04 julho, 2014

NOVELAS DE VERÃO IV: CUMPRIMENTA ESTES SENHORES

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Ainda no tópico das Novelas de Verão, não posso deixar de contar algo que vivi há uns bons anos atrás. Não consigo precisar a temporada ao certo, mas olhando para os protagonistas, o leitor certamente perceberá que se trata de um outro futebol.

Era o tempo em que os jogadores “entravam em estágio” antes dos jogos, uma prática que hoje só acontece nas deslocações fora de casa e, ainda assim, só nas mais importantes. Naquele tempo não. Acabava a semana de treinos e os atletas iam para estágio. Hoje em dia, entende-se que essa prática afasta os jogadores da família, do seu ambiente normal, que até porventura trará maior tensão nervosa pré-jogo. Não sei, não sou psicólogo, mas parece que pelos vistos há todo um rol de razões a justificar o facto do jogador de futebol de hoje em dia sair de casa para treinar uma hora, fazer ginásio na meia hora seguinte, tomar banho e ir para casa.

Ora, naquele tempo, o FC Porto ia estagiar nada mais nada menos que para Vila Nova de Gaia, na Avenida da República, no então denominado Gaia Hotel (o hotel ainda existe mas já foi comprado por uma multinacional da indústria hoteleira). O meu Avô fazia questão de me lá levar na esperança de encontrar algum jogador.

Não havia o afastamento entre jogadores e adeptos como hoje. Podia-se entrar no hall do hotel, cirandar por ali e era relativamente fácil encontrar um jogador a ler um jornal, outro no bar, outros a passear ou a conversar. Os jogadores eram pessoas como nós, quase todos do Norte, das várias localidades adjacentes à cidade do Porto. Aquela região a que normalmente chamamos de Grande Porto ou Zona Metropolitana do Porto, mas que mais não é do que uma área com profunda semelhança e identidade social e cultural. O Porto, no fundo, é isso tudo. O Porto não vai de Campanhã até à Foz, como muitos querem fazer crer (vide, a propósito, este artigo de título bastante “sugestivo”: "O Porto ainda é a segunda cidade do país? No 'ranking' das exportações é a 11.ª". Quem é do Norte, saber que estar em Gondomar, Trofa, Gaia, Valbom, Rio Tinto, Matosinhos, Maia, entre outros, é estar no Porto. O Porto é muito mais do que uma cidade, como o Douro é muito mais do que um rio. Como diria alguém: quem não sente, não entende.

Mas voltando ao tema, havia portanto uma tremenda identificação entre o adepto do FC Porto e o jogador. Éramos todos, digamos, da mesma casta.

E foi nesse pressuposto, nessa condição, que o meu Avô António pegou em mim pela mão e me levou até junto do João Pinto, do Domingos, do André e do Bandeirinha, todos sentados num muro, cá fora, em frente à recepção. Acercou-se deles, com a maior naturalidade do mundo, fruto também do respeito e autoridade que os anos conferem e disse-me “Rodrigo, cumprimenta estes Senhores”. Eu só tive que esticar a mão e cumprimentar os craques.

Rodrigo de Almada Martins

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