06 fevereiro, 2008

Ricardo Show Quaresma

‘Nortada' do Miguel Sousa Tavares

O campeonato ficou mais chato outra vez...

1 - O futebol é um jogo relativamente simples, do ponto de vista táctico. Em cada equipa há um grupo de jogadores mais numeroso cuja função é evitar o golo do adversário e um grupo, de entre dois a quatro elementos, cuja função é tentar marcar golos ao adversário; entre um e outro grupo funciona o meio-campo, que faz a ligação entre ambos os sectores e que tem de fazer um pouco de ambas as coisas: defender quando a equipa não tem a bola e atacar quando a tem. Basicamente, durante o jogo, o que o treinador tem de fazer é decidir com quantos ataca e com quantos defende e colocar os jogadores certos nas posições certas. O resto, o resto que faz a diferença, é o talento dos jogadores lá dentro.

Há jogadores que podem ser muito úteis a uma equipa mas que jamais marcarão a diferença, a não ser pela negativa: podem tornar-se responsáveis pela derrota, num lance feliz, mas jamais serão capazes de se transformar em responsáveis pela vitória. São os chamdos «carregadores de piano» e, não desfazendo na sua utilidade, eles não passarão à história e nunca justificarão por si sós uma ida ao estádio para os ver jogar. Depois, há uma outra categoria de jogadores, largamente maioritária, que umas vezes jogam bem, outras jogam mal, umas vezes constroem jogo, outras destroem-no, e ocasionalmente são os heróis de um jogo. E há, enfim, os desequilibradores, aqueles que sozinhos são capazes de resolver jogos, de marcar golos ou dá-los a marcar e de fazer com uma bola nos pés o que ninguém mais consegue. Estes são os jogadores que ficam para a história, os que enchem estádios, os que se transformam em lenda, que passa de pais para filhos e atrai sucessivas gerações para a paixão por este jogo planetário. Sábado à tarde, no Dragão, Ricardo Quaresma voltou a mostrar, pela enésima vez, a razão pela qual todos os que gostam de futebol jamais esquecerão o seu nome e ainda hão-de falar com saudade muito depois de Quaresma ter arrumado as botas num canto nostálgico do armário lá de casa.

Há quinze dias atrás, no mesmo estádio do Dragão, um grupo de adeptos portistas lembrou-se de assobiar Quaresma. Por razões de simples gratidão e memória, bem podiam ter estado calados. Por razões de elementar justiça, bem podiam ter escolhido outro alvo. Mas, sobretudo e por razões de simples vergonha, deviam ter ficado respeitosamente calados se, numa tarde como as outras, as coisas não sairam a Quaresma tão bem como de costume e tão bem como ele sempre quer. Porque esses que então assobiaram Quaresma não percebem nada de futebol. Repito: não percebem nada, rigorosamente nada, de futebol. Ó desgraçado grupo de adeptos do meu clube: vocês hão-de chorar amargamente a ausência de Ricardo Quaresma!

Quando há dois anos atrás, essa inteligência superior que era Co Adriaanse resolver prescindir do Quaresma e toda a crítica o apoiou porque, diziam, o Quaresma não defendia, só atacava, eu fiquei entre a vontade de rir e a vontade de chorar. E lembrei até o exemplo do Jardel, cuja especialidade era outra, mas os resultados idênticos. O Jardel passava o jogo inteiro instalado entre os centrais, não recuando nunca para apoiar o meio-campo em situações defensivas. Num jogo inteiro, não tocava na bola mais do que umas dez vezes, mas, quando tocava, ou era golo ou um susto para o adversário. Para quê pedir ao Jardel que se desgastasse a defender e depois não tivesse forças para a impulsão para o cabeceamento que marcava golo decisivo? Para quê pedir ao Quaresma que defenda, se o seu génio é atacar e se o que interessa é que ele mantenha as forças para partir os rins aos adversários e cruzar como não se via desde os tempos do Drulovic?

Sábado, contra o Leiria, Ricardo Quaresma não se limitou a tirar três cruzamentos perfeitos para outros tantos golos (um deles anulado por offside): rematou, passou, desmarcou, atacou por ambas as alas e pelo centro, e desbobinou um impressionante e entusiasmante reportório de golpes de classe de que alguns deles não há ninguém mais capaz de fazer neste momento, em todo o planeta futobolístico. Desde o Madjer que eu não via tanta classe pura num jogador de azul e branco! A exibição do FC Porto atingiu momentos de autêntico luxo — como já sucedera oito dias antes em Alvalade, onde só um azar dificilmente repetível evitou goleada semelhante. Mas, dentro dessa exbição colectiva, houve também o espectáculo extra de Ricardo Quaresma. Dizem que agora é o Liverpool que o quer por 25 milhões: eu acho que ele vale 4O, pelo menos. Vinte, por aquilo que ele representa nas vitórias do FC Porto; dez, pelas receitas que vamos perder depois de não haver Quaresma para ir ver jogar no Dragão nem camisolas dele para vender; e outros dez pelos danos morais que a nação portista vai sofrer depois de ver partir o seu menino de ouro.

2 - Depois da derrota em Alvalade, na semana passada, escrevi aqui que o FC Porto iria ganhar o campeonato tranquilamente. Bastou uma semana para o confirmar, mas também não foi uma previsão difícil: todos os que percebem alguma coisa de futebol pensaram o mesmo, apesar de o FC Porto ter acabado de ver os dois rivais mais directos encurtarem a distãncia em três pontos. Mas até podiam estar em igualdade pontual e a previsão mantinha-se: bastava ver jogar o Porto e comparar com Benfica e Sporting. Quem viu jogar os três «grandes» este fim-de semana ficou seguramente sem qualquer dúvida que ainda lhe pudesse restar. A diferença entre o futebol dos dragões e o futebolzinho de águias e leões é tamanha que eles nem parecem jogar na mesma Liga. O Benfica ainda conseguiu distrair as atenções com a vitória muito feliz em Guimarães, o suficiente para Luis Filipe Vieira anunciar que uma nova vida, uma nova atitude e uma nova possibilidade de conquista começavam aí. Enganou-se, provando mais uma vez que de futebol percebe pouco: o Benfica que se viu contra o Nacional só pode ter um objectivo que é o de segurar o segundo lugar, dê lá por onde der. Também as gentes sportinguistas quiseram acreditar que a crise estava ultrapassada porque se haviam ganho quatro jogos sucessivos. Pois ganharam: todos em Alvalade, dois deles contra equipas da segunda divisão, um contra uma equipa da quinta divisão e o outro o tal bambúrrio de sorte que foi o jogo com o Porto. Assim que se viram fora de Alvalade, contra uma equipa da mesma Liga e sem os favores da sorte, baquearam, sem mostrar qualquer capacidade e engenho para outra coisa.

O campeonato ficou mais chato, outra vez: concordo que sim. Mas a culpa não é do FC Porto com toda a certeza. A equipa está outra vez a subir de forma e na melhor altura, quando se aproxima a passos largos a eliminatória contra o Schalke, o momento decisivo da época, em que o FC Porto se pode ver entre os oito melhores da Europa, a disputar os quartos-finais da Champions. Jesualdo Ferreira parece ter começado já uma gestão cautelosa do esforço dos principais jogadores, que se sabe são determinantes para compensar algum desequilibrio da equipa, sobretudo na zona central da defesa e no meio-campo. Toda a gente sabe quem são esses jogadores: são os que os tubarões estrangeiros cobiçam — Bosingwa, Bruno Alves, Fucile, Lucho, Quaresma e Lisandro. É meia equipa e, até agora, Jesualdo Ferreira tem tido a sorte de não ver nenhum deles lesionado. Mas é avisado ir poupando-os sempre que possível. O lançamento de Castro, este fim-de-semana, com uma estreia bem positiva, já foi um bom sinal. Assim como a inesperada recuperação de Farías, que, de facto, ninguém previa e nada fazia prever. Ou o regresso ao lar de Helder Barbosa e a chegada antecipada de Rabiola. Pena que o Leandro Lima esteja embrulhado naquela confusão de registo civil e desaparecido em parte incerta. Mas estão agora reunidas todas as condições para que Jesualdo estenda o plantel de 13 ou 14 jogadores de estimação para 17 ou 18.
# jornal “A BOLA” de 2008.02.05
# origem: "Futebolar"

2 comentários:

  1. ESTE endeusamento ao Quaresma não me parece (tal como os assobios) necessário. Ele tem potencial para continuar a encantar mas isso é tb a sua obrigação perante os adeptos q pagam bilhete.

    Quanto a:
    «Mas estão agora reunidas todas as condições para que Jesualdo estenda o plantel de 13 ou 14 jogadores de estimação para 17 ou 18»

    Totalmente de acordo e o Professor tem ganho mts simpatias esta época (também a minha).

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  2. Hoje estou de acordo com o MST...
    Mas não querendo ser contraproducente também alinho no que diz o Lucho, que o Quaresma não precisa de ser bajulado... Mas acarinhado, sim... Não vejo mal nisso...

    Relativamente a questão de o leque de jogadores ser alargado, parece-me bem... Existem jogadores com efectiva qualidade que não podem ficar uma época à margem do plantel. Além de que o Porto vai ter una nova fase que espero seja de muito desgaste pois isso significa a passagem em frente nas diferentes competições...
    Outro dos motivos que me leva a querer que tal se verifique é que espero que para o próximo ano, não existam muitas alterações no plantel. Por volta dos 5 jogadores seria o ideal...

    Saudações azuis e brancas
    Carlos Pinto

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