18 julho, 2014

PARA TI, SARGENTÃO!

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Li algures um dia, julgo que no A Arte da Guerra de Sun Tzu, que devemos dar sempre o troco no inimigo. Mesmo que seja mais tarde. Mesmo que já não interesse para nada. E, quanto mais tarde for, maior a probabilidade do inimigo não estar a contar com o nosso contra-ataque.

Isto não se trata propriamente de uma resposta nem mesmo de uma vingança, até porque a própria vida encarregou-se de lhe dar o troco. Da maneira mais rude e dura possível. E aliás este inimigo nem me conhece nem faz a mais pequena ideia de quem eu sou. Mas, enfim, não podia deixar de seguir o ensinamento de Sun Tzu.

Falo obviamente de Scolari. Os anos passaram, mas há quem tenha memória. E o portista tem memória. E eu sou portista. Não me esqueço do que fez esse senhor quando aqui chegou, vaidoso pelo título mundial que não ele mas Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos e Cafú tinham conquistado.

Convém recordar as coisas como elas foram. Emproado e arrogante, Scolari desceu do avião na Portela e escolheu Baía para ser o seu novo Romário. Foi a sua primeira decisão como seleccionador nacional: não convocar o melhor guarda-redes português de todos os tempos e campeão europeu pelo FC Porto em Gelsenkirchen. Uma forma de ganhar e legitimar poder, típica dos fracos e dos rasteiros. Pôr os melhores de lado, à margem, de modo a mostrar quem manda.

O problema é que Portugal está cheio de Scolaris em potência. Gente que prefere afastar os melhores do que colaborar e criar valor com eles. No futebol como na política e empresas. Daí que tenha havido um certo e estranho consenso sobre este afastamento, desembocado numa campanha de diabolização do nosso grande Baía. Ele tinha sido o causador da vergonha de Macau, ele era o grande criador do mau ambiente na Selecção, ele era mulherengo, ele era invejoso, ele era vaidoso, ele afinal não era assim tão bom. O Ricardo, esse, que nunca ganhou nada na vida, esse sim era fantástico.

A memória é curta, repito. Mas para o portista não. Por isso aqui estou eu a relembrar mais alguns episódios antigos. O Sargentão, esse grande disciplinador e motivador de equipas, disse um dia aos jornais que não ia ver jogos do FC Porto porque a Cidade Invicta era “muito longe”. Não, não é longe. São 300 kms, caro Sargentão e eu faço-os todas as semanas, à Sexta e ao Domingo. Se eu o faço de comboio e à boleia, para si não teria sido assim tão difícil.

Depois, convém recordar que no dia 12 de Junho de 2004, na cerimónia de abertura do Europeu, em pleno Estádio do Dragão, o Sargentão decidiu inteligentemente iniciar a campanha lusa com Ricardo Carvalho, Nuno Valente e Deco no banco de suplentes, colocando nos seus lugares os veteranos Fernando Couto, Rui Jorge e Rui Costa. Não é só a burrice de não colocar em campo o melhor central e o melhor médio centro do mundo da altura. É também a atitude de não os colocar diante do seu público, no seu estádio, onde haviam protagonizado jogos magistrais na Champions League desse ano. Mesmo assim, é justo lembrar os mais esquecidos a forma bonita e acolhedora como a Selecção foi recebida pelos portuenses no Dragão.

Nos jogos seguintes lá corrigiu o erro, fazendo uso da equipa vitoriosa do FC Porto de José Mourinho como espinha dorsal da Selecção Nacional. Mas o erro fatal já o havia cometido: Baía não estava lá. Daí que o golo de Charisteas, num canto aparentemente inofensivo, não possa ter surpreendido ninguém. Surpresa teria sido ganhar aquele Europeu com uma solução de recurso na baliza. Ficou sempre a ideia de que Baía, mestre nas alturas, teria feito melhor naquele lance.

Mas a história de Scolari não acaba aqui. Mesmo após a vergonhosa derrota final em casa frente à Grécia de Otto Rehagel, os experts aqui do bairro continuaram a endeusar a figura paternal de Scolari. Ele, afinal de contas, era uma espécie de pai do Minino. Ele havia-nos guiado até à primeira final. Ele fez de nós quartos classificados no Mundial 2006, etc. Para os jornalistas e demais paineleiros de plantão, ele era o melhor seleccionador português de todos os tempos. Muitos haviam já esquecido as brilhantes prestações portuguesas no Mundial 1966 e no Euro 1984. Scolari era o superassumo e tínhamos de nos rebaixar perante tamanha sumidade.

Poucos ou quase nenhuns se atreviam a apontar os erros de Scolari. Os portistas faziam-no sempre, diga-se, embora as suas vozes nunca tivessem tido os ecos que mereciam. A verdade nua e crua é que o Sargentão mais não fazia do que capitalizar a experiência da Geração De Ouro, conjugada com os talentos mais jovens de Cristiano Ronaldo e Nani, a que se somavam, claro, a imbatível equipa do FC Porto que conquistou tudo o que havia para conquistar por essa Europa fora.

Depois chegaram os problemas. O homem apresentava-se nervoso nas conferências de imprensa, reagia mal às críticas, chamava os outros de burros, insultava jornalistas e aplicava golpes de karaté no sérvio Dragutinovic. Era notório que o seu tempo havia passado, que as suas tácticas estavam ultrapassadas, que o seu conhecimento físico-atlético era retrógrado. A Selecção jogava cada vez pior, cada vez mais desmotivada, a necessária renovação não surgia. Mesmo assim, Scolari saiu de Portugal com a cotação em alta e com um enorme obrigado da maioria dos portugueses. Não todos, claro.

Seguiu-se o Chelsea, mas nem teve tempo de aquecer o banco. Passados poucos meses, como seria de esperar, saiu corrido com uma choruda indemnização. Como explicar a craques do mais fino quilate que os jogos se resolvem rezando a Nª. Srª. de Caravaggio e cofiando o bigode do Murtosa?

Exilou-se, então, no Uzbequistão, onde foi “capaz” de conquistar o campeonato local ao serviço do Bunyodkor, invicto e com 23 vitórias consecutivas, o que diz bem da “competitividade” do futebol em terras uzbeques.

Regressa então ao Brasil para treinar o Palmeiras. Aguenta-se lá mais de dois anos e apesar da conquista de uma Taça do Brasil, acaba demitido poucos meses depois. Não ficaria desempregado por muito tempo. Numa incrível decisão, a CBF, que hoje se sabe ter sido abordada pelo irmão de Pep Guardiola no sentido de manifestar o interesse deste em treinar a Canarinha, escolhe Scolari para liderar o Brasil no seu próprio Mundial. Os brasileiros, de facto, são “filhos” de quem são e por isso há que lhes perdoar toda a estupidez. Tiveram bons professores.

Todos sabem o que aconteceu a seguir. A epopeia deste enganador chegou ao fim. Nunca tantos foram enganados por tão poucos. Aos amigos que me tentavam convencer ano após ano das qualidades de Scolari, respondia sempre da mesma forma: "Rezo todos os dias um bocadinho para que esse homem se f...".

O destino encarregou-se de dar razão aos portistas. Deixar um jogador, no caso o melhor guarda-redes português de todos os tempos, anos a fio de fora das convocatórias, sem ter a humildade e verticalidade de explicar o porquê, é mais ou menos como prender alguém na solitária durante vários anos sem lhe dizer de que o acusam. Como se diz, Deus escreve direito por linhas tortas. Mas enfim, não era preciso tanto. Com sete o destino caprichou, né? E o burro sou eu?

Rodrigo de Almada Martins

6 comentários:

  1. Muito bem.Parabéns

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  2. Muito bem apreciado.Texto bem escrito e bem organizado.E acima de tudo repleto de verdades.
    Gostaria de ter sido eu a escreve lo.Não diria melhor.Exactamente assim.

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  3. Só faltou adjectivar um pouco mais essa amostra de treinador, mas pronto... ainda à menos de um mês o homem tratou de nos fazer dar 7 valentes gargalhadas com toda a sua sabedoria tatica e ainda outras no discurso pos-proferido!
    É Perfeito quando a memória não é curta e o tempo se encarrega de fazer justiça!
    DMST

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  4. Eu também gostaria de ter escrito este texto e também lhe tiro o chapéu.

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