24 abril, 2014

MÍSTICA

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Sei que sou retrogrado em algumas abordagens que faço aquilo que hoje é o futebol, a sua indústria e forma de organização de um clube moderno. Sei que mantenho valores fora de moda, desatualizados e até ultrapassados. O problema é que depois os resultados parecem demonstrar que as modernices não são o melhor caminho para um clube com a identidade do FC Porto.

Todos sabemos, excepção feita à comunicação social centralista, que fomos prejudicados, explorados, roubados e assaltados durante anos a fio por aqueles que hoje andam com a bandeira da transparência, honestidade e seriedade. Para sermos capazes de quebrar esse ciclo e passarmos a ter a chance de ganhar, foi preciso que José Maria Pedroto e Jorge Nuno Pinto da Costa introduzissem um discurso e atitude diferentes, mais guerreira, mais combativa, mais ambiciosa e essencialmente muito menos receosa de quem quer que seja. Esse discurso e atitude passou a ter reflexo nos nossos dirigentes, nos nossos adeptos, nos nossos jogadores, enfim, em todo o Universo Azul.

A guerra sem quartel que foi feita aos poderes instalados nos clubes da capital, levou-nos a ser autênticos guerreiros que sabem nunca poder baixar a guarda, criando desta forma os pressupostos daquilo que durante muitos anos ouvidos designar de Mística.
Passamos a ter jogadores e treinadores banais que, ao absorverem a nossa cultura, se transformavam e ganhavam outra dimensão, potenciando o seu valor, e mostrando em campo toda a capacidade.
Para mim, muito mais importante do que o jogador A ou B, do que o treinador C ou D, foi a Mística que nos permitiu passar a liderar o panorama desportivo em Portugal, também com reflexos no estrangeiro.

O facto é que hoje em dia, a nossa cultura está em crise profunda, sendo isto transversal a dirigentes, jogadores e adeptos.
Nada tenho contra quem é um bom profissional no exercício das suas funções. No meu dia a dia, dou o máximo pelo minha empresa, vestindo a camisola, e sendo um profissional do qual me orgulho. Agora imagino o que seria se juntasse a esse profissionalismo uma enorme paixão, um amor louco pela minha empresa. Bom, eu seria uma autentica “bomba”! Pois é, nada tenho contra os bons profissionais que o FC Porto possa ter no seu quadro dirigente, não pondo em causa a sua competência. Mas falta paixão! Falta a paixão e amor louco de Teles Roxo, de Óscar Cruz, de Armando Pimentel, de Pôncio Monteiro, de Ilídio Pinto, etc. Hoje a nossa classe dirigente é marcada por uma geração que pode até ser mais competente do que a anterior, mas não tem um décimo do amor e da paixão pelo clube que a anterior tinha. E num clube a paixão faz toda a diferença face a uma empresa de um outro qualquer ramo de negócio!
É por isso que não podemos estar à espera que seja esta classe dirigente actual a passar o testemunho daquilo que é a nossa Mística.

Olhando para o núcleo de jogadores que compõem o nosso plantel, em cada jogo é para mim uma aventura saber quem será o capitão de equipa. Ora, esta dúvida demonstra a falta de referências no balneário, a falta de identificação sobre o que é o FC Porto e quais os seus valores. Não há uma voz forte de comando, um núcleo duro constituído por 7, 8, 9, 10 jogadores com muitos anos de casa, formados ou desde jovens connosco, capazes de serem e se fazerem respeitar junto dos restantes, nomeadamente os mais recentes no clube, percebendo estes que aqueles são o reflexo do clube e da sua cultura. Não temos neste momento líderes de balneário, gente capaz de explicar a quem chega o que é o FC Porto, quais são os seus princípios, e porque é que este clube é diferente dos outros. Só assim se percebe que tantos e tantos jogadores entrem em campo com chuteiras vermelhas ou dentro desses tons... é um sintoma de perda de identidade!
Há dias falava com um nosso ex-jogador que é muito próximo ao grupo de trabalho, o qual me dizia que hoje em dia basta chamar a atenção de um desses meninos de uma forma um pouco mais dura, que rapidamente se recebe uma chamada de alguém a dizer para se ter cuidado, que não se pode falar assim, pois o pai, o empresário ou a marca que patrocina o jogador já telefonaram a mostrar desagrado. Sintomático!
É por isso que não podemos estar à espera que seja este conjunto actual de jogadores a passar o testemunho daquilo que é a nossa Mística.

Ora, se os dirigentes não são capazes de transmitir a mística aos jogadores, se no grupo de jogadores não há um núcleo duro capaz de o transmitir a quem chega, então qual a solução? Apenas os adeptos! Sim, então têm que ser os adeptos, a última e grande força do clube, a não permitir que a nossa Mística morra. Se mais ninguém o faz, deveríamos ser nós a explicar aos jogadores o porquê deste clube ser diferente, o porquê de não se poderem comportar neste clube como se comportam nos outros.
Mas não, parece que também nós estamos dominados por uma letargia colectiva que não nos permite ser os guerreiros que o clube tanto precisa. A cultura de exigência parece ser agora uma balela, e os jogadores umas “prima-donas” intocáveis!
Longe vão os tempos em que os jogadores davam entrevistas quando saíam, a dizer que no FC Porto tudo era diferente, que todos tinham grande sentido de responsabilidade, pois sabiam que se não dessem tudo, à porta de casa, à saída de um restaurante, ou à chegada a um treino, lá estariam os adeptos a cobrar outra atitude.
O que acontece agora? NADA!!! Como se explica que tenhamos protagonizado uma das mais “escandaleiras” desportivas que há memória na passada 4ª feira no estádio sem luz, e nada tivesse ocorrido? Jogadores a serem brindados com os aplausos de 7 adeptos, dando-se ao luxo de dar autógrafos na saída dos seus carros. No dia seguinte vão para o treino como se nada fosse. Falam como se tivesse sido uma coisa normal, tipo “temos que trabalhar mais” ou “é preciso levantar a cabeça”... e os adeptos?? O que fazem os adepto??? NADA!!!!
Se assim é, se ninguém “explica” aos jogadores o que ocorreu, depois estamos à espera de quê? Depois ficamos chateados com derrotas e queremos cobrar outro comportamento e atitude? Não temos legitimidade para tal, quando nos próprios nos aburguesamos e permitimos que o nosso clube se tornasse igual a tantos outros.

Por tudo o atrás enunciado, e muito mais que a própria escrita não é capaz de transmitir que, no quase balanço de uma época muito negativa, com alguns momentos quase ridículos, está na hora de perceber que não é só de jogadores, treinadores e dirigentes que o FC Porto vive. Numa altura em que muito se fala em nomes do novo treinador, em fazer uma revolução no plantel, eu mantenho sempre a mesma ideia: não estou nada preocupado com quem será o novo treinador, quem serão os jogadores a contratar, e ainda menos, quem serão os jogadores a sair. Estou preocupado, isso sim é em saber se voltaremos a ter o bom e velho FC Porto com mística, com alma, com identidade, fiel aos valores que o fizeram crescer e transformar-se na maior potencia em Portugal, ou se pelo contrário continuaremos com tiques de superioridade, de “rei na barriga”, de profissionalismo puro esquecendo a paixão.
Se não formos fieis ao que fez de nós aquilo que somos hoje, aí sim poderemos começar a sentar-mo-nos no sofá e encostar a cabeça para trás, pois seguramente vêm aí anos muito difíceis, pois o centralismo está no seu melhor, e o combate que é feito ao FC Porto através de um anti-portismo primário está novamente (e se calhar como nunca!) na moda.

Um abraço, até domingo no sítio do costume... espero eu, para ver um Dragão sem pipoqueiros e apenas com guerreiros!

1 comentário:

  1. Parabéns pela sua crónica.

    O problema tem vindo a ser de identidade, desde há vários anos. Não se sente amor e paixão pelo clube. Há falta de liderança na estrutura directiva e, por consequência, no balneário. Perdemos as referências. A Visão 611 e o Dragon Force têm servido para quê? Potenciar talentos a quem deixou de interessar? As vitórias iam encobrindo…

    Abraço

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