Pa[ç]os incertos e o Factor X

assistência: --- espectadores.

árbitros: Carlos Xistra (AF Castelo Branco), Luís Marcelino e Celso Pereira; André Gralha.

FC PAÇOS DE FERREIRA: Cássio; Filipe Anunciação, Danielson, Kelly e Jorginho; Ricardo, Leonel Olímpio e Pedrinha «cap.»; Baiano, William e Cristiano.
Substituições: William por Carlitos (63m), Baiano por Romeu Torres (77m) e Pedrinha por Ciel (82m).
Não utilizados: Coelho, Maykon, J. Coelho e Manuel José.
Treinador: Paulo Sérgio.

FC PORTO: Helton; Fucile, Rolando, Bruno Alves «cap.» e Álvaro Pereira; Fernando, Raul Meireles e Belluschi; Mariano, Farias e Hulk.
Substituições: Raul Meireles por Falcao (46m), Farias por Varela (60m) e Belluschi por Tomás Costa (77m).
Não utilizados: Beto, Guarin, Valeri e Nuno André Coelho.
Treinador: Jesualdo Ferreira.

disciplina: Cartão amarelo a Hulk (18 e 55 min), William (57 min), Mariano (90 min). Cartão vermelho a Hulk (55 min).

golos: Ricardo (11 min), Falcao (78 min).

Foi um fim-de-semana de ansiedade crescente. Para os amantes do desporto em geral, o descanso trouxe também uma plenitude de eventos, que foram ajudando a camuflar o nervosismo, antes da denominada operação Penta. O início da Premier League. O final da Volta a Portugal em bicicleta. A estreia dos Mundiais de Atletismo. Mas, lá no fundo, o que se aguardava com o habitual desassossego, era o início das hostilidades no campeonato principal de futebol. Com data e hora marcada. Num horário pouco habitual, banhado pela intensa luz solar, uma espécie de confronto reeditado. Depois da Taça e Supertaça, eis que os pupilos de Paulo Sérgio se atravessavam novamente no caminho do Porto.

Deles já sabíamos, por experiências passadas, refrescadas recentemente, serem um osso duro de roer. Usando como arma preferencial o contra-ataque, levado a cabo por atletas rápidos e com capacidade técnica acima da média, a hora e meio de desafio na Mata Real seria um cabo dos trabalhos, para os comandados de Jesualdo.

Por contingências familiares, fui impedido de ver o jogo, pela televisão. E regressei a uma espécie de pré-história, dando por mim com o transístor colado ao ouvido. Meus caros, é algo que não desejo actualmente ao meu pior inimigo. Sofre-se. E muito. Habituado à comodidade das imagens, trazidas até mim sem qualquer interferência, fiquei desamparado com os gritos estridentes dos locutores, tendo que tentar visualizar as jogadas mentalmente. E o baque que se sofre, no coração, ao ouvir o golo, gritado a plenos pulmões, do adversário, é algo próximo do pesadelo mais surrealista.

Pelo que pude perceber, o treinador portista retocou ligeiramente a apresentação da equipa, retirando dos titulares Varela, para que a frente de ataque ficasse entregue a Farías. Mais do que a presença efectiva do argentino, no ataque às redes contrárias, a intenção era clara: deixar o génio de Hulk à solta, em vez de amarrado aos convencionalismos tácticos próprios de um ponta de lança com lugar fixo. Desviado para um dos extremos, o brasileiro ficou, aparentemente, como peixe na água, com espaço para dinamitar a defesa que se previa porfiada dos pacenses.

Naquela fase que se convencionou chamar de estudo mútuo, Fucile quase permitia que o seu adversário marcasse, ao acorrer a um cruzamento venenoso. Respirei fundo, perante o alarido proveniente da locução histérica.

Nunca gostei de iniciar o campeonato jogando fora de portas. Mais do que uma superstição, alicerçada em crendices populares, é uma opção tomada meramente por questões de segurança. Os azuis e brancos não estão, ainda, em forma. Parece ser um dado adquirido e livre de controvérsias. O mês de competição nas pernas, aliado à perda e respectiva orfandade de dois pesos-pesados na equipa, colocou o grupo à procura de nova identidade, procurando ao mesmo tempo adaptar sem grandes percalços os reforços.

Temia este jogo, exactamente por isso. A ideia, vincada pela Supertaça, de que ainda existe muito trabalho pela frente, voltou a assaltar-me, vendo os minutos a escoarem-se, sem que deles resultasse algo de palpável, na reacção ao golo do opositor.

Dois sobressaltos apenas, até ao intervalo, ambos com protagonista vindo das pampas. Belluschi rematou à trave, gorando-se a hipótese do empate, e colocou, já o jogo se arrastava para intervalo, à prova os reflexos de Cássio.

Pareceu-me pouco. Muito pouco para quem tinha obrigação de deixar um cunho profundo no cariz da partida. Uma marca típica dos vencedores. Um registo do tetracampeão. No entanto, que ilações nos deram os 45 minutos iniciais?

1. As normais dificuldades de ultrapassar um adversário bem fechado, quando os espaços não sobejam para aquilo que o Porto faz melhor: as rápidas transições defesa-ataque;
2. As crescentes debilidades de Fucile, cometendo lapsos infantis na defesa;
3. A aposta pessoal de Alvaro Pereira naquilo que me parece ser, mais do que a timidez normal de quem ainda pisa um novo palco, um defeito de fabrico: o de jogar pela certa, sem capacidade de explosão e de exploração do flanco.
4. A anormal baixa de forma de Meireles, habitualmente um dos pujantes pulmões do meio-campo, par gémeo de Fernando na labuta pela posse de bola, estranhamente desaparecido no protagonismo e na responsabilidade;
5. A continuação da caça ao homem, numa espécie de jogo do monopólio, onde os defesas parecem possuir um livre-trânsito, que os livram das admoestações dos juízes, permitindo que Hulk seja sistematicamente confundido com um saco de pancada;

O estômago revolvido de nervos, ao intervalo, deu lugar à esperança. Jesualdo não foi de modas. Retirou Meireles, colocando no seu lugar Falcao, talvez a mais sonante contratação da temporada, para os lados da Invicta. A aposta era clara: chegar ao golo, o mais depressa possível. Com 3 homens de forte pendor ofensivo, colocados como aríetes lá na frente (Farias, Falcao e Hulk), parecia que os defesas pacenses teriam uma tarefa hercúlea pela frente.

Talvez tenha sido por isso que o factor X entrou em campo. Para aligeirar o trabalho dos da casa. Ou, quiçá, para ver se os campeões se abatem, à primeira contrariedade. Tivemos apenas 11 minutos. Onze voltas ao relógio para ficarmos com a ideia do que aquele trio poderia fazer. Hulk, que tal como o homónimo super-herói incomoda muita gente, foi presenteado com o duplo amarelo e foi tomar banho mais cedo.

Naquele minuto 56 muitas mãos foram esfregadas, de satisfação, neste País onde pulula uma chusma de mesquinhos, dispostos a tudo para um regresso triunfal ao passado que cheira a mofo.

Poderia ter uma atitude mais racional. Não vi os lances dos amarelos. Poderia deixar passar. Ou, talvez, dar alguma credibilidade aos comentários dos pseudo-profissionais da rádio. Mas já ando nisto quase há três décadas. Deixei de acreditar no Pai Natal. E em coincidências. O mesmo boi do apito que, no ano passado, permitiu a selvajaria verificada no faroeste de Guimarães, com o brasileiro portista a ser vítima de autênticas agressões, penalizou hoje fortemente um dos sujeitos que, só por si, faz vibrar de paixão os amantes do desporto-rei. O Xistrema do costume, a que estamos habituados desde os tempos de CampoMaior, com incursões cirúrgicas aos jogos dos Dragões, voltou a desenhar um motivo de imortalidade para si mesmo. Expulsou o melhor jogador do campeonato, logo na 1ª jornada. Os ingleses, com a típica fleuma, é que sabem. SHAME ON YOU, MISTER XISTRA!

Ainda não se tinham escoados os ecos de contentamento da turba das ondas radiofónicas, dei por mim imbuído de uma estranha sensação premonitória. Íamos virar o resultado. Mais do que um truque de vidente, ou um momento de clarividência, o pensamento assaltou-me com força. É nestes momentos de provocação, de injustiça, que o Dragão se ergue, imperioso, dentes cerrados, lutando bravamente.

Jesualdo procurou estancar a hemorragia provocada pela expulsão. Fez sair Farias e entrar Varela. Mais tarde, optou pelo pragmatismo de Tomas Costa em detrimento da capacidade de desequilíbrio de Belluschi.

O grito de golo, estrangulado na garganta, soltou-se quando Falcao aproveitou um cruzamento de Fucile. Sim, mesmo rodeado de gente de família, misturada com estranhos que nunca tinha visto na vida, comemorei. Olhado de soslaio, mirado como se fosse um espécime raro, extravasei o que me ia na alma. Mas não chegou para atenuar a frustração do apito final, com o teimoso 1-1 a manter-se. Perdemos dois pontos. Ou será que não, visto que o factor X interveio com influência no desenrolar da partida?

Melhor do Porto: Ora bolas. Agora é que são elas. Ouvir o relato e imaginar o que está a acontecer não é uma boa política para escolhas. Mas atrevo-me a nomear Falcao. O colombiano, lançado às feras, numa altura crucial, fez das tripas coração. E o golo obtido, com a equipa em inferioridade numérica, pode ser precioso, para as contas a efectuar lá mais para a frente.

Arbitragem: Quando, no decurso da crónica, mimoseio o juiz da partida com o substantivo derivativo do termo bovino, julgo que estará tudo dito. Ou não. Porque Deus continua com desígnios subjectivos. Morre tanta gente inocente nas estradas…

Nota final: Não nos abaterão. Favor colocar a frase, impressa numa tarja, e colá-la na parede do balneário. Começou a guerra. E não a venceremos com falinhas mansas, discursos repletos de lugares comuns, enfadonhas dissertações politicamente correctas ou labaredas anónimas. Há que fazer um baralho de cartas, com os rostos do sistema, à boa maneira americana. Dá-los a conhecer ao grande público. Persegui-los denodadamente. Chegou a altura de arregaçar as mangas...