus jogos..

    este jogo tem tudo para ser ganho, desde logo porque jogamos contra os vermelhos. Todos podem ser Diabos (devils), mas so uns podem ser os Deuses.

    hasta

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  6. Paulo Pereira,

    Bem, já cansa... um dia destes, e agora que penso no assunto, pensa lá em usar sobretudo com gola levantada a ver se em 3 tempos não és condecorado por "honoris causa" da verbe poética... de espada em punho!!! Vai uma aposta?

    Pois, estou na mesma encruzilhada que tu, sabendo da realidade, sabendo de antemão quem é o opositor, sabendo das (imensas) dificuldades que nos esperam, mas nunca, nunca esmorecendo ao olhar o poderio bélico do outro lado da barricada.

    Entre mortos e feridos, alguém há-de sobreviver... tenho fé, essa que faz mover montanhas e moinhos, que o nosso fim ainda está longe. I believe!!!

    Aguardemos serena e pacientemente pelos designios... da sorte!!!

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  7. Excelente Paulo!

    Até me arrepio quando penso naquele livre do McCarthy e na recarga vitoriosa, sublime, arrebatadora desse grande senhor do futebol chamado Costinha. Vamos torcer para que esta temporada a história se repita, sabendo que a tarefa é de dificuldade máxima.

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  8. Viva !

    Grande texto que lembra a memória ancestral do Porto. E que é sempre preciso acreditar até ao fim.

    E Viva o Porto !

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