25 dezembro, 2007

Um conto de Natal

Era Inverno. E daqueles rigorosos. Fazia frio lá fora. O vento uivava, de forma selvática. O nevoeiro abatia-se gradualmente sobre a cidade, dificultando o tráfego rodoviário. Pinto da Costa guiava cautelosamente. Com a climatização do carro no máximo, tentava manter a concentração na condução, enquanto falava ardorosamente para o telemóvel, em alta voz. Véspera de Natal e as ruas iam ficando, cada vez mais, desertificadas. Alheio aos cânticos que se faziam ouvir, vindos das janelas dos prédios, o presidente portista ultimava a contratação de mais um reforço, para a equipa dos Dragões. As negociações estavam a ser duras. Com um gesto de enfado, depois de se despedir do seu interlocutor, Pinto da Costa desligou o telemóvel. Suspirou de impaciência, vendo as horas. Estava atrasado. Tirou momentaneamente os óculos, massajando os olhos, pesados de cansaço. E foi aí que ouviu um estrondo…

Levou o pé ao travão, fazendo o carro derrapar no gelo acumulado na estrada. Olhou pelo retrovisor, ansioso por vislumbrar algo. “Porra…bati em alguma coisa…ou em alguém”. O nevoeiro, denso, não permitia ver nada. Acendeu os quatro piscas e saiu do carro, olhando em redor. Andou uns passos e estacou, totalmente surpreendido. Parecia ter entrado noutra dimensão. Ainda abanou a cabeça, incrédulo, temendo que o cansaço do dia o fizesse ter alucinações. Mas não. Ali, a meia dúzia de passos, debruçado sobre o que parecia ser uma rena, estava uma figura mitológica, vestida de vermelho, com umas longas barbas brancas. O rosto rubicundo, apresentava sulcos de lágrimas grossas.

“Não pode ser…o Pai Natal não existe”, murmurou Pinto da Costa, olhando em redor, temendo estar a ser alvo de uma qualquer partida. A sua atenção concentrou-se novamente na figura bonacheirona, que soluçava audivelmente. Confuso com aquilo que via, entabulou uns passos, aproximando-se da figura abaixada. Junto ao passeio estava um trenó, atafulhado de sacos, onde sobressaíam embrulhos coloridos. Encavalitados nos sacos estavam dois seres minúsculos, vestidos com uns collants verdes, que olhavam incessantemente para o relógio.

“Estamos atrasados, Pai Natal..estamos atrasados…”, repetiam eles, incessantemente. O homem curvado sobre a rena parecia não os ouvir. Rezava, baixinho, afagando a carne trémula do animal. Os duendes viraram a sua atenção para o presidente do Porto.

“Ca**l*o…não vês por onde andas…seu ano*m*l de m*r*a…atropelaste o Rudolfo, a rena mais rápida do Pai Natal…”, invectivou-o o mais pequeno deles.

Pinto da Costa, alternando o olhar entre o animal deitado e a cena surrealista à sua frente, conseguiu tartamudear: “Desculpem…não vi nada…com este nevoeiro…”, desculpou-se, levando as mãos à cabeça, perante a dimensão da tragédia que se tinha abatido sobre o ícone das crianças.

O Pai Natal levantou-se vagarosamente. Era uma figura imponente. Os olhos, bondosos, pousaram no presidente portista. Colocou-lhe uma mão no ombro. Falou numa voz suave, que emanava vibrações positivas:

“Não faz mal…você não teve culpa…eu é que me distrai com a conversa daqueles dois estafermos…”, e lançou um olhar furibundo sobre os ajudantes, que se apressaram a desaparecer por detrás da montanha de prendas. “Não se preocupe…já aí vem ajuda para ele…”, e o seu olhar deteve-se na rena, que respirava com dificuldade, o bafo condensado da respiração elevando-se no ar.

Mal ele tinha terminado de falar, uma série de trinidos antecipou a chegada ruidosa de outro trenó, conduzido por um duende vestido com uma bata de médico. Pousou violentamente na estrada, espalhando pedaços de gelo por todo o lado. Da parte de trás saltaram dois pressurosos enfermeiros, lestos a erguerem o animal acidentado, transportando-o cuidadosamente para o trenó. O Pai Natal olhava atentamente, a ansiedade estampada no rosto. Mal viu o trenó a arrancar, virou a sua atenção para os duendes que ficaram.

“Bem...estamos num sarilho diabólico…atrasados e com uma rena a menos…temos que nos despachar…”, e preparou-se para pegar nas rédeas, disposto a cumprir mais uma etapa na alegria de petizes e graúdos.

Pinto da Costa pigarreou, procurando chamar a atenção do Pai Natal. Este, impaciente, olhou para trás, interrogando-o com os olhos.

“Bem, se houver alguma coisa que eu possa fazer para ajudar…”, proferiu o decano presidente. O Pai Natal lançou um olhar de soslaio para o carro. Meditou durante breves segundos. “Acelera bem?”, perguntou ele, apontando para o luxuoso veículo. “S-s-sim…”, respondeu Pinto da Costa, algo receoso.

O Pai Natal sacou de uma varinha e, miraculosamente, os enormes sacos de prendas voaram do trenó para a bagageira do carro. Avançou a passos largos para o lugar de passageiro, abriu a porta e olhou para o petrificado presidente.

“E então, vem ou não?”,
questionou. “Vai ser o meu novo condutor”, finalizou, à laia de explicação.

Entraram os dois no carro. O Pai Natal, já com o cinto colocado, resfolegava, satisfeito. “Isto sim, é qualidade de vida. Está quentinho aqui…”, apreciou ele, enquanto esfregava as mãos, aquecendo-as, visivelmente satisfeito. “E não via a hora de deixar aqueles dois duendes. Sempre a discutir. São piores que os velhos dos Marretas…”, e soltou uma sonora gargalhada, rindo-se da sua própria piada. “Vá, vamos…”, apressou ele, vendo Pinto da Costa siderado ao volante.

E arrancaram…

Duas horas depois, parado num beco sombrio, Pinto da Costa olhou para o Pai Natal, acabado de entrar no carro. “Pronto…que raio de chaminé esta…cada vez as fazem mais apertadas…mas já está. A última prenda foi entregue…ufaaaaa…estou estoirado”, comentou, enquanto se espreguiçava.

“E agora, para onde?”, perguntou Pinto da Costa.

“Você para sua casa…e eu para a minha…preciso de descansar…mas antes, como prova de gratidão pela sua ajuda, sem a qual eu não conseguiria cumprir a tradição milenar, vou conceder-lhe uma prenda…”, afirmou o Pai Natal.

“Aliás, uma que são três, tipo ovo kinder”, acrescentou. “Vai ter direito a 3 desejos, mas que nada tenham a ver com a carreira desportiva da sua equipa. Assim como assim, vocês já ganham mesmo tudo…”, e soltou nova gargalhada ruidosa, que fez estremecer o carro.

“Devo é avisá-lo que tudo o que pedir, Luís Filipe Vieira, José Veiga, Leonor Pinhão e Carolina Salgado terão a dobrar....”

Pinto da Costa, consciente da sorte que lhe tinha calhado, encolheu os ombros, pouco preocupado com o aviso.

“Não faz mal, Pai Natal. Olhe, para primeiro desejo quero um Ferrari, de cor azul”.

Ainda o desejo não tinha acabado de ser formulado e, para assombro de Pinto da Costa, surgiu um Ferrari, a brilhar de novo, totalmente azul, estacionado ao lado do seu actual carro.

“Aqui tens. Neste momento, Luís Filipe Vieira José Veiga, Leonor Pinhão e Carolina Salgado têm dois Ferraris cada um”, informou o Pai Natal. O presidente portista encolheu os ombros, em sinal de desinteresse.

“Não me importa isso. Quero lá saber. Pai Natal, para meu segundo desejo, quero 100 milhões de euros”, exclamou Pinto da Costa.

Numa questão de segundos, viu-se rodeado de malas a perder de vista, totalmente cheias de maços de euros. Rejubilante, Pinto da Costa pegou no telemóvel, preparando-se para ligar à sua amada, para lhe dar a boa nova.

“Ó grande presidente”, bajulou o Pai Natal, “Luís Filipe Vieira, José Veiga, Leonor Pinhão e Carolina Salgado têm agora 200 milhões de euros cada um”, exclamou, tentando diminuir a alegria do presidente portista. Este, pouco incomodado, limitou-se a encolher novamente os ombros, enquanto ligava ao seu grande amigo, Reinaldo Teles.

“E então, qual vai ser o seu 3º e último desejo?”, perguntou o Pai Natal, enquanto procurava conter um bocejo.

Pinto da Costa desligou o telemóvel, passou a mão pelo cabelo, mantendo um ar pensativo, dando mostras de alguma indecisão. Quando o Pai Natal já dava mostras de impaciência, o presidente portista pediu:

"Sabe Pai Natal, sempre quis fazer alguma coisa de bom, de altruísta no plano pessoal, contribuir para algo, beneficiando o próximo. Olhe, sabe o que eu quero. Quero doar um rim....”.

10 comentários:

  1. Blue Boy, como não tenho comentado (por falta de tempo já que até no portogal tenho sentido muitas dificuldades para continuar com o blog activo), gostaria de aproveitar esta ocasião para te dar os parabéns por teres sabido fazer deste, um mágnifico blog, onde dá gosto aparecer todos os dias.

    Para ti e todos os portistas, um Feliz Natal e o desejo que 2008 nos traga muitas conquistas azuis e brancas.

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  2. Um excelente conto de natal!!! Depois de oferecer um equipamento completo do FCPorto ao meu sobrinho, nada melhor que contar este conto para o miúdo dormir em paz1!!!

    Abraço e Bom Natal a todos!!!

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  3. O mais belo conto de natal que alguma vez ouvi. Muitos parabéns Paulo, um texto belo e perspicaz.
    Um abraço.

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  4. Bom Natal a todos os portistas e desportistas. Nada melhor que fazer este desejo em mais um excelente texto do Paulo Pereira.

    Gostei do Pai Natal em tons de azul...

    Abraços.

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  5. Paulo, s-o-b-e-r-b-o!!
    Parabéns carago!

    aKeLe aBrAçO,

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  6. Capacidade imaginativa e grande qualidade de escrita. Um abraço Paulo, é uma sorte para nós q sejas do Porto!

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  10. Amigo Estilhaço, limpeza étnica realizada com sucesso.

    aKeLe aBrAçO,

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